Alteração no regime de remuneração dos depósitos judiciais federais
20 de setembro de 2024, 20h40
Com a publicação da Lei nº 14.973/2024, [1] foi estabelecido um regime transitório para o fim da desoneração da folha de pagamentos. Contudo, esse não foi o único tema a ser regulamentado nessa lei.
O Capítulo VI estabeleceu um novo conjunto de regras a serem aplicados para os depósitos judiciais e extrajudiciais de interesse da administração pública federal. Para o que interessa ao presente texto, é importante destacar a nova regra de remuneração do depósito, pois o artigo 37, II, estabelece que:
Art. 37. Conforme dispuser a ordem da autoridade judicial ou, no caso de depósito extrajudicial, da autoridade administrativa competente, haverá:
II – levantamento dos valores por seu titular, acrescidos de correção monetária por índice oficial que reflita a inflação.
Trata-se de alteração da regra que vigia anteriormente, pois o artigo 1º, §3º, I, da Lei nº 9.703/98 [2] estabelecia que:
Art. 1o Os depósitos judiciais e extrajudiciais, em dinheiro, de valores referentes a tributos e contribuições federais, inclusive seus acessórios, administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, serão efetuados na Caixa Econômica Federal, mediante Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF, específico para essa finalidade.
§ 3o Mediante ordem da autoridade judicial ou, no caso de depósito extrajudicial, da autoridade administrativa competente, o valor do depósito, após o encerramento da lide ou do processo litigioso, será:
I – devolvido ao depositante pela Caixa Econômica Federal, no prazo máximo de vinte e quatro horas, quando a sentença lhe for favorável ou na proporção em que o for, acrescido de juros, na forma estabelecida pelo § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e alterações posteriores; ou
Já o artigo 39, §4º, da Lei nº 9.250/95 estabelece a aplicação da taxa Selic para os casos de compensação ou restituição de tributos federais.
Correção pela inflação
Ou seja, se antes havia disposição expressa no sentido de que os depósitos judiciais, quando levantados pelo contribuinte ao final de um processo federal, seriam devolvidos acrescidos da taxa Selic a título de juros e correção monetária, a partir da Lei nº 14.973 o depósito será remunerado apenas pelo índice de correção monetária oficial que reflita a inflação.
Essa alteração poderia levar a divergências no valor final a ser levantado pelo contribuinte que discuta judicialmente algum tributo e opte por fazer o depósito judicial. A título de exemplo, a Selic acumulada para os últimos 12 meses alcançou o valor de 10,70% [3], ao passo que o IPCA acumulado para os últimos 12 meses está em 4,24% [4].

Além da diferença no valor final a ser devolvido ao contribuinte, a alteração pode levar a violações da isonomia. Uma das consequências anti-isonômicas é a diferença no critério de cálculo do valor do tributo que é devido à União, que continua sendo corrigido via Selic, e se for devolvido ao contribuinte a título de depósito que seria corrigido apenas pelo IPCA.
Taxa de remuneração
Outra consequência é a diferença da taxa de remuneração do valor correspondente ao tributo em relação às outras formas de restituição. Caso o tributo tenha sido pago e se peça a restituição, judicial ou administrativa, ou seja feita a compensação, o valor do tributo continuará sendo remunerado pela Selic. Porém, se esse mesmo tributo for depositado, a remuneração será menor.
Sendo o mesmo tributo, mesmo ente tributante, mesmo fundamento jurídico, não há razão que justifique a diferença na taxa de remuneração do tributo a ser devolvido apenas em razão de ele ter sido depositado ou pago, já que em ambos os casos o dinheiro primeiro ingressa na conta do tesouro nacional para depois der devolvido ao contribuinte.
A alteração também causa problemas quanto ao aspecto intertemporal, já que não define como deve ser feita a remuneração dos depósitos ao longo do tempo, se o valor que já foi depositado sob a legislação anterior continuará sendo remunerado pela Selic, ou se haverá uma mescla dos índices, e a partir da nova legislação os depósitos passarão a ser remunerados por outro índice.
Assim, a Lei nº 14.973 traz mudança que fere o princípio da isonomia, já que diferencia a remuneração do tributo quando deve ser pago à União e quando deve ser devolvido ao contribuinte na forma de devolução de depósito judicial.
Selic usada na Fazenda Pública
A esse respeito, é possível a aplicação do entendimento firmado pelo STF no julgamento do Tema 810 de repercussão geral, que julgou inconstitucional, pela violação à isonomia, a aplicação de índices de juros e correção monetária diversa para o pagamento do tributo e a sua repetição. No mesmo sentido, o STJ com o Tema 905 de recursos repetitivos.
Também é possível falar na inadequação da aplicação de índice diverso em razão do artigo 3º da Emenda à Constituição nº 113/2021, [5] que estabeleceu a taxa Selic como índice aplicável para qualquer discussão ou condenação envolvendo a Fazenda Pública, independentemente da natureza.
Se com os temas do STF e STJ ainda fosse possível tentar diferenciar devolução de depósito judicial e repetição de indébito para aplicação de índices de correção monetária e juros, com a EC 113 essa hipótese deve ser descartada, já que a Selic passou a ser aplicada em qualquer discussão envolvendo a Fazenda Pública.
Portanto, para salvar a constitucionalidade do texto do artigo 37, II, da Lei nº 14.973/2024, é necessário que se faça uma interpretação conforme a Constituição, de modo que se considere o incide oficial que reflita a inflação, como sendo a taxa Selic, já que é o mesmo índice aplicável ao crédito tributário, bem como é o índice previsto na EC 113.
[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14973.htm
[2] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9703.htm
[3] https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/orientacao-tributaria/pagamentos-e-parcelamentos/taxa-de-juros-selic#Selicmensalmente
[4] https://www.ibge.gov.br/explica/inflacao.php
[5] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc113.htm
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