Home office e competência territorial: qual local correto para ajuizamento da ação?
19 de setembro de 2024, 10h25
Uma dúvida bastante frequente na prática trabalhista, principalmente após a propagação do teletrabalho e das atividades em home office, refere-se ao correto local para fins de ajuizamento da reclamatória.
Nesse sentido, questiona-se: há um correto juízo para a propositura da ação? A parte trabalhadora poderá ajuizar a reclamação trabalhista no local do seu domicílio? Caso o(a) empregado(a) exerça suas atividades à distância haverá alguma diferença? Sendo as atividades exercidas em diversos lugares durante o pacto laboral a reclamatória poderá ser ajuizada em quaisquer deles? E, mais, se o(a) trabalhador(a) propuser a ação em juízo distinto do local onde situada a empresa haverá aqui algum mecanismo de defesa?
Considerando que se trata de um assunto debatido frequentemente na Justiça do Trabalho, e que, inclusive, sempre enseja polêmicas não somente para os advogados, como também desperta dúvidas para trabalhadores e empresas, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico [1], razão pela qual agradecemos o contato.
Competência territorial na Justiça do Trabalho
Do ponto de vista normativo no Brasil, a CLT aborda em seu artigo 651 [2] as regras de competência territorial, também conhecidas como normas de competência de foro, pelo que é possível determinar, a partir da interpretação de referido dispositivo legal, o local no qual a ação judicial irá tramitar.
Lição de especialista
A respeito do mencionado artigo 651 da CLT, oportunos são os ensinamentos do professor e juiz do Trabalho, doutor Mauro Schiavi [3]:
“Conforme o referido dispositivo legal, a competência territorial é determinada pelo local da prestação de serviços do reclamante. A finalidade teleológica da lei ao fixar a competência pelo local da prestação de serviços consiste em facilitar o acesso do trabalhador à Justiça, pois no local da prestação de serviços, presumivelmente, o empregado tem maiores possibilidades de produção das provas, trazendo suas testemunhas para depor. Além disso, neste local, o empregado pode comparecer à Justiça sem maiores gastos com locomoção. (…). Se o empregador promover sua atividade em várias localidades, nos termos do § 3º do art. 651 da CLT, será assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato de competência, cuja escolha é discricionária do empregado, podendo este optar entre o local da contratação ou da prestação dos serviços”.
E em observância à norma vigente e aos citados ensinamentos doutrinários, infere-se que, por regra, a definição da competência se dará pelo último local da prestação de serviços do(a) trabalhador(a).
Acontece que, hoje, já se discute a possibilidade de, em certos casos, a reclamatória ser distribuída em lugar distinto, qual seja, correspondente do próprio domicílio do empregado, com fulcro no princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição [4].
Tribunal Superior do Trabalho
À vista disso, o TST foi provocado a emitir juízo de valor sobre a temática, de sorte que a Corte Superior já admitiu, excepcionalmente, que se determine a competência territorial com base no domicílio da parte autora, quando se tratar de empresa de grande porte e de âmbito nacional, a qual realiza contratações e presta serviços em diversos locais do país.
Em um caso envolvendo exatamente as regras para a definição da competência territorial, a ministra relatora destacou:
“Em regra, a competência para o ajuizamento de reclamação trabalhista é da localidade em que o empregado presta os serviços, consoante o disposto no caput do dispositivo supra transcrito. Os parágrafos dispõem a respeito das exceções a essa regra e, dentre elas, avulta a do § 3º, que possibilita a apresentação da reclamação na localidade da celebração do contrato ou na da prestação dos serviços. Ocorre que a questão da competência territorial deve ser decidida com base na interpretação dos princípios constitucionais. Nesse sentido, a SBDI-1 do TST tem flexibilizado a referida regra em se tratando o empregador de empresa de grande porte e âmbito nacional, que realiza contratação e presta serviços em localidades distintas do país, o que restou caracterizado no presente caso. A SBDI-1 vem admitindo, excepcionalmente, a competência territorial do foro do domicílio do autor em se tratando de empresa de grande porte e âmbito nacional, que realiza contratação e presta serviços em localidades distintas do país” [5].
