Arbitragem cujo presidente esconde vínculo com parte é nula, diz TJ-SP
26 de setembro de 2024, 11h22
A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou, por unanimidade, uma sentença arbitral por falha no dever de revelação do árbitro-presidente do processo.
Na ação anulatória, a parte apelante afirma que apresentou documentos à corte arbitral que apontam vínculo do árbitro-presidente com uma das partes. Ele prestou serviços como parecerista para o escritório que representa a parte favorecida. Após negar resposta aos questionamentos e não admitir a conexão, o árbitro-presidente foi impugnado formalmente e renunciou ao cargo.
Os desembargadores do TJ-SP entenderam que a desconfiança da parte apelante era legítima, já que era preciso informar interesses comuns e contemporâneos entre o árbitro e os advogados da parte favorecida.
“De modo objetivo, sem o consentimento informado, em relação a interesses comuns e contemporâneos entre o árbitro-presidente e os advogados da contraparte, o ato de julgar, no procedimento arbitral, ficou comprometido, por conta da legítima desconfiança sobre a equidistância do árbitro-presidente, daí a motivação para o reconhecimento judicial da nulidade da segunda sentença arbitral”, resumiu o relator, desembargador Grava Brazil.
O relator frisou que o parágrafo primeiro do artigo 14 da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307) estabelece que os indicados para função de árbitro têm o dever de revelar, antes de aceitar a função e durante o processo arbitral, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.
Ele também afastou a alegação de que vínculo como parecerista entre o árbitro-presidente e o escritório de advocacia sequer poderia ser revelado, dado o sigilo profissional e a privacidade dos envolvidos.
A decisão recriminou o árbitro-presidente, que avocou para si o papel de decidir sozinho se ele próprio falhou com o dever de revelação e sobre o que é necessário ou não ser revelado. A notoriedade deste árbitro como parecerista não tem o condão de fazer com que o recorrente entenda de forma implícita que há interação entre ele e os advogados da contraparte, afirmou o relator, referindo-se ao arbitralista Nelson Nery.
“Enfim, para afastar a assimetria de informações, era imprescindível a revelação das interações profissionais, em especial o histórico e a intensidade delas, para permitir eventual consentimento informado”, explicou o relator.
Transparência máxima
O julgador citou voto do ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 2.101.901, em que ele defende que deve ser exigido do árbitro “a maior transparência possível, de forma que todos os dados e circunstâncias sobre seu histórico profissional e social que podem, razoavelmente, gerar dúvida ou abalar a crença sobre sua imparcialidade e independência devem ser por ele revelados”.
O relator também analisou o aspecto temporal e o grau de intensidade da relação entre o árbitro e os advogados.
“Em outubro de 2019, deu-se o ingresso dos advogados atuantes na defesa da apelada, na arbitragem; dois meses antes disso e seis meses após, o árbitro-presidente teve interação profissional com esses advogados, prestando serviços como parecerista; ainda, em maio de 2022 (um mês após a sentença arbitral sub judice), o árbitro-presidente novamente prestou serviços de consultoria, com intermediação dos mesmos advogados”, registrou.
Os serviços, bem remunerados, foram prestados durante o procedimento arbitral e no cumprimento de sentença proferida naquela arbitragem. A decisão diz que o valor da remuneração recebida pelo árbitro pelos seus serviços como parecerista é irrelevante, mas que o fato não poderia ser omitido.
Em levantamento feito pelo Anuário da Justiça do Direito Empresarial — produzido pela equipe da revista eletrônica Consultor Jurídico — apurou-se que mais da metade das mil maiores empresas brasileiras deixaram de prever cláusula arbitral em seus contratos.
Criada com o objetivo de julgamentos mais céleres, menos dispendiosos e eficientes, a arbitragem no Brasil tornou-se mais famosa pelos casos de parcialidades que pelos seus resultados. O ideal do autor do projeto que se tornou a Lei 9.307/96, senador Marco Maciel, sucumbiu nesse aspecto. A contestação a más práticas se avoluma. Um caso paradigmático foi brecado pela ministra Nancy Andrighi, do STJ, que negou convalidação a arbitragem nos Estados Unidos, em que o árbitro-presidente era advogado da parte ganhadora — a espanhola Abengoa.
Maciel idealizou a convocação de engenheiros, economistas, matemáticos, médicos ou mesmo advogados como julgadores nas suas respectivas áreas de conhecimento. O sistema, entretanto, foi capturado pelo chamado “clube dos arbitralistas” — que se revezam nos papéis de árbitros, pareceristas ou advogados, que se relacionam em inúmeras arbitragens.
No caso desta notícia, o advogado Marcos Hokumura Reis sustentou em favor da apelante.
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Processo 1093678-77.2022.8.26.0100
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