Compra e venda de ativos distressed no contexto de recuperação e falência
18 de setembro de 2024, 11h14
A compra e venda de ativos distressed, especialmente no contexto de recuperação judicial e falência, é uma prática em crescimento no Brasil, tanto para investidores locais como estrangeiros. Os chamados ativos distressed são investimentos de alto risco e complexidade, normalmente envolvendo empresas em dificuldades financeiras. Esses ativos geralmente incluem participações societárias, imóveis, precatórios, carteiras de clientes inadimplentes, entre outros ativos que por suas próprias características ou pelo contexto de sua aquisição possam ser qualificados como complexos ou estressados.
Entre os interessados nesse tipo de operação, estão tanto fundos de investimento especializados, como também outros agentes do mercado nacional ou internacional que podem identificar oportunidades de negócio atrativas. A prática vem se mostrando apta a acomodar interesses diversos e estruturas bastante versáteis, viabilizando desde aquisições envolvendo ativos operacionais (asset deals) até operações envolvendo medidas de reorganização societária ou troca de controle (share deals).
De modo geral, os ativos distressed oferecem oportunidades de investimento com potenciais retornos elevados, mas também envolvem riscos significativos. Aqui reside a importância dos mecanismos de mitigação de riscos definidos na Lei nº 11.101/05 (Lei de Recuperação e Falências), que foram fortalecidos em grande medida na reforma promovida pela Lei nº 14.112/2020.
Neste artigo, exploraremos alguns dos aspectos jurídicos dessas operações, que vêm se intensificando tanto em processos de recuperação judicial quanto de falência.
Aumento de processos
O aumento dos processos de recuperação judicial e falência no Brasil ampliou o mercado de ativos distressed. Em tempos de crise econômica e juros elevados, o número de empresas insolventes cresce, criando oportunidades para investidores dispostos a adquirir ativos depreciados, que podem ser valorizados no futuro. A entrada de fundos de investimento especializados, como os “vulture funds”, reforça a importância desse mercado no cenário econômico brasileiro.
Tamanha é a importância da venda de ativos como ferramenta para reorganização da atividade empresarial e para acessar liquidez que este mecanismo se tornou um dos meios de recuperação mais utilizados em processos de recuperação judicial no Brasil, conforme análise empírica promovida pelo Observatório de Insolvência da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ). Segundo dados da 1ª Fase do Observatório de Insolvência da ABJ, relativos a processos de recuperação judicial que tramitaram perante as varas especializadas da comarca de São Paulo no período de 2018 até julho de 2022, verificou-se que o percentual de previsão de venda de UPIs nos planos analisados atingiu o patamar de 35% dos processos analisados.
Além do retorno potencialmente elevado para os investidores, há outras vantagens oriundas dessa prática sob o ponto de vista econômico. De um lado, tem-se uma maior diversificação estratégica para portfólios de investidores dispostos a assumir riscos. Isso proporciona uma maior exposição e flexibilidade entre os ativos, a fim de maximizar a sua rentabilidade.
Por outro lado, as operações que envolvem ativos distressed são essenciais não apenas para a reestruturação de empresas em recuperação judicial, com vistas à preservação da atividade empresarial e dos postos de trabalho, mas também para promover a reinserção no mercado de bens e ativos anteriormente vinculados a atividades empresariais deficitárias ou inviáveis, que subvalorizavam o seu benefício econômico ou social enquanto vinculadas à empresa recuperanda ou à massa falida.
Inovações da Lei de Falências
Em contrapartida a essas potenciais vantagens, a segurança jurídica é uma das principais preocupações na aquisição de ativos distressed, o que realça, mais uma vez, a importância de um sistema de insolvência hígido e voltado a fomentar negócios.
Uma das principais inovações trazidas pela Lei de Recuperação e Falências foi a possibilidade de alienação de ativos da empresa em recuperação judicial como unidade produtiva isolada (UPI). Como na redação original da lei não havia uma definição do que poderia ou não ser uma UPI, houve uma evolução na prática de reestruturação, com alguns solavancos, até que se chegasse a um relativo consenso de que a roupagem de UPI poderia ser utilizada para ativos de diversas naturezas, incluindo participações societárias, créditos, direitos sobre intangíveis, entre outros. Havia discussão, no entanto, sobre a possibilidade de venda integral ou de uma porção substancial dos ativos da empresa em recuperação sob a forma de UPI.
Agora, com a reforma promovida pela Lei nº 14.112/2020, essa preocupação parece ter sido bem endereçada: o novo artigo 60-A prevê que a UPI pode abranger “bens, direitos ou ativos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, incluídas participações dos sócios”; e, ainda, como resposta às discussões existentes no passado, o artigo 50, XVIII passa a prever que a venda integral da devedora também poderá ser considerada uma UPI, “desde que garantidas aos credores não submetidos ou não aderentes condições, no mínimo, equivalentes àquelas que teriam na falência”.
O grande benefício da venda sob a forma de UPI está no fato de que o adquirente desses ativos não sucederá o devedor em recuperação nas suas obrigações. Ou seja, o comprador não terá o risco de herdar as dívidas da empresa recuperanda, atreladas ou não ao ativo, assumindo unicamente aquelas obrigações que expressamente lhe forem atribuídas no plano ou edital que regrar a venda.
