O Decreto nº 12.174, de 11 de setembro de 2024, estabelece diretrizes claras para garantir o cumprimento de direitos trabalhistas na execução de contratos administrativos no âmbito da administração pública federal, autárquica e fundacional.
Exige que as empresas observem normas trabalhistas rigorosas, especialmente em relação à erradicação do trabalho análogo ao de escravo e do trabalho infantil, além de dispor sobre a proteção à saúde e à segurança dos trabalhadores. Essas disposições se alinham diretamente com os padrões globais da OIT (Organização Internacional do Trabalho), bem como com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, em particular o ODS 8, que visa promover trabalho decente e crescimento econômico inclusivo.
A OIT, ao longo de sua história, tem estabelecido convenções e recomendações que buscam garantir condições dignas de trabalho e a proteção dos direitos dos trabalhadores. De acordo com Guy Ryder, ex-diretor-geral da organização, a eliminação de práticas de exploração como o trabalho forçado e o trabalho infantil está no cerne da promoção de um trabalho decente e digno para todos.
O decreto se conecta diretamente com convenções como a Convenção 138, que trata da idade mínima para o trabalho, e a Convenção 182, que aborda a erradicação das piores formas de trabalho infantil.
Além disso, ao incorporar cláusulas que combatem o trabalho forçado, o decreto brasileiro se alinha às Convenções 29 e 105 da OIT, reforçando o compromisso com a eliminação de práticas de exploração no ambiente laboral.
As empresas contratadas pelo poder público também deverão garantir a recepção e o tratamento adequado de denúncias de discriminação, assédio e violência no trabalho, um passo fundamental para assegurar ambientes de trabalho mais justos e igualitários, uma visão amplamente defendida por organizações como Human Rights Watch e a própria OIT.
Para as empresas, o impacto desse decreto é significativo, impondo uma série de obrigações jurídicas, operacionais e financeiras que exigem preparação e adaptação. Além do cumprimento de normas trabalhistas, as empresas contratadas serão solidariamente responsáveis por quaisquer violações cometidas por suas subcontratadas, o que exige uma diligência ainda maior na escolha de parceiros e no controle sobre a cadeia produtiva.
Outro aspecto relevante é a previsão de cláusulas que assegurem aos trabalhadores o direito ao gozo de férias de forma previsível e a possibilidade de compensação de jornada de trabalho em determinadas condições. Esses requisitos demandam um planejamento mais cuidadoso da gestão de pessoal, com impactos diretos no cronograma e nos custos operacionais das empresas.
Segundo Kevin H. Bales, um dos maiores especialistas no estudo da escravidão moderna, práticas empresariais negligentes ou a falta de fiscalização de subcontratadas podem resultar em condições análogas ao trabalho escravo, enfatizando a importância de um controle rigoroso da cadeia de fornecimento.
Além disso, os contratos de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra deverão prever a redução da jornada semanal para 40 horas, sem prejuízo da remuneração dos trabalhadores, em determinadas condições, o que poderá aumentar os custos para empresas que dependem de força de trabalho intensiva.
A formação de preços nas propostas também será impactada, pois os valores estimados deverão considerar os salários e benefícios previstos nas convenções coletivas aplicáveis à categoria profissional que executará o serviço contratado. Especialistas como John Ruggie, autor dos Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU, enfatizam a importância de empresas incorporarem essas responsabilidades sociais e trabalhistas em suas operações, não apenas para cumprir regulamentações, mas como parte de uma estratégia de sustentabilidade corporativa de longo prazo.
Adequação ao decreto
Diante desses desafios, as empresas devem se preparar revisando seus contratos atuais e futuros para garantir a conformidade com as novas exigências trazidas pelo Decreto nº 12.174/2024. A conformidade com essas novas normas requer uma abordagem estratégica que considere todos os aspectos trabalhistas, operacionais e de governança, já que o decreto envolve mudanças que podem impactar profundamente a gestão dos contratos com a administração pública. Para lidar com isso, é essencial implementar um plano de etapas claras que aborde as principais exigências do decreto e as medidas necessárias para mitigação de riscos.
O primeiro passo deve ser a realização de uma auditoria completa dos contratos vigentes com a administração pública. Essa revisão servirá para identificar cláusulas que precisam ser atualizadas ou renegociadas à luz das novas exigências legais.
