Opinião

Liberdade para Deolane

Autores

  • Hugo Leonardo

    é advogado criminalista e presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).

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  • Fabiana Pinheiro Freme Ferreira

    é advogada criminal pós-graduada em Direitos Fundamentais pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (POR) membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e psicanalista em formação.

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12 de setembro de 2024, 9h18

Há dias tem sido divulgada, com certa dose de estardalhaço, a operação da Polícia Civil de Pernambuco sobre a prisão da influenciadora digital e advogada Deolane Bezerra e sua mãe, além de outras figuras conhecidas e outras tantas empresas, cujos personagens estariam envolvidos em delitos como a prática de jogos de azar, lavagem de dinheiro etc.

Reprodução

Após o grande alarde da prisão de Deolane, houve verdadeira comoção de seus seguidores e fãs indignados com a prisão, que passaram a acompanhar pari passu todas as movimentações da ilustre investigada, lotando a porta da delegacia, fórum e presídio.

Pouco tempo após a prisão veio a informação de que Deolane havia tido a prisão preventiva convertida em domiciliar, mediante o cumprimento de algumas cautelares alternativas, dentre elas, não se comunicar com a imprensa e não se manifestar em redes sociais.

Tão logo Deolane deixou o cárcere, imagens de todos os canais de televisão e plataformas das redes sociais mostraram seus seguidores carregando a investigada, que aos gritos manifestava a sua humana indignação de ter sofrido uma prisão, a seus olhos, injusta e ilegal.

Na sequência, Deolane teria feito um post com a boca tampada demonstrando que havia sido calada pela Justiça por meio das mencionadas cautelares alternativas.

Assim que tomou conhecimento de tal fato, a juíza revogou a prisão domiciliar devolvendo a advogada ao cárcere e, pior, determinando a sua prisão em estabelecimento notoriamente superlotado e não condizente com os direitos e garantias individuais, não apenas dela, mas de qualquer outra mulher presa naquele calabouço.

Estado policialesco

Antes de prosseguir, principalmente em razão do contundente e assertivo título deste artigo, importa registrar que os articulistas, até todo esse espalhafato policial e judicial, sequer imaginavam quem era essa famosa personagem. Tudo a dizer, evidentemente, que não há qualquer pessoalidade nas considerações que passarão a seguir.

Spacca

Dito isto, importa registrar que este caso representa o assombroso Estado policialesco que o país se acostumou a viver. Erra o Judiciário ao acreditar que pode impor como medida cautelar a não comunicação de qualquer acusado pela imprensa.

Pode-se impedir que se divulguem eventuais jogos de azar, é verdade, e com isso prossiga-se na prática de eventual crime. Mas censurar, jamais! Não se pode impedir nenhum cidadão, por mais grave que seja o crime supostamente praticado de falar, publicar sua opinião, dar entrevistas.

Mais grave do que isso, é impedir o investigado, acusado, ou seja lá o que for, de pacificamente criticar as medidas judiciais impostas contra si, por exemplo, postar uma imagem com a própria boca tampada demonstrando um sentimento de censura.

O espanto é ainda maior quando se proíbe alguém que, ao deixar o cárcere e se deparar com um sem número de pessoas a aguardando, bradando pela injustiça de sua prisão e outras tantas manifestações de carinho de seus apoiadores — a contagiar qualquer pessoa que estivesse nessa situação — a se manifestar e ali dizer o que seu espírito, então livre, poderia materializar de indignação, emoção, gratidão e até raiva.

Isso é legítimo, humano e até, diríamos, instintivo. Qualquer animal capturado por alguma razão, quando devolvido ao seu habitat, manifesta todo o seu desejo de liberdade como numa explosão de sentimentos.

Veja-se, portanto, que o Poder Judiciário está punindo não apenas o indivíduo, mas a própria manifestação legítima e espontânea de dar azo àquilo imanente à própria existência. O poder punitivo deslegitima-se. Confunde-se com o delinquente. Desnaturaliza-se em ódio e vingança e não em guardião de direitos e garantias do cidadão.

Descalabro

Mas neste caso houve ainda mais. Puniu-se a protagonista da história com o seu envio a um estabelecimento superlotado, com pessoas cuja pena, se houvesse condenação definitiva, não recomendaria ali a sua alocação. Tudo para supostamente preservar a paz social e evitar a manifestação legítima dos fãs da investigada.

O descalabro é total. Ao invés de interditar o presídio que atua à margem da lei e da Constituição, exigir providências de sua superlotação, envia-se para lá pessoa tecnicamente inocente em razão de suposto descumprimento de medidas que jamais poderiam ser adotadas.

Como dito acima, até então os articulistas não conheciam a figura de Deolane. Mas, talvez, toda essa comoção propiciada pelas redes, venha colocar luz a um problema antigo, tão remoto como a história da humanidade.

O vício de que o excesso de poder se transmuta em violência bruta. A imposição do castigo e do sofrimento alheio não está à disposição de burocratas de forma discricionária, mas regido por leis e, acima de tudo, pela Constituição.

Esperamos que a liberdade à Deolane não tarde, não pelos critérios legítimos previstos na lei de regência, mas em razão dos caprichos ilegais da imposição do sofrimento ao arrepio de qualquer padrão de civilidade.

Autores

  • é advogado criminal, ex-presidente e atual conselheiro do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), ex-conselheiro do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) do Ministério da Justiça, produtor executivo do documentário "Sem Pena" e co-diretor da "Série República dos Juízes".

  • é advogada criminal, pós-graduada em Direitos Fundamentais pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (POR), membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e psicanalista em formação.

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