O Código de Processo Civil, reproduzindo norma precedente do Estatuto de 1973 (artigo 55), estabelece uma eficácia preclusiva sui generis da decisão de mérito em relação à assistência simples: “transitada em julgado a sentença no processo em que interveio o assistente, este não poderá, no processo posterior, discutir a justiça da decisão” (artigo 123).
Trata-se de instituto inspirado no colateralização dos efeitos decisórios prevista no Direito Processual Civil alemão (§ 68 da Zivilprozessordnung — ZPO), disciplinado no Código brasileiro a par de outras eficácias preclusivas singulares, inconfundíveis com a eficácia preclusiva máxima da coisa julgada, a exemplo das estabilizações (ou eficácias preclusivas) da tutela antecipada (artigo 304) e da decisão de saneamento e organização do processo (artigo 357, § 1º).
O propósito das presentes reflexões é esclarecer em linhas breves, sem a intenção de esgotar a temática, o fenômeno peculiar da “indiscutibilidade da justiça” da decisão de mérito no processo em que intervenha o assistente simples.
A assistência constitui hipótese de modalidade interventiva voluntária qualificada pelo interesse jurídico do assistente, que postula em favor do assistido. O assistente simples atua como um terceiro aderente — embora seja “parte” da relação jurídica processual após a sua admissão – que não ostenta posição ou titularidade jurídica em relação ao direito material controvertido, mas detém interesse jurídico no resultado do processo.
Nesse sentido, o assistente simples atua como “auxiliar” do assistido, pois não pugna por providência favorável para si, mas em prol da parte auxiliada (assistida). Essa observação é relevante porque constitui o principal traço distintivo entre a assistência simples e a denominada assistência litisconsorcial (artigo 124 do CPC), hipótese em que a posição do assistente é juridicamente equiparada à do litisconsorte.
Como decorre da própria acessoriedade que a qualifica, a assistência simples não obsta a desistência da ação, o reconhecimento da procedência do pedido, a renúncia a direito e a transação sobre o direito controvertido (artigo 122).
Como parte da relação jurídica processual, o assistente exerce poderes e faculdades, sujeita-se a ônus e deveres, com a mesma dimensão atribuída à própria parte auxiliada e, no caso de revelia ou omissões do assistido, “o assistente será considerado seu substituto processual” (artigo 121, parágrafo único, do CPC), atuando sob legitimação extraordinária.
Vinculação do assistente
Embora atue como auxiliar da parte assistida, o resultado do processo também vincula o assistente em determinado grau, que “não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão”, ressalvadas as hipóteses excludentes do artigo 123, I e II, do CPC (restrição à produção de prova hábil, desconhecimento de alegações ou de provas omitidas dolosa ou culposamente pelo assistido).
Essa espécie de vinculação do assistente constitui manifestação da denominada “eficácia da intervenção” (ou “eficácia da assistência”) e não se confunde com a autoridade da coisa julgada, que afeta objetiva e subjetivamente as partes demandante e demandada.
A eficácia preclusiva decorrente da assistência simples impede o assistente de, em processo posterior, discutir a “justiça da decisão”. Essa indiscutibilidade da “justiça da decisão” atinge os fundamentos fáticos e jurídicos da decisão de mérito prolatada em desfavor do assistido, que não podem ser rediscutidos pelo assistente em demanda posterior, exceto se alegadas as excludentes legais da vinculação, taxativamente previstas na lei processual (artigo 123, I e II, do CPC).
Superação em caráter incidental
Como mencionado, a eficácia da intervenção não se confunde com a denominada “eficácia preclusiva da coisa julgada”, fenômeno relacionado — como redunda a expressão — à preclusão máxima do sistema processual, que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito (artigo 502).
A eficácia da assistência não atinge a “decisão”, mas a sua “justiça”, assim inferida dos fundamentos fáticos e jurídicos que “justificam” o dispositivo decisório. Portanto, o assistente simples — que não é parte da relação material controvertida — não é afetado pelos limites da coisa julgada, embora o sistema processual preveja uma espécie de eficácia estabilizadora, em razão da participação no processo em contraditório. Desse modo, a eficácia da intervenção pode ser superada em caráter incidental (na nova demanda), independentemente de ação rescisória.
Imagine-se, por exemplo, uma ação anulatória de negócio jurídico proposta por contratante (autor) com fundamento em erro substancial sobre o objeto, induzido (dolo) por terceiro estranho à avença, em face de algum contratado (réu).
O terceiro, supostamente participante da indução a erro no negócio jurídico, é admitido como assistente simples, pois tem interesse na improcedência da demanda e no afastamento incidenter tantum do dolo alegado como questão prejudicial de mérito.
A ação anulatória é julgada procedente e o réu é condenado a restituir valores ao autor, pagos em razão do negócio inválido. Em demanda posterior, o contratado, anteriormente condenado, propõe ação reparatória de regresso contra o terceiro, que atuara como assistente na primeira demanda.
Nessa nova relação jurídica processual, não poderá ser rediscutida a existência material e a configuração jurídica da alegada indução a erro, já acertada no processo anterior.
Porém, o réu na segunda demanda (assistente na primeira ação anulatória) pode alegar incidentalmente, como prejudicial de mérito defensiva na ação reparatória, que o negócio jurídico não era inválido — por fundamentos a fortiori diversos, sem negar a indução a erro já acobertada pela “justiça da decisão” anterior —, questão que não poderia aduzir se estivesse atingido pela autoridade da coisa julgada.
Daí resulta, então, a própria natureza do fenômeno da eficácia da intervenção, efeito secundário, “colateral” ou “anexo” da decisão, que se justifica como técnica processual atrelada à segurança jurídica, em caráter profilático de decisões contraditórias cuja “justiça” (fundamentos) pudesse ser eventual e ulteriormente inobservada em demanda futura. Contudo, admitem-se excludentes legais da vinculação (artigo 123, I e II, CPC), igualmente por imperativo de segurança jurídica.