Empresas que possuem contratos contínuos de prestação de serviços, especialmente aqueles que envolvem dedicação exclusiva de mão de obra, precisarão adequar-se à previsão de redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, sem prejuízo de remuneração, e incorporar cláusulas que garantam o direito de férias dos trabalhadores de forma previsível.
Assim, um esforço coordenado entre as áreas jurídica e de recursos humanos será necessário para reescrever os contratos de forma a garantir que estejam em conformidade com o novo quadro legal.
Além da revisão contratual, é crucial que as empresas implementem mecanismos robustos de diligência para monitorar as práticas de suas subcontratadas. O decreto exige responsabilidade solidária sobre as ações das subcontratadas, o que implica que a empresa principal pode ser penalizada por violações trabalhistas cometidas por suas parceiras.
Para isso, deve ser implementado um sistema de auditoria e fiscalização que garanta que todas as empresas da cadeia de fornecimento estejam cumprindo as obrigações trabalhistas. A criação de um programa de compliance trabalhista também pode ser um diferencial competitivo, assegurando a conformidade contínua com as leis e prevenindo riscos legais e reputacionais.
O treinamento e a capacitação de equipes, tanto em nível gerencial quanto operacional, também são etapas fundamentais nesse processo. Todos os envolvidos na operação — desde os gestores até os trabalhadores diretamente impactados — precisam ser capacitados sobre as novas regras e procedimentos estabelecidos pelo decreto. As áreas de compliance e de gestão de recursos humanos devem conduzir programas regulares de treinamento sobre o cumprimento de normas trabalhistas, segurança no trabalho e como lidar com denúncias de discriminação, violência e assédio no ambiente de trabalho.
Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia, defende que o cumprimento dos direitos trabalhistas não é apenas uma questão ética, mas também um fator que pode melhorar a competitividade das empresas, já que condições dignas de trabalho estão diretamente relacionadas ao aumento da produtividade e à criação de um ambiente empresarial mais sustentável.
Por fim, é importante que as empresas monitorem as convenções coletivas e acordos de trabalho aplicáveis às categorias profissionais envolvidas nos contratos administrativos. Isso se torna ainda mais relevante quando se considera que a formação de preços nas propostas de licitação deve ser baseada nessas convenções e acordos, assegurando que os valores sejam compatíveis com os salários e benefícios da categoria.
Além disso, essa prática ajudará a garantir que as propostas submetidas para os contratos administrativos estejam em conformidade com as expectativas financeiras da administração pública, evitando rejeições e retrabalhos.
A implementação dessas etapas — revisão de contratos, diligência com subcontratadas, treinamento de equipes e monitoramento de convenções coletivas — não só garantirá o cumprimento das exigências do decreto, mas também poderá posicionar as empresas como líderes em responsabilidade social corporativa e sustentabilidade.
Dessa forma, as empresas estarão não apenas cumprindo suas obrigações legais, mas também fortalecendo sua reputação e assegurando um desenvolvimento econômico mais sustentável a longo prazo, conforme preconizam especialistas como Amartya Sen.
A adequação ao decreto exigirá das empresas não apenas um compromisso com a legislação vigente, mas também uma adaptação de suas práticas internas de gestão de recursos humanos, monitoramento de convenções coletivas e revisão de suas políticas de compliance trabalhista.
A criação de canais de denúncia eficazes e a implementação de políticas para o tratamento de questões relacionadas à discriminação, violência e assédio são passos importantes para garantir a conformidade com o decreto. Organizações como a International Labour Rights Forum (ILRF) reforçam a importância desses mecanismos como parte fundamental da responsabilidade social empresarial e da proteção dos direitos humanos no ambiente de trabalho.
Considerações finais
Em última análise, o Decreto nº 12.174/2024 representa um marco significativo para o fortalecimento da proteção trabalhista no Brasil, reforçando o compromisso do país com as normas internacionais da OIT e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Para as empresas, o desafio será adaptar-se a essas novas exigências, garantindo que seus processos e contratos estejam em conformidade com as diretrizes estabelecidas, ao mesmo tempo em que fortalecem suas práticas de responsabilidade social e sustentabilidade.
A preparação adequada permitirá que as empresas não apenas cumpram as obrigações legais, mas também melhorem suas operações e reputação no mercado, algo amplamente defendido por autoridades globais em responsabilidade corporativa e direitos humanos.