Big Tech vs. Big Alex: limite entre exercício do direito e abuso de direito individual
13 de setembro de 2024, 17h23
O cenário jurídico brasileiro tem sido objeto de debate internacional, colocando o papel da Suprema Corte e a sua legitimidade no centro da discussão. O ambiente de “polarização” — e até de radicalização — levou a uma inédita participação da mais alta corte nos procedimentos e processos judiciais em trâmite, sobretudo pelo lugar de destaque em que se colocou a figura ativa do ministro Alexandre de Moraes.
Uma parcela social atribui a característica de coragem às ações do ministro, ao passo que outros veem atitudes autoritárias. Isso evidencia que até sobre decisões judiciais o dissenso polarizado ganhou forte espaço no debate público.
Da pandemia à manutenção do Inquérito das Fake News — sem esquecer da vandalização das instituições em 8 de janeiro de 2023 —, houve uma escalada da agenda jurídica do país. Claro que isso oportunizou, bem ou mal, que agentes internacionais, com notório poder de influência, passassem a opinar sobre as balizas de nossa estrutura institucional.
O caso mais recente foi o da plataforma X — antigo Twitter, que, ancorada no argumento de defesa da liberdade de expressão, encabeçou uma missiva contra as decisões da Suprema Corte, ao ponto de retirar as representações no Brasil e, publicamente, negar-se a cumprir os pareceres de Moraes.
Big Alex
Inegavelmente o ministro Alexandre de Moraes tem vivido uma relação de amor e ódio com a população em geral, e, no ambiente jurídico, tem causado divergências e debates sobre o (des)cumprimento da Constituição.
Moraes tem adotado procedimentos inéditos na condução de alguns processos. Recentemente chegou a “intimar” o X pela sua própria plataforma usando o perfil institucional da Suprema Corte, suspendeu a rede no país, atribuiu multa para usuários que utilizassem a rede social por VPN e, por fim, atingiu a atividade econômica de pessoas jurídicas alheias ao processo, como mecanismo de coerção indireta.
Essa postura “não convencional”, notadamente, é um alerta sobre os limites procedimentais. Não nos parece que o apego ao procedimento deva ser um fim em si mesmo, até pela perspectiva do formalismo moderado. Não obstante, a perspectiva burocrática — estabelecida no núcleo essencial da Lei Fundamental — é a garantia e a proteção do cidadão contra as ações do Poder Estatal.
É justamente o procedimento que protege o cidadão dos abusos e resguarda minimamente os direitos fundamentais, sob pena das autoridades estatais, sem critérios definidos, conduzirem os processos como melhor acharem. As placas de trânsitos — muitas delas — nos lançam alertas diários nos caminhos que percorremos, e o avanço sem prudência e obediência aos comandos normativos certamente nos levará a acidentes e prejuízos à estrutura institucional que se visa proteger: confiabilidade no Estado e segurança dos cidadãos.
Não irei romantizar o direito ao ponto de deixar escapar as situações que envolvem hard cases, em cenários excepcionais que favoreçam a utilização de princípios para ampliar possibilidades argumentativas e regras para fechar a cadeia de compreensão (Neves, 2013), buscando, diante de hipóteses inéditas, resoluções jurídicas satisfatórias. Mas não podemos ampliar argumentações para “emergências fabricadas”, sobre muitas das quais possuímos regras postas e próprias, de modo a afastar, ainda, o protagonismo judicial na condução da persecução criminal e atuações de ofício no âmbito cível.
Apesar disso tudo, ainda temos, democraticamente, o fôlego para criticar e recorrer das decisões, e é essa saída que garante legitimidade às instituições, sobretudo no seu aperfeiçoamento e amadurecimento nesses quase 36 anos da Carta Política de 88, hipóteses inexistentes em regimes categoricamente autoritários.
Apegando-me ao mito jurídico do Juiz Hércules adaptado por Ronald Dworkin, rememoro que a morte do mito original [1], após alguns episódios terrenos, ocorreu com ele sendo consumido pelo fogo ordenado a si mesmo numa pira [2].
Big Techs
Os gigantes conglomerados tecnológicos — chamados de Big Techs [3] — insculpiram a forma contemporânea de comunicação social e, com isso, tiveram um crescimento avassalador. Tais plataformas modificaram, sem precedentes, a maneira de nos comunicarmos, com adesão mundial desse novo formato social.
A principal ferramenta dessas empresas é a utilização do algoritmo [4]. A partir da otimização do algoritmo, é possível fazer uma análise de dados estrutural e “induzir” conteúdos conforme se alimenta o próprio sistema.
Isso tem sido, inclusive, um poderoso instrumento em períodos eleitorais, além da divulgação de conteúdos político-partidários e ideológicos, que, em ambientes polarizados, pode ser tornar uma bomba e gerar muita instabilidade.
Antes do 8 de Janeiro, foi fomentada publicamente — e com conteúdo patrocinado nas redes sociais – pedidos de intervenção das Forças Armadas e Garantia da Lei e da Ordem atrelados à falácia de ocorrência de fraude eleitoral. Ou seja, conteúdos com narrativas de “golpe de Estado”. Sobre isso escrevi aqui na revista [5].
A problemática mais atual é quando a própria plataforma, por direcionamentos do seu CEO/fundador/diretor propaga conteúdos de instabilidade, qualificados pela desobediência às instituições democráticas de um país. Além disso, frauda a jurisdição — parcela do poder soberano estatal —, retirando do país a sua representação/sede, condição para o seu funcionamento regular.
Atitude como essa tem objetivo certo, que é o de desestabilizar, sabendo-se do poder que tem uma plataforma no cenário atual e sua capacidade de “manipular” informações, ainda mais na era dos “memes”, dos conteúdos rasos e distorcidos e vieses de confirmação, sobrelevando o poder econômico contra a soberania. Daí nascem as vozes sobre a necessidade de regulamentação dessas plataformas, tema que, naturalmente, é de alta complexidade. Isso porque falar sobre “conteúdo” é por si só um desafio na equalização da liberdade de expressão.
Creio que a pergunta central daqueles que hoje apoiam as manifestações do X, que se utilizam do pretexto de proteger a liberdade de expressão, é considerar se achariam legítimas e constitucionais manifestações similares de uma plataforma chinesa e/ou cubana contra ordem judiciais para cumprimento da legislação brasileiro ao seu devido funcionamento e retirada de conteúdo.
O ato de se insurgir, seletivamente em alguns países, transparece, no cenário internacional, mais como uma estratégica beligerante, alheia aos interesses dos nacionais e cheia de (des)informações rasas inerente ao contexto das plataformas digitais de nossa era.
Dilema
Um “defensor” da liberdade de expressão em absoluto que acha que soberania e ordem estatal devem ser subservientes ao seu poder econômico. Um protetor da democracia que ignora preceitos constitucionais básico. Ambos a pretexto de cumprir a Constituição a violam. O limite entre o exercício do direito e o abuso de direito individual ou institucional é tênue.
Referências
NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
[1] https://brasilescola.uol.com.br/mitologia/hercules.htm#:~:text=Posteriormente%2C%20ao%20ficar%20sabendo%20da,estava%20o%20corpo%20de%20H%C3%A9rcules.
[2] Vaso em que arde um fogo simbólico.
[3] Grandes empresas de tecnologia e inovação
[4] Uma sequência de instruções claras e definidas que, quando seguidas, levam a uma solução ou à realização de uma tarefa
[5] https://www.conjur.com.br/2022-nov-21/herick-feijo-lei-ordem-historia-artigo-142/
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