benefício processual

Restrição a ANPP permite ao juiz fazer readequação dos fatos antes da sentença

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21 de setembro de 2024, 8h53

Em regra, o juiz só deve analisar a adequação dos fatos aos crimes imputados no momento de prolatar a sentença. No entanto, quando eventual excesso acusatório for empecilho a benefícios processuais, como o acordo de não persecução penal (ANPP), essa análise deve ser antecipada.

Réu é acusado de crimes financeiros cujas penas somadas não permitiriam ANPP

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça se permitiu analisar o enquadramento dado pelo Ministério Público de São Paulo a um caso de crimes contra o sistema financeiro nacional.

O réu é acusado de se valer do cargo de diretor de um banco para simular a valorização de investimento em uma empresa pertencente à instituição, reduzindo prejuízos contábeis, o que resultou na apresentação de informações falsas para supervisão do Banco Central.

A denúncia foi pelos crimes financeiros dos artigos 4º (gestão fraudulenta), 6º (induzir repartição pública ao erro) e 10º (inserir elemento falso em demonstrativos contábeis de instituição financeira) da Lei 7.492/1986.

A pena mínima dos crimes imputados somada totaliza 6 anos, o que afastou a possibilidade de oferecimento do ANPP — o artigo 28-A do Código de Processo Penal exige que a infração tenha pena mínima inferior a 4 anos.

A defesa, feita pela advogada Paula Lima Hyppolito, do Caputo, Bastos e Serra Advogados, sustentou que houve excesso de acusação.

A tese é de que os crimes dos artigos 6º e 10º da Lei 7.492/1986 tipificariam o crime de gestão fraudulenta (artigo 4º). Portanto, seriam crimes-meios para um crime-fim, o que levaria à absorção.

Excesso abriu possibilidade para ANPP

Por maioria de votos, a 5ª Turma do STJ reconheceu o excesso de acusação e readequou a tipificação dos crimes, mantendo apenas o de gestão fraudulenta. Com isso, abre-se a possibilidade de oferecimento de ANPP.

Essa hipótese foi reconhecida no voto vencedor do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que alegou que o caso é excepcional.

Isso porque, em regra, o réu se defende dos fatos, e não da capitulação jurídica dada a eles pela acusação. Assim, o eventual excesso de acusação pode ser afastado pelo juiz no momento da sentença, como autoriza o artigo 383 do Código de Processo Penal.

“Quando eventual excesso acusatório for empecilho a benefícios processuais, imperativo que a adequação típica seja antecipada”, afirmou.

No caso, a fraude considerada para tipificar o tipo penal do artigo 4º da Lei 7.492/1986 é a prática dos tipos penais descritos nos artigos 6º e 10º.

De fato, apenas a análise dos elementos de prova permitirá aferir se as condutas de induzir repartição pública ao erro e inserir elemento falso em demonstrativos contábeis devem ser absorvidas pela gestão fraudulenta ou se ocorreram de forma independente.

“Nada obstante, diante da impossibilidade de se punir o recorrente, simultaneamente, pelos crimes-meios e pelo crime-fim, deve prevalecer, neste momento processual, apenas a imputação pelo crime do artigo 4º da Lei 7.492/1986.”

Voto vencido

O julgamento foi concluído com apenas três votos. Formou a maioria o ministro Joel Ilan Paciornik. Ficou vencido o relator, ministro Ribeiro Dantas.

Ele destacou que, para se reconhecer a absorção de um crime por outro, faz-se necessário se verificar se o delito menor se encontra na cadeia causal do delito continente — se é parte da preparação, consumação ou exaurimento do crime maior.

Essa análise só poderá ser devidamente feita durante a instrução processual, momento apropriado para a análise aprofundada dos fatos narrados pelo titular da ação penal pública.

“Segundo o princípio da correlação entre denúncia e sentença, o réu se defende dos fatos e não da capitulação jurídica indicada na inicial acusatória, não havendo que se falar em cerceamento de defesa nesse ponto”, concluiu.

Avanço jurisprudencial

Para a advogada Paula Lima Hyppolito, a decisão do STJ é um importante avanço na jurisprudência na medida em que impõe, antes mesmo da instrução processual, a necessidade de uma análise das imputações constantes da denúncia. Ela relata que o excesso acusatório é muito comum.

“São inúmeras as extensas denúncias ofertadas pelo Ministério Público que imputam diversos crimes em relação a um mesmo fato, o que muitas vezes pode atingir até mesmo a competência para o processamento das ações penais e privar o acusado de importantes benefícios, como o ANPP.”

Esse tipo de excesso, diz a advogada, prejudica o réu e obriga o Judiciário a fazer uma longa e dispendiosa instrução probatória até que se reconheça o que já poderia ter sido analisado anteriormente.

“Não há motivo para se relegar ao final do processo algo evidente desde o seu início. É dever dos magistrados fazer essa análise e esse corte já no momento em que analisam a resposta à acusação”, destacou a advogada.

RHC 188.922

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