Opinião

Reforma da previdência e base de cálculo da contribuição previdenciária

Autor

  • Rodrigo Spessatto

    é mestrando em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar (UNP) e procurador da Foz Previdência (Fozprev).

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15 de setembro de 2024, 6h33

Não é de hoje a notícia que o sistema previdenciário brasileiro, em todas as esferas estatais, encontra-se deficitário, a ensejar um premente colapso nos regimes próprios instituídos, principalmente nos municípios. Desde há muito tempo a legislação federal de âmbito nacional é frequentemente alterada a fim de adaptar o contexto normativo às mudanças sociais, em especial diante da inversão da pirâmide etária, o que hodiernamente resulta em poucas pessoas contribuindo e muitas sendo beneficiadas pelo que resta nos fundos constituídos para manter a previdência social.

O Legislador Constituinte, atento ao risco de iminente síncope dos regimes próprios de previdência, editou a Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, com a precípua finalidade de destinar maior autonomia legiferante e administrativa aos entes federativos, bem como erigir mecanismos para que estes pudessem se capitalizar e, consequentemente, minorar os déficits atuariais e financeiros existentes.

A manutenção de todo o sistema previdenciário necessitava de uma urgente reforma em nível constitucional, uma vez que o engessamento criado pela normatização anterior dificultava a captação de recursos e a adaptação legislativa às peculiaridades locais. A legislação nacional de observância obrigatória não mais se justificava, notadamente em virtude da dificuldade de sua incidência em localidades que demandavam a edição de regramento específico.

Nesse contexto, a Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, revelou-se de extrema importância ao permitir que os municípios editassem a sua própria legislação adaptada à realidade local, inclusive, possibilitando a persecução de recursos para equacionar o déficit de seus fundos. A referida emenda constitucional então inseriu o §1º-A ao artigo 149 da Constituição, assim dispondo acerca da contribuição ordinária:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

§1º. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, contribuições para custeio de regime próprio de previdência social, cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 103, de 2019)

§1º-A. Quando houver déficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)

Nota-se que a Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, alterou a redação do §1º, do artigo 149 da Constituição, para possibilitar a instituição, pelos municípios, de contribuições para o custeio do regime próprio de previdência social, cobradas dos aposentados e dos pensionistas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões.

Spacca

Já o §1º-A do artigo 149 da Constituição permite aos municípios, quando houver déficit atuarial a ser equacionado, a instituição de contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas, que poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo. Sabe-se que o RPPS da maioria dos municípios brasileiros é deficitário, de modo que o referido comando constitucional possui enorme relevância ao possibilitar ao legislador local a edição de regra específica destinada ao aumento de sua arrecadação.

Dessa forma, considerando o permissivo constitucional, alguns municípios instituíram contribuição previdenciária incidente sobre as aposentadorias e pensões que excedam ao salário-mínimo, tendo como base de cálculo, na hipótese de acúmulo de benefícios previdenciários, o somatório dos proventos simultaneamente percebidos.

Regras municipais são compatíveis com a EC 103

A despeito da irresignação por parte de alguns servidores públicos municipais, os citados regramentos, prima facie, encontram-se em estrita consonância com a nova sistemática estabelecida pela Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019.

Em outras palavras, não se visualiza nenhuma incompatibilidade material das regras municipais destinadas a equacionar o déficit atuarial quando cotejadas com a atual Carta Magna, uma vez que editadas visando a resolver um crescente problema de insuficiência de recursos necessários à manutenção de todo o regime previdenciário local.

Vale ressaltar que a nova redação dos §§ 1º e 1º-A, do artigo 149 da Constituição, não determina que os municípios devam instituir contribuições para o custeio de seu RPPS cobradas dos aposentados e pensionistas de acordo com o valor individualizado de cada provento de aposentadoria ou pensão. Ao revés, não há nenhuma vedação constitucional impossibilitando que as contribuições previdenciárias incidam sobre o somatório dos proventos de benefícios recebidos cumulativamente.

Somatório com base de cálculo e princípio predominante

Impende mencionar que não é conferido ao intérprete da norma constitucional inserir expressões ou delimitar restrições que não decorrem de sua mens legis e, muito menos, da vontade do próprio legislador constituinte. Destaca-se que o escopo da reforma previdenciária em nível constitucional é justamente equacionar o déficit atuarial e financeiro dos regimes próprios, criando instrumentos em prol dos entes federativos para o aumento de sua arrecadação, de modo a possibilitar o equacionamento das contas públicas.

Destarte, quando sopesados os valores constitucionais, deve indubitavelmente prevalecer o intitulado Princípio do Equilíbrio Financeiro e Atuarial (artigo 40, CF [1]), tendo em vista a sua relevância para a manutenção do sistema previdenciário em benefício das gerações futuras, que igualmente dependerão do RPPS e que hoje se encontra deficitário. Revela-se constitucional, portanto, a legislação municipal que, no caso de aposentadorias e pensões decorrentes de cargos acumuláveis, estabelece como base de cálculo para a contribuição previdenciária o somatório dos proventos para se aferir o valor que excede ao salário-mínimo.

 


[1] Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

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  • é mestrando em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar (UNP) e procurador da Foz Previdência (Fozprev).

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