Opinião

Árbitro deve ter espírito aberto ao apreciar pedido de esclarecimentos

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17 de setembro de 2024, 7h01

Nos últimos 20 anos, a arbitragem se consolidou no Brasil como o principal meio de solução de conflitos relacionados a contratos complexos e disputas societárias mais sofisticadas. As causas desse sucesso são múltiplas, mas parece certo que dentre elas pode ser destacada a possibilidade de obtenção de uma sentença proferida por árbitros especializados no tema objeto do litígio e com mais tempo para se dedicar ao processo, e consequentemente uma sentença de melhor qualidade.

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Não há nessa afirmação qualquer demérito ao Poder Judiciário. Mas é evidente que enquanto os juízes, designados por sorteio para conduzir o processo, estão obrigados a decidir causas das mais diversas naturezas (algumas delas sobre temas de que não necessariamente têm especial conhecimento prévio), na arbitragem é possível  indicar árbitros reputados por seu conhecimento específico sobre determinada matéria e com vivência nas situações concretas que desaguam em litígios contratuais ou societários, por exemplo, tais como juristas, professores, advogados, economistas, engenheiros. E esses árbitros, ao contrário dos juízes, não estão às voltas com milhares de processos.

Nesse contexto, o crescimento do número de arbitragens, a inclusão sistemática de cláusulas arbitrais em contratos e estatutos sociais e o prestígio com que contam diversos profissionais que atuam como árbitros parece um indicativo de que a expectativa de sentenças de qualidade vem se concretizando.

Críticas à arbitragem

Apesar disso, não se pode negar que todos nós que atuamos em arbitragem ouvimos, de tempos em tempos, de empresários, gestores, clientes, algumas críticas a sentenças arbitrais, ou até mesmo questionamento sobre se teria sido uma decisão acertada recorrer à arbitragem, ou se teria sido melhor “jogar a sorte” no Poder Judiciário, ainda que sabendo que o litígio poderia durar muitos e muitos anos.

Duas críticas parecem mais recorrentes. A primeira, a de que os árbitros teriam uma certa tendência a uma espécie de decisão por equidade, especialmente em relação a conflitos com múltiplos pedidos de parte a parte, procurando equilibrar a decisão de forma a não descontentar inteiramente uma das partes. A segunda, de que por vezes alguns aspectos do pedido ou da defesa de uma das partes sequer foram abordados na sentença, ou foram abordados de forma muito superficial, sem enfrentar suficientemente os argumentos apresentados.

Naturalmente, a crítica deve ser muitas vezes relativizada. As partes de um litígio têm expectativas de que sua pretensão será acatada, de que seu direito será reconhecido e, ao final do processo, quando isso não ocorre, ou não ocorre integralmente, se frustram.

Em arbitragens complexas, como por exemplo as relacionadas a contratos de longo prazo ou grandes contratos de construção, é comum que todas as partes da arbitragem (muitas vezes, mais do que duas) tenham pretensões recíprocas, e que algumas dessas pretensões sejam acatadas, outras não, passando uma sensação de “acomodamento” que não agrada àqueles que esperavam ganhar tudo. Enfim, existe sempre a reação humana de os vencedores acharem a sentença magnífica, e os derrotados acreditarem que uma injustiça foi cometida.

Importância da fundamentação

Relativizar a crítica, no entanto, não deve ser confundido com ignorar a crítica. Sobretudo porque existe um antídoto que, se não é capaz de impedir o descontentamento daqueles que se viram derrotados em uma arbitragem, ao menos tem o potencial de reduzir as críticas e, assim, reforçar a arbitragem como meio adequado para a solução dos conflitos. E esse antídoto é a fundamentação.

Há quem afirme que ao fundamentar uma sentença o juiz ou o árbitro devem ter em mente a parte derrotada, como se para convencê-la das razões pelas quais sua pretensão ou sua defesa não foram acolhidas. Eu não iria tão longe. É extremamente improvável que uma parte — em especial as que agem com boa-fé — que viveu um conflito, que deu certa interpretação a um contrato, ao ler a sentença tenha uma epifania e passe a acreditar que esteve errada todo o tempo, e que os árbitros lhe trouxeram a luz.

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Mas é essencial demonstrar à parte derrotada que os árbitros não decidiram baseados em um sentido de justiça particular, que procuraram observar com precisão aquilo que foi contratado e que cada um dos argumentos e cada uma das provas apresentados no procedimento foram devidamente sopesados, e é essencial que a parte derrotada — concordando ou não — compreenda os fundamentos que levaram à tomada daquela decisão.

Esclarecimentos como contribuição da parte

Nesse sentido, o pedido de esclarecimentos apresentado em arbitragem tem especial importância. Obviamente, não se deve aplaudir o pedido protocolado com intuito meramente protelatório.

Mas ao apreciar um pedido de esclarecimento o árbitro deve ter o espírito aberto não apenas para sanar eventuais omissões e contradições, mas também para tornar mais claros fundamentos que podem lhe ter parecido evidentes, mas que suscitaram nas partes dúvidas razoáveis ou que não permitiram demonstrar às partes que todas as suas alegações e provas, e todas as disposições aplicáveis do contrato que deu origem ao litígio, foram consideradas.

Como afirmou o ministro Marco Aurélio, em acórdão clássico a respeito dos embargos de declaração que, neste particular, tem pertinência em relação aos pedidos de esclarecimento, estes “não consubstanciam crítica ao ofício judicante, mas servem-lhe ao aprimoramento. Ao apreciá-los, o órgão deve fazê-lo com o espírito de compreensão, atentando ao fato de consubstanciarem verdadeira contribuição da parte em prol do devido processo legal” (Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n.º 163047-5, DJ de 08/03/1996).

No caso dos processos judiciais não é incomum a rejeição de embargos de declaração ao argumento amplo de que todas as questões relevantes para a controvérsia foram decididas e que em princípio não devem ser admitidos embargos que apenas indicam a irresignação da parte, pois só excepcionalmente lhes são atribuídos efeitos infringentes.

Tal argumento, é certo, também poderia se aplicar aos pedidos de esclarecimento. No entanto, na medida do possível, parece aconselhável ao árbitro não se contentar com o argumento genérico, cabendo-lhe demonstrar porque algumas questões suscitadas pelas partes não seriam relevantes e esclarecer em que medida os fundamentos da sentença se sustentam.

Com isso não se espera transformar o pedido de esclarecimento em um verdadeiro recurso aos mesmos árbitros — o que não faria sentido — mas, sim, reforçar a suficiência da fundamentação da sentença e consequentemente atender as expectativas legítimas daqueles que optaram por dirimir seus conflitos pela via arbitral e fortalecer a arbitragem como o meio mais adequado e seguro para a solução de litígios complexos.

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