Em 2013, logo após as manifestações de junho, foi promulgada a Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei da Empresa Limpa, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de empresas por práticas lesivas à administração pública.
Esta legislação ficou amplamente reconhecida como a “lei anticorrupção”. No mesmo ano, foi sancionada a Lei nº 12.850, que instituiu mecanismos investigativos voltados ao combate às organizações criminosas.
Ambas as normas estão inseridas no contexto histórico das investigações que culminaram na operação “lava jato”, deflagrada em março de 2014, a qual se destacou como a mais longa e abrangente investigação de corrupção da história recente dos países ocidentais.
A chamada “lei anticorrupção” representa o marco regulatório do ambiente de compliance no Brasil. O termo deriva do verbo inglês “to comply” e oferece critérios objetivos para concretizar a ética — um conceito subjetivo — nos negócios.
Em síntese, o compliance, ou conformidade, é o conjunto de diretrizes que orienta a atuação de um agente de acordo com as normas aplicáveis àquela atividade. A governança, por sua vez, refere-se à estrutura normativa que define quem deve e quem pode agir para alcançar determinados objetivos.
Já o programa de integridade consiste no conjunto de procedimentos e normas voltadas à detecção de práticas de corrupção, fraudes, irregularidades, ilícitos e outros desvios éticos e de conduta que possam comprometer a confiança, credibilidade e reputação institucional (Decreto nº 11.529/23).
É fácil perceber que o conceito de compliance e integridade no Brasil amadureceu em um contexto de investigações policiais contra a corrupção. Assim, a remediação de práticas corruptas foi o objetivo inicial dos programas de compliance no país. Contudo, hoje, esses programas abrangem uma gama mais ampla de objetivos. Ou seja, atualmente, o compliance deve ir além da mera diligência anticorrupção.
Diferentes setores da economia possuem características tanto comuns quanto específicas. O compliance tradicional, que responde aos riscos de corrupção, é um padrão aplicável a todos os setores. No entanto, certas atividades econômicas demandam abordagens específicas, que devem ser consideradas em programas de conformidade.
Mineração é setor crítico
A mineração, por exemplo, é um setor econômico crítico devido aos riscos inerentes à exploração extrativista. É natural, portanto, que a sociedade, o mercado e o Estado exijam uma política de conformidade mais abrangente para este setor, que no Brasil produz cerca de 70 substâncias minerais metálicas, 45 não metálicas e quatro energéticas, emprega diretamente mais de 200 mil pessoas e cerca de 1 milhão de forma indireta, além de representar aproximadamente 5% do PIB nacional.
Ante as características inerentes ao setor, os programas de compliance da mineração devem priorizar a segurança dos processos, a qualidade das estruturas de disposição de rejeitos, a segurança ocupacional dos trabalhadores, a mitigação dos impactos ambientais, a diversidade e inclusão, o relacionamento com as comunidades, o desenvolvimento local, a comunicação, a inovação, a gestão hídrica, o consumo energético e a gestão de resíduos. Esses são os pilares eleitos pela mineração através de seu diálogo autorregulatório.
A ANM (Agência Nacional de Mineração) foi criada em 2017 em substituição do DPMN (Departamento Nacional de Produção Mineral) e tem como valores a integridade, transparência, inovação, diálogo e sustentabilidade. Nota-se que são componentes da politica da mineração coincidentes com aqueles que o setor minerário elegeu como primordiais.
A urgência da transição de uma economia marrom para uma economia verde coloca a dimensão ambiental (environment) da plataforma ESG em posição de destaque nos programas de compliance do setor de mineração.
O estabelecimento de modelos de “mineração verde” deve ser parte integrante dos programas de conformidade das mineradoras, que devem se comprometer, necessariamente, com a redução do consumo de energia, a diminuição das emissões de carbono e a preservação dos recursos naturais associados à atividade, como a água.
Segurança deve nortear o compliance na mineração
Em virtude dos grandes desastres ocorridos no Brasil em 2015 e 2019, torna-se evidente que o vetor fundamental para o compliance no setor mineral deve ser a segurança. A Lei nº 12334/10 estabeleceu a Política Nacional de Segurança de Barragens. A Lei nº 14.966/20 proibiu a construção de barragens de mineração a montante, método em que os diques de contenção se apoiam sobre os próprios rejeitos.
A mesma lei também determinou a descaracterização de todas as barragens construídas por essa metodologia. O termo “descaracterização” é relativamente polissêmico, conforme destacam Rafaela S. Massignam e Luis Enrique Sánchez. Mas é inegável que o objetivo dessa medida é reduzir os riscos ao meio ambiente e às comunidades, desativando a barragem e promovendo a recuperação da área afetada. O esforço de compliance nesse aspecto é desafiador, dada a complexidade técnica envolvida na tarefa de descaracterização.
Essa exigência legal é pioneira no mundo, e o êxito brasileiro contribuirá para o desenvolvimento do acervo técnico mundial relativo ao fechamento de barragens de rejeitos de diferentes tipos.
Nesse cenário, as novas normas da politica da mineração exigem uma ampliação dos temas a serem tratados pelos programas de compliance da mineração. Não basta uma empresa se contentar com o programa tradicional de compliance. A maturidade das mineradoras deve ser medida pela adequação do seu programa às exigências do environment e especialmente da segurança, temas muito caros à sociedade brasileira.