Opinião

Debates eleitorais e molduras televisivas: primazia da decisão pelo espectador

Autor

  • Amaury Silva

    é juiz de Direito em Minas Gerais e professor de Direito Penal e Processual Penal. Doutorando em Ciências da Comunicação mestre em Estudos Territoriais (ênfase em Criminologia e Direitos Humanos) e especialista em Direito Penal e Processual Penal.

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19 de setembro de 2024, 18h28

Quando os espectadores que assistiam ao debate eleitoral na TV, com os candidatos a prefeito de São Paulo nas eleições de 2024, transmitido pela TV Cultura no último dia 15 de setembro, esperavam pela máxima temperatura nas assertivas verbais entre dois dos concorrentes, eis que o colóquio se transforma no antidebate. Um candidato lança a cadeira destinada a outra candidata participante contra o oponente, então seu interlocutor.

Reprodução/TV Cultura

E os mundos televisivos se mostraram como a construção de entretenimento e informação pela TV, formados pelos elementos que em Kilpp (2003) são a base para a existência televisiva: ethicidades, molduras e imaginários. Subjetividades virtuais que são acionadas para a construção de certos sentidos éthicos e estéticos, somados aos territórios de significação. Enfim, mediações que chegam ao corpo do telespectador.

Indicadores dos mais acentuados, quanto à deflagração de um significado, a moldura comercial foi acionada pelo apresentador, o jornalista Leão Serva. Especulo que até de forma inconsciente pela impregnação desse sentido na persona televisiva, evocando um jargão canônico, popular e histórico da TV brasileira. “Nossos comerciais por favor!”

Foi a deixa com as imagens expondo a cadeirada para a interrupção da transmissão ao vivo, tal qual fazia para chamar o intervalo o apresentador Flávio Cavalcanti. O corte no tempo televisivo com enunciação de que o clima de tensão não foi desfeito; retornaria com toda a força após os reclames, ou que o break fosse a condição para o agenciamento de uma elevação do suspense, mais curiosidades, surpresas ou revelações.

Esse programa e outros eventos em épocas de campanhas eleitorais e sua exposição comunicacional suscita a necessidade de uma reflexão sobre a transição entre a sociedade dos meios e a midiatização.

A extensão da mensagem do meio TV para certificar a presença do candidato em outras mídias, ao alcance das mãos, visão, ouvido, cérebro do eleitor e do teclado do seu dispositivo tecnológico, permite especular a linha conceitual da midiatização como uma expansão da interação em espaços virtuais e uma diferenciação do que as pessoas percebem como real, conforme estudo de Hjavard (2014).

Debate eleitoral na TV é televisivo e recebe as reapropriações em outras mídias, segundas telas, em instantâneo ou circulações sequenciais. “Vou subir um vídeo na minha rede social agora ou depois do debate” é o chamamento sintomático desse novo “ethos” tecnocultural na política, e muito particularmente nas eleições.

Lógica da televisão

O debate eleitoral como programação da TV segue as lógicas televisivas. Não há como se alterar esse status, e não seria coerente qualquer sacrifício da televisão como meio para afetar a credibilidade com a sua audiência. Há uma relevância da TV para a comunicação eleitoral e logo para a democracia, que busca na possibilidade de expressão dos candidatos, partidos e análise dos eleitores telespectadores, o contributo para a legitimidade das eleições.

Não há valor democrático que se estabeleça sem comunicação eleitoral. E se a TV continua com seu protagonismo de ser o meio mais acessado pelos brasileiros para informações e notícias, é adequado supor que o debate eleitoral televisivo deve continuar compondo a grade de programação das emissoras, mas sob a compreensão de que o programa é integrante dos mundos televisivos.

Spacca

Só não existe razão para se pensar que qualquer programa de TV e nesse contexto, o debate eleitoral não seja tensionado contemporaneamente com e pela midiatização. Nessa nova configuração, o programa é televisivo e atualizado na interface de outras mídias, em uma circulação contínua e ressignificações.

As redes sociais adquirem esse domínio sobre a materialidade da TV, que em muitas oportunidade recebem abordagens das personas televisivas, incluindo os candidatos, de acordo com essa convergência.

E nesse aspecto é preciso atenção para que a dispersão dos conteúdos não torne a TV e o debate eleitoral que ela exibe um ensaio ou  experiência de conteúdo a circular em outras mídias, fazendo-se uma espécie de catarse ou condicionamento do caráter genuíno daquele enfrentamento em horário nobre. Duas molduras são especialmente centrais para essa proteção ao debate eleitoral na TV: as normas jurídicas e as midiáticas.

Justiça Eleitoral não intervém

Em relação à primeira, sua incidência é meramente principiológica e de ênfase positiva da comunicação nas eleições. O artigo 46, da Lei 9.504/97, registra que a realização dos debates eleitorais no rádio e na TV constitui uma faculdade. A organização e a execução do evento depende dos arranjos entre as emissoras, candidatos, agremiações partidárias, coligações e federações. O tratamento ético, estético e comercial do programa é de exclusiva deliberação como programa televisivo ou radiofônico.

Não há intervenção ou controle prévio e preparatório da Justiça Eleitoral. O legislador adotou um critério absenteísta, estipulando apenas alguns parâmetros mínimos, quanto à participação de candidatos e quórum para a aprovação das regras para o confronto de ideias.

A moldura jurídica é reapropriada pela TV para o seu cumprimento e associada a um conjunto de normas midiáticas como o sorteio, púlpito, mediador, deslocamentos dos candidatos, direito de resposta, tempos de réplica e tréplica. Enfim, uma autogestão adequada e derivada dos mundos televisivos.

