Designação de fiscais de contratos na administração pública: governança e NLLC
15 de setembro de 2024, 13h17
A questão da designação de fiscais de contratos na administração pública brasileira tem sido objeto de discussão e controvérsia, especialmente no contexto da implementação da Lei nº 14.133/2021, conhecida como nova Lei de Licitações e Contratos. Este estudo visa a analisar a prática de designação genérica de fiscais de contratos, contrapondo-a aos princípios de governança pública e às diretrizes determinadas pela nova legislação.
Paradigma da governança na nova Lei de Licitações
A Lei nº 14.133/2021 representa uma mudança paradigmática em relação à sua antecessora, a Lei nº 8.666/1993. Enquanto esta última enfatizou o controle sobre as contratações públicas, uma nova legislação se orienta para o aprimoramento da governança pública. O artigo 11, parágrafo único, da Lei nº 14.133/2021 estabelece:
“A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os Os objetivos propostos no caput deste artigo são promover um ambiente íntegro e confiável, garantir o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.”
Este dispositivo elucida a responsabilidade da alta administração na implementação de processos e estruturas que asseguram a integridade, confiabilidade e efetividade das contratações públicas.
Função do fiscal de contrato e requisitos para sua atuação eficaz
O fiscal de contrato desempenha um papel fundamental na garantia da efetividade da contratação, assegurando que esta atenda às demandas indicadas na fase preparatória e cumpra os critérios estabelecidos no edital e contrato. Para o desempenho eficaz desta função, é imperativo que o servidor designado tenha ciência formal do encargo que lhe foi atribuído e possua a qualificação necessária para exercer a função.
Problemática da designação genérica de fiscais de contrato
A prática de designar fiscais de contrato de maneira genérica, atribuindo essa função automaticamente a um cargo específico, apresenta diversas incongruências com os princípios de boa governança pública. Esta prática, muitas vezes justificada pela alta rotatividade dos servidores em determinados cargos, revela-se problemática por não garantir que o servidor tenha conhecimento específico do encargo de fiscalização, podendo resultar na atribuição de responsabilidades a indivíduos sem a devida qualificação.
Além disso, a decisão de conceder o encargo fiscalizatório genericamente não reflete uma boa estratégia organizacional, mas sim um problema relacionado à teoria do agente versus principal [1]. À luz da governança pública, uma solução mais adequada seria reduzir a rotatividade dos servidores e melhorar a rotina de trabalho na administração pública.
Conforme pondera o ministro do TCU João Augusto Ribeiro Nardes et al [2]:
“Migrar da letra fria da lei para a real entrega de resultados não é tarefa simples, pois exige a criação de estruturas, modelos e processos organizacionais que permitam a maximização do emprego dos recursos humanos por meio de instrumentos de delegação, sem perder de vista o prioritário atendimento dos interesses da sociedade, o ‘principal’ de toda a engrenagem.”
Nesse sentido, destaca-se a necessidade de implementação de gestão por competências, responsabilidade essa atribuída à autoridade máxima do órgão ou da entidade (artigo 7º, da Lei 14.133/2021).
Portanto, ao designar um fiscal de contrato, o administrador público deve fazer com base no conjunto de qualificações que compreende: “conhecimentos, habilidades e atitudes, que permitem ao individuo atingir determinado desempenho que atenda aos objetivos da organização”[3].
Posição do Tribunal de Contas da União
O TCU tem reiteradamente se manifestado contra a prática de designação genérica de fiscais de contrato por não atender ao princípio da eficiência, conforme destacado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no Acórdão nº 3676/2014 da 2ª Câmara:
“A nomeação genérica de servidores para atuarem como fiscais, sem previsão dos nomes nem dos contratos a serem fiscalizados, contraria o princípio da eficiência, por inviabilizar a atribuição de responsabilidade específica a determinado servidor.”
Além do acórdão supracitado, o Acórdão nº 1094/2014/2ª Câmara do TCU estabelece:
“9.1.1. providenciar portaria de designação específica para fiscalização de cada contrato, com atestado de coleta pelo fiscal designado e que constem claramente as atribuições e responsabilidades, de acordo com o previsto pela Lei nº 8.666/1993 e seu artigo 67.”
No mesmo sentido o Acordão 829/2017/TCU/Plenário estabelece:
“9.3. determinar, com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, c/c art. 250, inciso II, do Regimento Interno do TCU, ao [omissis] que faça constar, no processo de execução de contrato, termo firmado pelo gestor e/ou fiscal de contrato, em que fique registrado o seu conhecimento dos termos do contrato que será por ele fiscalizado.”
Estas decisões enfatizam a necessidade de designações específicas e formais para a atividade de fiscalização de contrato.
Conclusão
À luz dos princípios de governança pública e das diretrizes da nova Lei de Licitações, conclui-se que a designação genérica de fiscal de contrato não se coaduna com as melhores práticas administrativas.
Uma abordagem consentânea com a boa governança requer designação específica e formal de servidores para a função de fiscal de contrato, notificação expressa ao servidor designado sobre suas atribuições e responsabilidades, avaliação da necessidade de qualificação específica para o desempenho da função, e implementação de medidas para reduzir a rotatividade dos servidores e melhorar as rotinas de trabalho na administração pública.
Estas medidas visam a garantir que a fiscalização dos contratos públicos seja realizada de maneira eficiente, eficaz e efetiva em consonância com os objetivos propostos pela legislação vigente e os princípios de boa governança pública.
[1] Problema de delegação interna vertical
[2] NARDES, João Augusto Ribeiro; ALTOUNIAN, Claudio Sarian; VIEIRA, Luis Afonso Gomes. Governança Pública: o desafio Brasil. 3. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 135, ISBN 978-85-450-0485-1.
[3]MOTTA, Fernando C. Prestes; DE VASCONCELOS, Isabella Francisca Freitas Gouveia. Teoria geral da administração. São Paulo: Cengage Learning Edições Ltda., 2022. p.89
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