Opinião

Código Florestal Brasileiro e as áreas de uso restrito: entendendo o artigo 11

Autores

  • Marcelo Buzaglo Dantas

    é advogado mestre e doutor em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pós-doutor e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica (Mestrado e Doutorado) da Universidade do Vale do Itajaí e professor visitante da Widener University-Delaware Law School (EUA) e da Universidad de Alicante (Espanha).

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  • Luna Rocha Dantas

    é graduanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina Harvard Visiting Undergraduate Student 2021 e membro do Grupo de Pesquisa Poder Controle e Dano Social (UFSC).

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13 de setembro de 2024, 13h19

desmatamento Amazônia floresta amazônica

O Código Florestal Brasileiro, instituído pela Lei nº 12.651/2012, estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação nativa, incluindo áreas de preservação permanente e de reserva legal, dentre outras. Este artigo analisa especificamente o artigo 11 do Código, que trata das áreas com inclinação entre 25º e 45º, sua interpretação pelo Supremo Tribunal Federal e suas implicações práticas, com abordagem do impacto de interpretações equivocadas da norma.

No Capítulo III, intitulado “Das Áreas de Uso Restrito”, mais precisamente no artigo 11, o Código Florestal preceitua que:

“Em áreas de inclinação entre 25º e 45º, serão permitidos o manejo florestal sustentável e o exercício de atividades agrossilvipastoris, bem como a manutenção da infraestrutura física associada ao desenvolvimento das atividades, observadas boas práticas agronômicas, sendo vedada a conversão de novas áreas, excetuadas as hipóteses de utilidade pública e interesse social” [1].

Em uma análise direta do que o artigo prevê, é possível tecer algumas considerações. Em primeiro lugar, os locais em áreas com inclinação entre 25º e 45º devem ser considerados como áreas de uso restrito, como o próprio título do capítulo determina, não como áreas de preservação permanente.

Segundo, a regra apresentada evidentemente foi elaborada com o único fim de proibir a conversão de florestas em áreas destinadas a atividades agrossilvipastoris. Proibindo a transformação de área de vegetação nativa em campos e pastos agropecuários, excetuadas as hipóteses de utilidade pública e interesse social. Não se trata, portanto, de proibição de conversão de novas áreas para outros fins em áreas urbanas, pois o artigo somente é aplicável quando se trata de área rural.

Explica-se: o artigo 11 permitiu que em áreas já convertidas com inclinação entre 25º e 45º o exercício de atividades agrossilvipastoris e a manutenção da infraestrutura física associada ao desenvolvimento das atividades sejam mantidos, observadas boas práticas agronômicas. Essa é a única atividade que é permitida nas áreas com essa inclinação pelo Código Florestal pois é uma restrição que somente pode ser imposta em áreas rurais.

Artigo 10 e interpretação incorreta

A leitura do artigo 10 do Código Florestal anterior (Lei nº 4.771/1965) presta ainda mais esclarecimentos, ao prever:

“Não é permitida a derrubada de florestas, situadas em áreas de inclinação entre 25 a 45 graus, só sendo nelas tolerada a extração de toros, quando em regime de utilização racional, que vise a rendimentos permanentes” [2].

Veja-se, é tolerada a extração de toros em áreas florestais de inclinação entre 25 a 45 graus. Somente em uma área rural essa espécie de atividade agropecuária poderia ser realizada. Ademais, seria ilógico interpretar que o artigo 11 se aplicaria também a áreas urbanas, pois nesse caso, em áreas urbanas consolidadas que já não possuem características de vegetação nativa, somente poderia se manter “o manejo florestal sustentável e o exercício de atividades agrossilvipastoris”, devendo ser observadas ainda as boas práticas agronômicas.

Spacca

Apesar disso, a interpretação incorreta ainda é corriqueira, principalmente ao se entender que em áreas urbanas com as inclinações estabelecidas no artigo 11 não poderia haver conversão de novas áreas, pois estas seriam de uso restrito. Contudo, conforme explicado acima, o Código Florestal não impõe restrição alguma nas áreas urbanas com inclinação entre 25 e 45 graus. Somente estabelece limites para a conversão de florestas em áreas destinadas à agropecuárias, no âmbito rural.

Esse é o posicionamento de parte da doutrina, embora não seja uma controvérsia debatida com frequência, apesar do seu impacto na segurança jurídica no direito urbanístico. Nesse sentido:

“Além disso, ao que tudo indica, o dispositivo não é aplicável apenas e tão somente às propriedades que se enquadrem como área consolidada, haja vista que não há qualquer referência nesse sentido em sua redação, além de não estar inserido no Capítulo que trata especificamente das disposições transitórias (Capítulo XIII). Desse modo, desde que atendidas as condições previstas no art. 11, o dispositivo também abarcaria aquelas ocupações que tenham ocorrido em data posterior a 22 de julho de 2008. Por outro lado, como o dispositivo apenas faz referência a atividades tipicamente rurais, talvez o mais adequado seja concluir que esse comando normativo não se aplica a imóveis urbanos, até porque existe legislação específica que indica, por exemplo limites de declividade para a realização das atividades de parcelamento do solo urbano” (artigo 3º, III, da Lei Federal n. 6.766/79 [3])

