Opinião

Liquidation preference e seu impacto nas startups

Autor

  • Gabriel Magalhães Comegno

    é pós-graduado em Direito de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) co-autor de livros e diversos artigos jurídicos e advogado especializado em Direito Empresarial com foco em atuação em Societário M&A e Venture Capital.

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14 de setembro de 2024, 12h32

Em contratos de investimento, principalmente diante de investidores experientes, tanto pessoa física quanto jurídica, é comum se deparar com cláusulas e exigências muitas vezes consideradas agressivas pelos founders. Entre elas, destacamos a liquidation preference.

A cláusula de liquidation preference (preferência de liquidação) é comum em contratos de investimento, principalmente em venture capital e startups. Ela define a ordem e o valor que os investidores preferenciais receberão em caso de um evento de liquidez da empresa, como é o caso de uma venda (total ou parcial), fusão, ou mesmo decretação de falência.

Funcionamento

A liquidation preference assegura que os investidores preferenciais (geralmente aqueles que compraram ações preferenciais) sejam pagos antes dos acionistas ordinários. Isso significa que, em caso de liquidação, esses investidores recuperam o capital investido (ou um múltiplo desse valor) antes dos demais acionistas. Como o próprio nome diz, eles têm preferência.

O racional por trás deste dispositivos está principalmente ligado ao grau de risco oferecido pelo negócio. Dado que muitas startups não chegam a dar lucro e muitas vezes sequer sobrevivem ao mercado, investidores, na tentativa de garantir algum retorno (ainda que mínimo), optam pela inclusão da cláusula de liquidation preference.

Uma vez esclarecido o conceito e a aplicação desta cláusula, faz-se necessário avaliar as modalidades e a forma as quais este instituto pode ser encontrado no mercado

Múltiplos

A cláusula costuma incluir um múltiplo que irá incidir sobre o montante investido, tal como 1x, 2x, 3x o valor investido, que garante que o investidor receba antes dos acionistas ordinários.

A título de exemplo, imagine um contrato de investimento de 20% do capital social e contendo um liquidation preference de duas vezes o valor da quota.

Spacca

Pouco tempo depois, a sociedade é vendida por R$ 100 milhões. Em tese, daria o direito do investidor retirar o equivalente à R$ 20 milhões.

No entanto, considerando o liquidation preference de 2x o valor da quota, o investidor fará jus a R$ 40 milhões, restando assim, para os demais sócios, R$ 60 milhões por 80% do capital social.

Modalidade participante

Nesta modalidade, o investidor recebe tanto o valor da preferência de liquidação quanto sua parte proporcional no capital social da empresa remanescente após o pagamento.

Os acionistas preferenciais não apenas recebem de volta seu investimento original, mas também uma porcentagem dos rendimentos restantes após o reembolso do investimento original.

Por exemplo, numa saída de R$ 10 milhões, um investidor que detenha 10% de todas as ações da startup com uma preferência de participação de 1x e um investimento de R$ 1 milhão receberia primeiro de volta os seus R$ 1 milhão investidos.

Em seguida, o restante dos rendimentos (R$ 9 milhões) será distribuído entre todos os acionistas proporcionalmente à sua participação na startup. O investidor também receberia um adicional de R$ 900 mil (referente à sua participação de 10% no capital social da empresa) dos rendimentos restantes.

Modalidade não-participante

Neste modelo, o investidor tem duas opções de retorno: (i) escolhe entre receber o valor da preferência de liquidação (geralmente igual ao investimento inicial); ou (ii) receber sua participação proporcional no capital social após o pagamento dos credores, conforme mencionado no item acima. Note que, diferentemente do modelo “participante”, as opções são alternativas e não cumulativas

Cap

Embora a liquidation preference represente uma importante proteção aos investidores, muitas vezes criando cenários até mesmo considerados injustos aos olhos dos fundadores, ainda sim é possível a negociação de condições que limitem eventuais abusos.

Essa opção é a fixação de cap, isto é, um teto para os múltiplos. Uma preferência de liquidação de participação limitada é um híbrido entre preferências participantes e não participantes.

Os investidores recebem primeiro sua preferência de liquidação e depois participam proporcionalmente com os acionistas ordinários até um limite ou teto definido. Uma vez atingido o limite, todos os rendimentos remanescentes serão destinados aos os acionistas ordinários.

O cap busca proporcionar um mínimo de proteção aos fundadores e demais sócios, permitindo que os mesmos tenham alguma previsibilidade e evita que sejam completamente (ou quase) diluído.

Conclusão

Portanto, a clausula de preferência de liquidação é uma cláusula muito comum em investimentos de capital de risco em startups, como forma dos investidores garantirem a recuperação de parte ou todo o capital investido antes de outros acionistas em um evento de liquidez.

A liquidation preference é essencial para proteger os investidores de alto risco, mas, a depender do cenário, pode desincentivar os fundadores e acionistas ordinários. Por isso, sua estrutura deve ser cuidadosamente elaborada, de modo a evitar que todo o trabalho duro vá por água abaixo e deixe seus fundadores de mãos vazias.

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