Opinião

Voto negativo nas eleições em separado para conselho de administração de companhias abertas

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19 de setembro de 2024, 17h18

Recentemente, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) julgou caso em que se discutiu a possibilidade do uso do voto negativo na eleição em separado para vaga de membro do conselho de administração de companhia aberta.

Joédson Alves/Agência Brasil
Fachada da Braskem

O processo (nº 19957.004239/2022-00) foi originado a partir de reclamação apresentada por acionista minoritário da Braskem S.A., que alegou descumprimento das regras de votação em separado, em violação ao artigo 141, §5º, da Lei n° 6.404/1976, a “Lei das S/A”.

As eleições em separado do conselho de administração estão previstas no artigo 141, § 4º, da LSA, conforme redação dada pela Lei nº 10.303/2001. Em essência, trata-se de um mecanismo pelo qual os acionistas minoritários das companhias abertas, com e sem direito a voto, podem eleger um membro do conselho de administração por meio de eleição separada, sem a presença do controlador, desde que atendam a certos quóruns de participação.

O § 5º do mesmo dispositivo permite que os acionistas minoritários votantes e não votantes aglomerem as suas ações para eleger um membro do conselho caso, separadamente, não consigam atingir os quóruns necessários.

As eleições em separado têm a mesma finalidade do voto múltiplo, que é ampliar a representação proporcional de acionistas minoritários no conselho de administração da companhia.

Viabilidade do voto negativo

O objeto principal da reclamação levada à CVM foi a conduta da mesa da assembleia geral da Braskem, que declarou falta de quórum para a instalação de votação em separado. Contudo, no decorrer da discussão travada no âmbito da autarquia, um outro tema relevante foi suscitado, acerca da eventual possibilidade do uso de voto negativo em eleição em separado do conselho de administração.

A discussão sobre a viabilidade do emprego de voto negativo na eleição de membros do conselho de administração não é nova no Brasil, tendo sido objeto de discussão com relação às assembleias gerais da Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A. e da Vale S.A., que originou os Processos CVM nº RJ2015/2925 e CVM nº 19957.001043/2021-74, respectivamente.

Spacca

Essencialmente, o voto negativo é a aquele proferido contrariamente à eleição de determinado membro do conselho de administração. Nas votações “por cabeça” — que obrigatoriamente ocorrem no sistema de voto múltiplo, em que os acionistas alocam seus votos em cada candidato individualmente —, se utiliza, como regra, o voto positivo, isto é, favorável à eleição do candidato. Assim, são eleitos os candidatos que recebem o maior número de votos positivos.

O que se pretende com o voto negativo é permitir que o voto também possa ser contrário, elegendo-se os candidatos que receberem um número de votos positivos em proporção maior do que negativos.

Casos Vale e Braskem

Diante das tentativas de adoção do voto negativo, a área técnica da CVM manifestou-se pela sua inadmissibilidade [1]. O caso de maior repercussão, da Vale, foi objeto de amplo debate no mercado, apesar de a companhia ter posteriormente desistido da tentativa de adotar o voto negativo.

A Vale tentava convencer os seus acionistas a promoverem uma alteração no estatuto social para prever que a eleição para o conselho de administração seria realizada por meio de lista de candidatos, com relação aos quais os acionistas poderiam votar em sentido favorável ou contrário, sendo eleitos ao final aqueles que possuíssem mais votos favoráveis do que contrários [2].

O caso recente da Braskem se difere da situação da Vale por um motivo singelo, mas relevante, que é se tratar da possibilidade do voto negativo na eleição em separado dos minoritários, e não na eleição geral do conselho de administração. Conforme reconhecido pelo presidente João Pedro Nascimento, essa circunstância impediria a aplicação dos entendimentos formados nos casos Vale e Usiminas [3].

Debate inconcluso

Nas eleições em separado, forma-se um colégio eleitoral distinto, formado apenas por acionistas minoritários [4]. Na ausência de regras na LSA sobre como esse colégio deve funcionar, seria possível afirmar que os acionistas minoritários têm, em tese, soberania para estabelecer a forma de votação que entendam cabível.