Ora, se é verdade que o Poder Judiciário tem dado interpretações a fim de assegurar o amplo acesso à Justiça em favor da parte trabalhadora, de igual modo se deve proteger o empregador, garantindo-lhe a possibilidade do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, razão pela não justifica a escolha do domicílio ser feita em razão da vontade do(a) autor(a).
A propósito, entendimento em sentido contrário, conduziria à conclusão de que o(a) empregado(a), ao mudar o local de residência ou domicílio, teria o poder de alterar unilateralmente a competência territorial para propositura de ação trabalhista. E neste contexto, em outra situação concreta [6], o TST acolheu recurso de uma empresa, determinado que o lugar para o processamento da reclamatória fosse no último local de trabalho.
Em seu voto, o relator ponderou o seguinte:
“Nesse contexto, verifica-se possível conflito de direitos constitucionalmente assegurados, de um lado, o direito do amplo acesso à jurisdição e, do outro, o contraditório e da ampla defesa. Para que o primeiro pudesse prevalecer sobre o segundo, o acórdão deveria trazer elementos que elucidassem o âmbito de atuação das reclamadas, se elas prestam ou, não, serviços em diversas localidades do território nacional, exatamente por isso admitindo-se flexibilização da regra do art. 651 da CLT. Diante disso, porque ausentes elementos que possam justificar a mitigação de norma legal expressa, não cabe dizer que um garantia constitucional justificadamente sobrepõe-se a outra, no caso devendo prevalecer o direito posto no caput do art. 651, qual seja, o local de prestação de serviços do empregado”.
Portanto, ao que se verifica, as regras para fixação de competência territorial não são absolutas, sendo imprescindível que as partes envolvidas no processo laboral tenham, acima de tudo, os seus direitos e garantidas constitucionais devidamente respeitados pelo Poder Judiciário Trabalhista.
Conclusão
É sabido que uma vez ajuizada a reclamação trabalhista, e caso a parte contrária entenda que o local indicado não esteja correto, por certo que poderá ser oposta, como matéria de defesa, a exceção de incompetência em razão do lugar, desde que seja apresentada no prazo de até cinco dias a contar da notificação recebida pela empresa (artigos 799 [7] e 800 [8] da CLT).
Por todo o exposto, antes de apreciar o mérito da ação, o(a) jui(íza) irá determinar se o juízo em si é ou não competente para dirimir o conflito. Aliás, é imperioso destacar que, nos termos da Súmula 214 do TST [9], a decisão que acolhe a exceção de incompetência não autoriza a possibilidade de recurso imediato, salvo se houver a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado (artigo 799, § 2º, da CLT) [10].
[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[2] CLT, Art. 651 – A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro. §1º – Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima. §2º – A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário. §3º – Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços.
[3] Manual de Direito Processual do Trabalho – 17 ed. rev. atual. e ampl. – Salvador: Editora JusPodiuv,2021. Página 317/318
[4] CF, Art. 5º (…). XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
[5] AIRR-0000092-96.2018.5.22.0102, 2ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa, DEJT 08/08/2024.
[6] RR-0000400-80.2022.5.19.0004, 6ª Turma, Relator Desembargador Convocado Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, DEJT 15/03/2024
[7] CLT, Art. 799. Nas causas de jurisdição da Justiça do Trabalho, sòmente podem ser opostas, com suspensão do feito, as exceções de suspeição ou incompetência.
[8] CLT, Art. 800. Apresentada exceção de incompetência territorial no prazo de cinco dias a contar da notificação, antes da audiência e em peça que sinalize a existência desta exceção, seguir-se-á o procedimento estabelecido neste artigo.
[9] DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE. Na Justiça do Trabalho, nos termos do art. 893, § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, § 2º, da CLT.
[10] CLT, art. 799. Nas causas de jurisdição da Justiça do Trabalho, somente podem ser opostas, com suspensão do feito, as exceções de suspeição ou incompetência. § 1º As demais exceções serão alegadas como matéria de defesa. 2º Das decisões sobre exceções de suspeição e incompetência, salvo, quanto a estas, se terminativas do feito, não caberá recurso, podendo, no entanto, as partes alegá-las novamente no recurso que couber da decisão final.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!