ADI 4.903

Em parte, essa lacuna interpretativa se dá pelo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.903, que declarou esse dispositivo constitucional pela maioria do Plenário do STF. O acórdão está assim ementado:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO AMBIENTAL. ART. 225 DA CONSTITUIÇÃO. DEVER DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE COMPATIBILIZAÇÃO COM OUTROS VETORES CONSTITUCIONAIS DE IGUAL HIERARQUIA. ARTIGOS 1º, IV; 3º, II E III; 5º, CAPUT E XXII; 170, CAPUT E INCISOS II, V, VII E VIII, DA CRFB. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. JUSTIÇA INTERGERACIONAL. ALOCAÇÃO DE RECURSOS PARA ATENDER AS NECESSIDADES DA GERAÇÃO ATUAL. ESCOLHA POLÍTICA. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO. EXAME DE RACIONALIDADE ESTREITA. RESPEITO AOS CRITÉRIOS DE ANÁLISE DECISÓRIA EMPREGADOS PELO FORMADOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS. INVIABILIDADE DE ALEGAÇÃO DE ‘VEDAÇÃO AO RETROCESSO’. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. […] (k) Art. 11 (Possibilidade de manejo florestal sustentável para o exercício de atividades agrossilvipastoris em áreas de inclinação entre 25 e 45 graus): A admissão do manejo florestal sustentável e do exercício de atividades agrossilvipastoris em áreas de inclinação entre 25° e 45° se insere na margem de discricionariedade do legislador, máxime quando estabelecidos critérios para a autorização dessas práticas, exigindo dos órgãos ambientais a fiscalização da observância de boas práticas agronômicas, bem como vedando a conversão de novas áreas para as atividades mencionadas. Além disso, a legislação anterior já admitia atividades extrativas nessas áreas de inclinação, estabelecendo como restrição apenas a cláusula aberta da ‘utilização racional’. Nesse particular, as atividades agrossilvipastoris, em aperfeiçoamento das práticas agrícolas ortodoxas, são destinadas à otimização das vocações produtivas e ambientais na atividade agrícola” [4].

De forma alguma se questiona o entendimento do Supremo, que foi acertado ao admitir o manejo florestal sustentável e o exercício de atividades agrossilvipastoris em áreas de inclinação entre 25° e 45°. Porém, a corte perdeu a oportunidade de eliminar qualquer dúvida de que a vedação imposta pelo artigo 11 se aplica somente às áreas rurais — talvez porque isso fosse tão óbvio que pareceu desnecessário.

Apesar disso, uma leitura atenta do acórdão permite constatar que esse esclarecimento foi feito. Assim como o artigo 10 do Código Florestal anterior proibia a “derrubada de florestas situadas em áreas de inclinação entre 25 a 45 graus”, o artigo 11 do Código Florestal atualmente vigente veda, nos termos da decisão do Supremo, a “conversão de novas áreas [de inclinação entre 25º e 45º] para as atividades mencionadas” (grifei).

Ou seja, é proibida a derrubada de florestas para a implementação de atividades agrossilvipastoris. Dessa forma, não se pode conferir ao artigo 11 do atual Código Florestal interpretação expansiva para, nas já transcritas palavras do ministro Luiz Fux, “inutilizar todas as áreas do país com inclinação entre 25° e 45° para atividades produtivas”.

Conclusão

O entendimento do significado do artigo 11 do Código Florestal Brasileiro e a intenção do legislador revela a importância de uma interpretação precisa e contextualizada da legislação ambiental. Fica evidente que a restrição imposta por este artigo se aplica especificamente às áreas rurais, visando a proteção de florestas e a regulamentação de atividades agrossilvipastoris em terrenos com inclinação entre 25º e 45º.  A interpretação equivocada deste dispositivo pode levar a restrições indevidas em áreas urbanas, comprometendo o desenvolvimento sustentável das cidades.

Em suma, a interpretação precisa do artigo 11 do Código Florestal é um elemento chave para alinhar as práticas de uso do solo à sustentabilidade das cidades, permitindo que o desenvolvimento urbano se dê na forma legal.

 


[1] BRASIL. Lei nº 12.651/2012, de 25 de maio de 2012. Lei Florestal. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2012.

[2] BRASIL. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Novo Código Florestal. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1965.

[3] PAPP, Leonardo. Comentários ao novo código florestal brasileiro: Lei n. 12.651/12. Campinas: Editora Millennium, 2012. p. 138-139.

[4] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.903. Relator: Ministro Luiz Fux. Publicado no DJE nº 213, divulgado em 30/09/2019. 2019g. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4355144. Acesso em: 10 set. 2024.

Autores

  • é advogado, mestre e doutor em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP, pós-doutor e docente permanente do programa de pós-graduação em Ciência Jurídica da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), ex-presidente da Comissão do Meio Ambiente da OAB-SC, membro das Comissões de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros–IAB, membro das Comissões de Bioética e de Meio Ambiente do Instituto dos Advogados de SC-Iasc e membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB e professor visitante da Widener University — Delaware Law School (EUA) e da Universidad de Alicante (Espanha).

  • é graduanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Harvard Visiting Undergraduate Student 2021 e membro do Grupo de Pesquisa Poder, Controle e Dano Social (UFSC).

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