A ausência do acionista controlador nas eleições em separado afasta um dos principais receios daqueles que são contra o voto negativo, que é o risco de ele ser utilizado como instrumento para o controlador rejeitar candidatos dos minoritários e frustrar o seu direito à representação proporcional no conselho de administração.

Em seu voto no caso Braskem, o diretor Otto Lobo menciona ainda um outro argumento, afirmando que, nas votações em separado, só haveria uma vaga a ser preenchida, de modo que o voto negativo seria o instrumento adequado para a formação de vontade dos acionistas minoritários [5].

Não obstante a sua relevância, a discussão sobre a admissibilidade do voto negativo continua sem uma conclusão satisfatória. O caso Braskem, no entanto, pode abrir um novo capítulo do debate, na medida em que deixou a porta aberta para novas tentativas de implementação do voto negativo, dessa vez em votações em separado para o conselho de administração.

 


[1] “No tocante à suposta irregularidade relativa à eleição do oitavo membro do conselho de administração, a SEP observou que não há possibilidade de cômputo de votos contrários na eleição de administradores, devendo este, se eventualmente proferido, ser desconsiderado para fins do quórum de deliberação, não cabendo se falar, portanto, em irregularidade na atuação do Sr. Paulo Penido. Deste modo, as reclamações foram arquivadas pela área técnica” (COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Processo Administrativo CVM nº RJ2015/2925. Rel. Dir. Henrique Balduino Machado Moreira. j. 22.05.2018).

[2] Vide proposta da administração enviada à CVM no dia 30/01/2021: “IV – Cada candidato da lista submetida à Assembleia Geral pelo Conselho de Administração, bem como eventual candidatura avulsa apresentada até a data da assembleia, será objeto de votação individual, colhendo-se os votos favoráveis e os votos contrários à sua eleição, condicionada a sua eleição a que o número de votos favoráveis seja superior aos votos contrários, desconsiderados os votos em branco; V – Serão considerados eleitos os candidatos com maior número de votos favoráveis, desde que superiores aos votos contrários; em caso de empate, será considerado eleito, sucessivamente, o candidato que houver recebido menos votos negativos ou o mais idoso;”

[3] “De plano, observo no caso concreto elementos fáticos que o distinguem dos casos mencionados acima. O presente caso não trata da admissibilidade dos votos contrários em eleições do Conselho de Administração em termos gerais e abrangentes, ou das hipóteses analisadas pela SEP nos mencionados Casos Usiminas e Vale. Cuida-se, na realidade, de reconhecer eventual compatibilidade dos votos negativos recebidos por meio do BVD para a eleição em separado dos únicos candidatos indicados pelos próprios minoritários, considerando-se as particularidades inerentes ao caso concreto” (trecho do voto proferido pelo Presidente João Pedro Barroso do Nascimento em COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Processo Administrativo CVM nº 19957.004239/2022-00, Rel. SEP, j. em 05/12/2023).

[4] CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson. A nova lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 299.

[5] “No caso concreto, a maioria dos acionistas minoritários (mais de 60%) que votaram por meio do BVD rejeitaram os candidatos. Logo, a não eleição de um conselheiro não cerceou o direito dos acionistas minoritários de eleger um administrador, posto que, ainda que se atingido o quórum mínimo, os acionistas minoritários teriam rejeitado o candidato. Afinal, também no contexto de eleições em separado, vigora o princípio majoritário, isto é, o direito de eleger e destituir um membro e seu suplente é atribuído à maioria dos titulares das ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito. Nesse sentido, especificamente em relação ao caso ora analisado, entendo que a não validação do voto negativo — em que havia tão somente um candidato — acarretaria em violação ao princípio majoritário, eis que o voto negativo era o único meio efetivo para que fosse respeitada a vontade da maioria contrária à eleição do candidato” (trecho do voto do Diretor Otto Lobo em COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, Processo Administrativo CVM nº 19957.004239/2022-00, Rel. SEP, j. em 05.12.2023)

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