Opinião

Mitigando incertezas na substituição de conselheiros

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12 de setembro de 2024, 7h07

Tema bastante presente na realidade das companhias abertas, as regras relativas à substituição de membros nos conselhos de administração ganharam holofote recentemente, com a saída de Jean Paul Prates da Presidência e do Conselho de Administração da Petrobras. Isso motivou um debate sobre se seria necessária ou não a convocação imediata de uma assembleia para eleger todo um novo Conselho.

A Lei das S.A. confere bastante flexibilidade aos acionistas para que eles possam regular, por meio de regras estatutárias, a forma mais adequada para a substituição dos seus conselheiros. O estatuto social pode, por exemplo, estabelecer que os conselheiros serão substituídos pelos seus respectivos suplentes. Ou, não havendo vinculação entre membros efetivos e suplentes, por um dos suplentes a ser escolhido pelo conselho, desde que tal substituição não fira a representatividade de minoria acionária. O substituto pode também ser escolhido pelos conselheiros remanescentes, a seu critério, servindo até o final do mandato em curso. Assim, desde que fixado no estatuto, o mecanismo de substituição poderá ser adaptado à governança da companhia e aos interesses (e à criatividade) de seus acionistas.

Em caso de silêncio do estatuto social, a Lei das S.A. prevê que o substituto seja nomeado pela maioria do conselho de administração (o que, na lei portuguesa, é chamado de cooptação), ficando no cargo até a primeira assembleia geral de acionistas seguinte à saída do conselheiro. Assim, nesse caso, a substituição ocorre em dois momentos: um primeiro, quando o próprio conselho escolhe o nome que servirá como substituto transitório para o cargo, e um segundo, no qual os acionistas, em assembleia geral, podem ratificar a escolha feita pelo conselho ou eleger um novo conselheiro.

Cooptação não permitida

Há casos em que a “cooptação” não é permitida pela Lei das S.A. A primeira hipótese é quando a maioria dos cargos no conselho de administração fica vaga, hipótese em que a lei torna mandatória a convocação de uma assembleia geral para que seja feita uma nova eleição, seja para todo o conselho ou apenas para os substitutos.

A segunda ocorre quando os conselheiros são eleitos por meio do voto múltiplo, e tal hipótese representa o cerne da discussão ocorrida em torno da substituição do ex-presidente da Petrobras.

Na eleição pelo voto múltiplo, que somente é adotada em caso de solicitação por acionistas que representem um determinado percentual das ações votantes, cada ação recebe uma determinada quantidade de votos, equivalente ao número de vagas em disputa. Ao votar, o acionista pode optar por distribuir seus votos igualmente entre os candidatos ou concentrá-los em um ou mais candidatos, aumentando, assim, suas chances de eleger um conselheiro.

Nos casos em que o conselho é eleito pelo voto múltiplo, a saída de um dos membros resultará na queda de todos os demais conselheiros que tenham sido eleitos pelo voto múltiplo. Existem, contudo, diferenças no momento da substituição, a depender da razão para o cargo estar vago.

Spacca

Caso a saída do conselheiro se deva à sua destituição, a decisão dos acionistas importará na imediata destituição de todos os demais conselheiros, devendo ser realizada nova eleição para todo o conselho. Porém, havendo outros motivos para o cargo estar vago, a exemplo da renúncia ou do falecimento de um conselheiro, os demais conselheiros permanecerão em seus cargos até a primeira assembleia seguinte à saída, quando então deverão ser eleitos novos conselheiros.

Estatuto social deve autorizar suplente

Neste último caso, embora a lei determine a substituição de todo o conselho na assembleia seguinte, não são fixadas regras para o preenchimento do cargo vago durante o ínterim entre a saída do conselheiro e a assembleia geral subsequente. Por conta disso, ainda que o conselho tenha sido eleito pelo voto múltiplo, será preciso avaliar as regras estatutárias a fim de determinar a forma pela qual se dará a substituição temporária, sendo certo que, em caso de silêncio do estatuto social, o substituto poderá ser nomeado pelos conselheiros remanescentes, servindo até a assembleia geral que elegerá todo um novo conselho.

A solução adotada pela lei ao determinar a substituição de todos os conselheiros na assembleia seguinte não ocorre, entretanto, em todos os casos. Caso o conselheiro a ser substituído conte com um suplente, este poderá passar a ocupar o cargo, não sendo necessária, portanto, a aplicação da regra geral. A CVM já entendeu, contudo, que, nesse caso, é preciso que estatuto social autorize o suplente a substituir o conselheiro efetivo de maneira definitiva. E também que o suplente tenha sido eleito pelo mesmo grupo de acionistas responsável pela eleição do conselheiro que deixou o cargo.

Regulação de estatutos

Esse emaranhado de regras, exceções e cenários revela a importância de os acionistas buscarem regular nos estatutos sociais, de forma clara e precisa, a mecânica de substituição de seus conselheiros.

Ao mesmo tempo, políticas aplicáveis à indicação de conselheiros, já exigidas por segmentos de listagem como o novo mercado, visam a garantir que, mesmo nos casos em que o próprio conselho tenha o poder de escolher substitutos, tal escolha siga procedimentos e esteja baseada em parâmetros que garantam uma formação alinhada com as melhores práticas de governança.

Por estas razões, se a eleição pelo voto múltiplo pode, de um lado, permitir uma maior representatividade da base acionária no conselho, de outro lado ela traz consigo uma relativa instabilidade para a continuidade da administração, ao sujeitar o conselho a uma ampla e traumática substituição caso um de seus membros deixe o cargo, tornando-se recomendável o correto tratamento estatutário para mitigar os potenciais riscos advindos dessas situações.

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