Opinião

Uniformização de jurisprudência do IBS e da CBS e a negação à regra da paridade

Autor

  • Cassiano Menke

    é sócio coordenador da área tributária do Silveiro Advogados doutor e mestre em Direito Tributário pela UFRGS professor de Direito Tributário das escolas dos juízes federais e estaduais no RS professor do curso de especialização em Direito Tributário da PUC-RS e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-RS.

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16 de setembro de 2024, 17h25

O projeto de lei complementar (PLP) nº 108/2024, que atualmente tramita no Senado, tem sido alvo de críticas. E não sem razão. Há pontos preocupantes nos enunciados normativos deste projeto, que dispõe, dentre outras questões, sobre o processo administrativo fiscal a ser aplicado ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Um dos pontos polêmicos do PLP está, sem dúvida alguma, naquilo que ele denomina de procedimento para “uniformização da jurisprudência do IBS e da CBS”, estabelecido nos artigos 111, 112 e 113.

Conforme prevê o projeto, de um lado, o contencioso administrativo do IBS será julgado e processado por, em suma, três instâncias de órgãos de julgamento. Destas, as duas últimas serão paritárias, compostas por agentes das administrações tributárias e por representantes dos contribuintes. A última será a Câmara Superior do IBS.

De outro lado, o contencioso da CBS será julgado e processado também em três instâncias de órgãos de julgamento. E, a exemplo do que ocorrerá com o IBS, o contencioso da CBS igualmente terá as duas últimas instâncias configuradas de forma paritária, tal como já ocorre hoje quanto aos julgamentos relativamente ao contencioso dos demais tributos federais feitos pelo Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).

Ou seja, em ambos os casos (IBS e CBS), haverá órgãos julgadores de segunda e terceira instâncias compostos tanto por agentes das administrações tributárias quanto por representantes dos contribuintes.

Divergências entre câmaras

Contudo, como já se pode imaginar, tende a haver, no futuro, divergências entre os julgamentos interpretativos que serão feitos pela Câmara Superior do IBS e pela Câmara Superior do Carf (que julgará questões referentes à CBS).

Quer dizer, já que IBS e CBS são tributos praticamente iguais, é correto pressupor que, sendo seus contenciosos julgados por órgãos diversos, haverá dissídios entre eles. É exatamente aqui que reside o problema.

Ocorre que essas divergências entre as “câmaras superiores” do IBS e da CBS serão, segundo dispõem os artigos acima citados, dirimidas por um órgão “supremo”, batizado de Comitê de Harmonização. Este, por sua vez, e aqui está o ponto crucial do presente tema, será integrado unicamente por servidores públicos, sendo quatro representantes da Receita Federal e quatro representantes do Comitê Gestor do IBS.

Ou seja, não haverá representantes dos contribuintes. E o pior: as decisões proferidas pelo aludido Comitê de Harmonização serão, conforme estabelece o artigo 113, do PLP nº 108, provimentos vinculantes para os membros dos órgãos de julgamento acima mencionados. Moral da história: este órgão superior (Comitê de Harmonização), não paritário, terá poder para direcionar e alterar o entendimento dos órgãos julgadores paritários.

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Todavia, consoante se percebe facilmente, essa previsão do projeto esfacela o núcleo essencial da regra de paridade de julgamento que é estabelecida tanto pelo presente PLP nº 108, quanto pelo Decreto-Lei 70.235/72 para os julgamentos administrativo-tributários. Ela acaba por criar um órgão supremo de jurisdição administrativa, formado exclusivamente por administradores públicos, que terá poder para subordinar, material e formalmente, a atuação dos órgãos paritários.

Regra de paridade

Ora, como se sabe, a paridade é regra, no Brasil, de composição dos órgãos julgadores administrativo-tributáriosl segundo a qual deve haver igualdade de participação e de peso, entre poder público e particulares, nas decisões relativamente ao contencioso tributário. Paridade é expressão da imparcialidade e da moralidade, de tal forma que os contribuintes possam participar, com igualdade de “voz”, da formação dos sentidos interpretativos, cujos efeitos lhes afetarão. Tem a ver com a democratização e a legitimação das decisões que definem o sentido do interesse público em matéria tributária.

Na medida em que, porém, essa igualdade é sobrepujada pela regra da supremacia vinculante do tal Comitê de Harmonização, torna-se sem efeito a paridade. E, sendo assim, viola-se a imparcialidade e a impessoalidade, assim como se cria contradição interna no sistema processual administrativo fiscal, já que, quanto a este último ponto, a lei estabelecerá, de um lado, a paridade e, de outro lado, a sua negação.

E não se diga, quanto ao ponto, que, ao estabelecer o disposto no § 6º do artigo 156-B, a Constituição teria permitido tal violação à regra da paridade. Não permitiu. Veja-se que referido enunciado normativo determina que o Comitê Gestor do IBS, a Receita e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) atuem no sentido de “harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos” relativos ao IBS e à CBS.

Administração dos novos tributos

Essa harmonização prevista por tal dispositivo, todavia, se refere ao campo da administração de tais tributos, não ao campo da jurisdição. O que referidos órgãos devem fazer em conjunto é alinhar procedimentos comuns para arrecadar o IBS e a CBS. Tudo dentro do âmbito material de exercício de capacidade tributária.

No entanto, esse poder de harmonização de aspectos referentes à administração dos aludidos tributos não significa poder de julgar e de ditar o conteúdo das decisões de julgamentos, tarefa esta que ficou reservada aos órgãos de jurisdição administrativa. Estes, aliás, devem atuar exatamente para controlar o exercício de poder pelo Comitê Gestor do IBS, pela RFB e pela PGFN. Esse é o ponto central.

Por tudo isso que foi exposto, urge que o ponto aqui examinado seja alterado. Impõe-se que a composição do referido Comitê mude, no intuito de que, para fins de harmonizar a jurisprudência entre IBS e CBS, haja formação paritária também no referido órgão, sob pena de, se assim não for, restarem violados, ao que tudo indica, os deveres de imparcialidade, impessoalidade e coerência, tais como acima apresentados.

Autores

  • é advogado, sócio coordenador da área Tributária do escritório Silveiro Advogados, doutor e mestre em Direito Tributário pela UFRGS, professor do curso de especialização em Direito Tributário da PUC-RS/IET, professor de Direito Tributário da Fundação do Ministério Público (FMP) e da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), professor de Direito Financeiro e Fiscal da Escola dos juízes federais do RS (Esmafe), consultor de Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Rio de Janeiro) e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/RS.

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