O que se tem percebido ao longo das sucessivas eleições no Brasil é a necessidade de se compatibilizar as molduras normas midiáticas com a era de midiatização, percebendo-se que aquela produção da TV vai circular em outras mídias, em redes, permitindo-se a interação com o usuário e eleitor, em uma incessante movimentação com reprodução de sentidos e inauguração de novos significados.

Normas devem ser reavaliadas

A necessidade de uma reavaliação das normas midiáticas é a salvação do debate eleitoral na TV, pois a permanência de um estado de incerteza, incongruência ou flexibilidade extensiva, obviamente, provocará em algum momento o tensionamento do modelo aos vetores de princípios jurídicos.

Logo, o debate eleitoral na TV será judicializado com naturalidade e a moldura jurídica, pela persona externa ao meio, isto é, a Justiça Eleitoral que em razão da sua posição garantidora utiliza para sanear os confrontos de valores e construções jurídicas.

Ocorre que esses elementos, muitas vezes, são incompatíveis com as materialidades midiáticas que compõem a lógica televisiva, como por exemplo, determinar a participação de um ou outro candidato; fazer permanecer ou retirar do cenário a cadeira vazia do candidato faltante, entre outras medidas, para o emprego da isonomia ao padrão jurídico na heterocomposição desses litígios.

Como uma das mais frequentes e marcantes anomalias, as sucessivas intervenções para a solicitação e utilização do direito de resposta, acarretam uma espécie de sujeira visual e ruído sonoro, comprometendo a fluência racional da diversidade de temas, que é exigida pela comunicação política, quase banalizando o enfrentamento, ou tornando-o no mínimo menos qualificado para servir de esclarecimento à escolha do telespectador eleitor.

Não provoca qualquer ofensa à igualdade de tratamento e de tempo para a manifestação, a negativa de direito de resposta para ampliar a duração de fala, quando as eventuais ofensas ou fatos forem objeto de exposição no embate entre candidato A e B, reciprocamente considerados.

A divisão prévia do tempo, permitindo-se a refutação entre oponentes que se dirigem diretamente a palavra, já contém de modo intrínseco o direito de resposta em réplica e tréplica.

Em debates eleitorais de primeiro turno, com mais de dois candidatos, o direito de resposta só deveria ser admitido em relação a terceiro candidato que não participa diretamente daquele momento no bloco do programa quando da discussão entre dois contendores.

No segundo turno, o equilíbrio é patente pela igualdade de tempo entre os dois melhores colocados na disputa inicial, é totalmente desarrazoada a concessão de direito de resposta.

Direitos de resposta atrapalham

A permissividade pode gerar um desdobramento de dízima periódica, com a sobreposição de direitos de resposta que aflige o espectador, fazer agonizar a qualidade do debate e das mensagens eleitorais e políticas. O direito de resposta é componente dessa própria dialética. Outra iniciativa que pode resultar em melhorias ao debate eleitoral na TV brasileira, em segundo turno de eleições, é a adoção do modelo estallido.

Nos blocos destinados às questões dos jornalistas, deveria ocorrer a permissão para explicações e comentários, fundamentando as indagações a respeito de temas escolhidos antecipadamente. Após as respostas dos candidatos, os jornalistas poderiam realizar abordagens em relação ao que foi respondido, com novos enfoques e perguntas, permitindo-se as considerações posteriores dos candidatos. Esse formato pode até migrar para as participações de eleitores, diretamente no estúdio ou online, trazendo perguntas e considerações sobre as respostas.

O acertamento quanto às sanções aos participantes que usam de questões transversais ao tema em discussão em cada bloco pode ser também um recurso de incentivo à melhoria das disputas de ideias e objetivos.

Redução do tempo em outra fala, ou no momento final para o infrator, ou a advertência pelo reconhecimento oficial da equipe de produção ou mediador com enunciação oral e visual como uma tarja explicativa no vídeo, a exemplo de um cartão amarelo e em caso de reiteração a exclusão do recalcitrante com o cartão vermelho, sob a inspiração da linguagem do futebol, reproduzida na lógica televisiva e compatível com o imaginário do telespectador.

Pensar uma nova dinâmica para os debates eleitorais na TV não significa o seu isolamento para que não cresça e se transforme na midiatização, mas não é propício à sua relevância histórica para a democracia no Brasil, deixar que seja exaurido como potente mecanismo de comunicação eleitoral. Por isso, é preciso refletir e ponderar com equilíbrio sobre uma via atualizadora do programa, sempre buscando a primazia da decisão pelo espectador.

Essa inovação recupera e pode atualizar Flávio Cavalcanti, para que seja bordado agora “Um Instante Candidato” e a tribuna decisória exercida com críticas, elogios, afirmações ou negações de voto pela audiência do eleitor.

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Referências

HJAVARD, Stig. A midiatização da cultura e da sociedade. Trad. André de Godoy Vieira. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2014.

KILPP, Suzana. Ethicidades televisivas. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2003.

SILVA, Amaury. Debates Eleitorais. Direito e Comunicação, Editora Mizuno, 2022.

DEBATE ELEITORAL NA TV:  o modelo Etallido do Chile e um formato para o Brasil. Revista online Fadivale, Governador Valadares, Ano XX, n. 28, p. 26-39, 2024.

Autores

  • é juiz de Direito (TJ-MG), professor de Direito Eleitoral, mestre em Estudos Territoriais e doutor em Comunicação interface com Direito.

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