Recentemente, a advogada e influencer Deolane Bezerra foi detida preventivamente sob suspeita de envolvimento em um esquema de lavagem de dinheiro relacionado a jogos de azar.
Segundo as investigações conduzidas pela autoridade policial, ela atuava como garota-propaganda da Edscap, uma empresa que comercializava títulos de capitalização e cedia o direito de resgate dos pagamentos para a Federação Nacional da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae Brasil).
A investigação apurou que, por meio da Edscap, o empresário Darwin Henrique da Silva teria lavado dinheiro proveniente do jogo do bicho e de apostas ilegais.
Conforme as investigações preliminares, Deolane promovia rifas e sorteios milionários nas redes sociais por meio da Edscap, que, supostamente, revertia os valores totais dos resgates de títulos de capitalização para a Apae Brasil. Esta, por sua vez, teria enviado uma parcela da quantia para a advogada.
Esse fato levantou suspeitas no Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), especialmente em relação ao crédito de quase R$ 3 milhões feito pela Federação Nacional das Apaes na conta corrente de Bezerra Publicidade, empresa da influenciadora, ao longo de três meses.
Questionada sobre a origem do dinheiro, Deolane justificou que os valores eram provenientes do pagamento por ações de publicidade e propaganda em favor da Edscap e da Apae Brasil. Diante dos indícios de movimentações financeiras incomuns, os contratos de publicidade foram solicitados à empresa da influenciadora, que até o momento não os apresentou.
Outros casos
Aparentemente inocente, a entidade é a possível facilitadora perfeita para atividades criminosas. Casos como esse são encontrados aos montes, e se somam ao triste portfólio da instituição.
Segundo o Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), entre 2006 e 2009, pelo menos R$ 600 mil foram desviados em um esquema envolvendo antigos servidores públicos de Palhoça e a diretora financeira da Apae da cidade.
Alegando agilizar o pagamento de despesas da entidade, uma servidora pública teria recebido talões de cheque em branco, assinados pela presidente da Apae. Para evitar a fiscalização nas prestações de contas, os cheques teriam sido fotocopiados e suas cópias preenchidas como se fossem destinadas a despesas correntes, sendo posteriormente arquivadas.
Outro caso semelhante aconteceu em 2010, quando o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de Guarapuava prendeu em flagrante o secretário da Apae da cidade de Turvo (PR). Ele foi acusado de peculato, lavagem de dinheiro e uso ilegal de verbas públicas.
Segundo o delegado, o secretário falsificava holerites de técnicos da instituição para desviar recursos do SUS (Sistema Único de Saúde) e utilizava notas fiscais “frias” para justificar despesas pessoais, como churrascarias, restaurantes, a fatura de seu telefone residencial e a mensalidade da academia de sua esposa.
Esse ano, 2024, o Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção) e o Gaeco, mobilizados pelo Ministério Público do Mato Grosso do Sul (MP-MS), denunciaram fraude e corrupção na compra de materiais de ostomia para a Apae de Campo Grande, como parte da operação “turn off”.
O convênio, firmado com a Secretaria de Estado de Saúde, tinha o valor de R$ 22.996.305,73. De acordo com o MP-MS, os denunciados, Lucas e Sérgio Coutinho, receberiam uma porcentagem do valor dos convênios em propinas.
Riscos futuros
Acaba de ser aprovado na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.372/19, que cria o Fundo Nacional de Apoio às Apaes.
O projeto visa repassar 0,5% do valor dos prêmios sorteados pelas loterias da Caixa, especificamente da Mega Sena, para a instituição. Atualmente, a Apae recebe recursos públicos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), por meio do programa Dinheiro Direto na Escola.
A ausência de previsão de mecanismos de fiscalização específicos no projeto pode gerar preocupações sobre o uso adequado do dinheiro do fundo, baseando-se apenas na presumida idoneidade das Apaes. Esse se somaria aos muitos recursos repassados às instituições do terceiro setor que, apesar de representarem causa nobre, estão livres da vigilância comumente reservada a recursos públicos.
Caso o não acompanhamento ou fiscalização continue, é capaz que mais esse recurso, parte dos vários milhões já dedicados às atividades das entidades, seja alvo de desvios. Nenhuma organização deve estar acima de suspeitas, dado que a presunção de idoneidade tem criado um ambiente fértil aos desvios.
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Mais de R$ 600 mil foram desviados da Apae de Palhoça, aponta Ministério Público (ndmais.com.br)
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