Proteção ao investidor
Embora as proteções da redação original da Lei de Recuperação e Falências já oferecessem um importante estímulo para adquirentes de ativos vendidos em processos de recuperação judicial, a reforma implementada pela Lei nº 14.112/2020 fortaleceu a segurança jurídica do investidor.
Primeiro, ao estabelecer que o adquirente de ativos no contexto do processo de recuperação judicial não responde por obrigações de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal e anticorrupção, além daquelas de natureza trabalhistas e tributárias, que já eram antes contempladas pela redação original do artigo 60 da Lei de Recuperação e Falências.
Outra novidade é a inclusão do artigo 66, §3º, à Lei de Recuperação e Falência, que prevê a extensão da regra de não sucessão a outros formatos de venda alternativos à UPI, desde que a venda seja realizada em alguma das modalidades do artigo 142 (leilão, procedimento competitivo organizado ou outra modalidade autorizada na forma da Lei) e desde que não se trate de uma venda feita a partes relacionadas (sócio do devedor ou sociedade controlada; parentes; pessoa interposta do devedor com o objetivo de fraudar sucessão).
Além disso, importante salientar que, à luz do artigo 66-A da Lei de Recuperação e Falência, realizada a compra e venda de ativos distressed, a legislação garante expressamente que o negócio jurídico não será anulado após o recebimento dos recursos pelo devedor (mootness doctrine). Na mesma linha, em seu artigo 73, §2º, a Lei de Recuperação e Falência assegura que, ainda na hipótese de esvaziamento patrimonial da devedora que implique liquidação substancial da empresa em recuperação judicial, o negócio jurídico tampouco será anulado ou perderá efeito em face do adquirente de boa-fé.
Trata-se de importantes atualizações da legislação, as quais trazem segurança jurídica e incentivam a participação de investidores no mercado.
Rapidez na liquidação da empresa falida
Já no cenário de falência, a alienação de ativos distressed segue um regime distinto. A liquidação dos bens da massa falida visa a satisfazer o pagamento dos credores, e não a continuidade da atividade empresarial do devedor em crise, como ocorre na recuperação judicial. Os princípios que regem a falência — e que repercutem sobre o próprio racional das vendas realizadas nesse contexto — são a celeridade e eficiência. Busca-se otimizar a utilização produtiva dos bens e permitir a liquidação célere da empresa falida, de modo que os recursos produtivos da empresa não percam valor e não desperdicem o seu potencial econômico.
A venda nesse cenário pode oferecer oportunidades de negócio interessantes para investidores, sobretudo após a reforma promovida pela Lei nº 14.112/2020.
Quanto às modalidades de venda, uma importante inovação da reforma está na possibilidade de que os bens sejam vendidos em um processo competitivo organizado promovido por agente especializado, de forma alternativa ao tradicional leilão judicial. Isso oferece a possibilidade de que sejam utilizadas estruturas de venda adaptáveis às particularidades do ativo e aos interesses dos potenciais compradores.
Na falência, os ativos são vendidos geralmente a preços depreciados, o que pode atrair investidores em busca de oportunidades de alto retorno. Uma importante inovação da Lei nº 14.112/2020 que fomenta os interesses dos investidores é a previsão de que a alienação não dependerá da conjuntura do mercado no momento da venda ser favorável ou desfavorável, além de não se sujeitar à aplicação do conceito de preço vil — que, se fosse aplicado, limitaria as possibilidades de venda. Dessas premissas, se extrai claramente a intenção do legislador de viabilizar a venda tão logo seja possível, ainda que abaixo do valor de mercado ou de avaliação.
Por outro lado, a compra de ativos em processo de falência, seja via leilão judicial ou em procedimentos competitivos organizados, envolve desafios, como a avaliação precisa dos bens e a verificação da regularidade dos procedimentos. Daí a importância da autorização dada pelo legislador para que a venda conte com serviços de terceiros, tais como consultores ou, como já se tem visto, assessores financeiros.
Riscos na compra de ativos em falência
Embora a compra de ativos em cenário de falência ofereça oportunidades de aquisição a preços reduzidos, ela também apresenta riscos, como a baixa liquidez e a possibilidade de disputas judiciais prolongadas. Desse modo, os investidores devem estar preparados para lidar com incertezas e para atuar em um ambiente jurídico complexo. Ainda assim, parece positiva para mitigar essas preocupações a inovação da Lei nº 14.112/2020 de que impugnações baseadas no valor de venda somente serão recebidas se acompanhadas de oferta firme do impugnante ou de terceiro, além do depósito caucionário de 10% do valor oferecido.
Em quaisquer das hipóteses, como já é praxe de mercado, uma due diligence multidisciplinar é essencial para identificar riscos, como passivos ocultos, disputas societárias ou litígios pendentes e questões regulatórias, setoriais ou contratuais relevantes.
Portanto, a compra e venda de ativos distressed no contexto de recuperação judicial e falência representa uma oportunidade significativa para investidores dispostos a enfrentar desafios jurídicos e econômicos. Embora o potencial de retorno seja elevado, é fundamental contar com uma assessoria jurídica especializada para garantir a segurança das transações e minimizar os riscos envolvidos.
Diante disso, com a regulamentação adequada e uma abordagem cautelosa, o mercado envolvendo ativos distressed pode se revelar altamente lucrativo, contribuindo para a reestruturação de empresas e a revitalização da economia.
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