Opinião

Na mira do Cade: evolução das investigações de cartéis hub-and-spoke

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13 de setembro de 2024, 6h02

Nos últimos anos, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) tem se adaptado na forma como investiga e julga práticas anticoncorrenciais colusivas, com destaque para a análise de cartéis hub-and-spoke.

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Embora ainda pouco explorado no Brasil, esse tipo de cartel tem ganhado atenção nas decisões recentes da autarquia, que estão incorporando conceitos e teorias internacionais para identificar e coibir práticas sofisticadas de manipulação de mercado.

A condenação de casos envolvendo essa modalidade, como os julgados em 2023, demonstra o movimento do Cade em fortalecer o combate a práticas anticompetitivas complexas, com coordenação indireta entre concorrentes através de um intermediário comum na cadeia produtiva.

Com esses precedentes, o Cade está construindo nova jurisprudência alinhada às tendências internacionais e criando bases para futuras investigações e condenações.

Cartéis hub-and-spoke: como funcionam?

Os cartéis hub-and-spoke são uma forma de colusão em que empresas concorrentes coordenam preços e dividem o mercado através de um parceiro comum, o “hub”, que facilita a comunicação indireta entre os concorrentes, os “spokes”.

Diferentemente dos cartéis tradicionais, onde os concorrentes se comunicam diretamente, os cartéis hub-and-spoke têm a comunicação mediada pelo hub, tornando a prática mais difícil de ser detectada. Esse tipo de cartel é relevante em mercados com pouca transparência de preços e troca limitada de informações, permitindo que o hub desempenhe um papel central na colusão.

Caso de projetores e lousas digitais

Um caso emblemático envolvendo cartéis hub-and-spoke no Brasil foi julgado em abril de 2023, no mercado de licitações e vendas privadas de projetores e lousas digitais (Processo Administrativo nº 08012.007043/2010-79). O Cade concluiu que uma distribuidora atuou como o hub, organizando e compartilhando informações sensíveis entre revendedores para fraudar licitações e manipular vendas privadas.

O esquema funcionava em três etapas: primeiro, o mapeamento de clientes potenciais por uma das revendedoras e o repasse de informações sensíveis desses clientes para a distribuidora; em seguida, a distribuidora compartilhava essas informações com as outras revendedoras, que apresentavam propostas para garantir que a licitação fosse ganha pela empresa que identificou a oportunidade.

Esse caso chamou a atenção pelo uso de teorias internacionais para fundamentar a decisão do Cade. A aplicação da teoria britânica da troca de informações A-B-C, combinada com a “teoria do aro” americana, que identifica a atuação do hub como o elemento central na facilitação da colusão, e a exigência da “intenção conjunta” entre os agentes, conforme a jurisprudência europeia, demonstrou a capacidade do Cade de adaptar e aplicar conceitos globais ao contexto brasileiro.

Desafios na prova de cartéis hub-and-spoke

Nem todos os casos julgados pelo Cade envolvendo cartéis hub-and-spoke resultaram em condenação nessa modalidade. Em agosto de 2023, o Tribunal do Cade analisou um caso envolvendo o mercado de combustíveis no oeste de Santa Catarina, onde se alegava a existência de um cartel hub-and-spoke (Processo Administrativo nº 08700.005639/2020-58).

Spacca

Apesar da recomendação inicial da Superintendência-Geral do Cade pela condenação, o tribunal não reconheceu a prática de hub-and-spoke. A razão foi a falta de provas suficientes que comprovassem a atuação da distribuidora como hub no esquema de coordenação entre os concorrentes. Esse resultado destaca a complexidade de se provar a existência de um cartel hub-and-spoke, especialmente a necessidade de demonstrar que o hub teve um papel essencial na facilitação da colusão.

Construção da jurisprudência no Brasil

A análise desses casos pelo Cade reflete influência das jurisprudências norte-americana, britânica e europeia. Nos Estados Unidos, a teoria do “rim” sugere que a coordenação entre concorrentes pode ocorrer através de restrições verticais, enquanto no Reino Unido, a troca de informações A-B-C é um modelo utilizado para identificar a comunicação indireta entre concorrentes. Na União Europeia, a ênfase está na “intenção conjunta” entre os agentes, conceito que também foi aplicado pelo Cade no caso de abril.

A adaptação dessas teorias ao contexto brasileiro, no entanto, apresenta desafios. O mercado brasileiro possui características próprias, como a alta concentração em certos setores e a complexidade regulatória, que podem dificultar a identificação e a prova de práticas anticompetitivas. A necessidade de provas robustas e a natureza indireta da comunicação entre os concorrentes em cartéis hub-and-spoke exigem uma abordagem investigativa minuciosa e inovadora por parte das autoridades concorrenciais brasileiras.

Perspectivas futuras

Com esses precedentes, o Cade está construindo base para lidar com cartéis hub-and-spoke no Brasil. A essência dessas investigações está em determinar o papel crucial do hub na colusão entre concorrentes. O caso de projetores e lousas digitais, em particular, representa um marco, não apenas pela sua complexidade, mas pelo uso combinado de teorias internacionais para fundamentar a decisão.

Com a continuidade de novos casos, espera-se que a jurisprudência do Cade evolua, aprimorando o combate a práticas anticompetitivas e protegendo o mercado de esquemas sofisticados como os cartéis hub-and-spoke. À medida que o Cade avança, o mercado precisará se adaptar, buscando maior transparência e conformidade para evitar punições e danos à reputação.

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