Honorários de sucumbência por equidade ou por arbitrariedade?
12 de setembro de 2024, 6h37
A fixação de honorários de sucumbência em ações em que a Fazenda Pública é parte vem causando divergência entre magistrados.
O artigo 85, § 3º do Código de Processo Civil estipula porcentagens de 20% a 1% (dependendo do valor) para as causas em que a Fazenda Pública é parte, de forma a não onerar o poder público excessivamente, diferente do §2º que trata das causas entre particulares em que os honorários são de 10% a 20%.
Em outro parágrafo do artigo 85, há a previsão de fixação de honorários por equidade (§8º), somente aplicável para as causas “em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo”.
Já o §8º-A do artigo 85 prevê balizas para a fixação dos honorários por equidade, sendo que “o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior”.
Porém, alguns magistrados de diversos tribunais vêm fixando honorários por equidade nas causas em que a Fazenda Pública é parte também quando o valor é exorbitante, fundamentando suas decisões no §8º do referido artigo.
Preocupação com dinheiro público
Os magistrados que fixam honorários por equidade em causas de valores elevados que a Fazenda Pública é vencida justificam-no geralmente na louvável preocupação com o dinheiro público, bem como na vedação de enriquecimento ilícito do advogado da parte.
Porém, é ignorado que, conforme bem asseverado no julgamento do REsp 1.850.512/SP pelo ministro relator Og Fernandes, “o próprio legislador anteviu a situação e cuidou de resguardar o erário, criando uma regra diferenciada para os casos em que a Fazenda Pública for parte”, sendo nesse sentido que o artigo 85, §3º “previu a fixação escalonada de honorários, com percentuais variando entre 1% e 20% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico, sendo os percentuais reduzidos à medida que se elevar o proveito econômico”.
Ainda, acertadamente complementa o ministro que o escalonamento previsto no §3º impede o “enriquecimento sem causa do advogado da parte adversa e a fixação de honorários excessivamente elevados contra o ente público”.
Apesar de o Tema Repetitivo 1.076 do Superior Tribunal de Justiça ter firmado a tese de que a “fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados”, sendo permitida apenas nas condenações em que: “(a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo”, alguns julgadores ainda aplicam entendimento diverso.
Erro humano… Ou não
Também chama atenção o relator ao fato de que muitas das execuções fiscais de valores elevados “são propostas sem maior escrutínio, dando-se a extinção por motivos previsíveis, como a flagrante ilegitimidade passiva, o cancelamento da certidão de dívida ativa, ou por estar o crédito prescrito”, devendo ser o ente público responsável por “sua falta de diligência no momento do ajuizamento de um processo natimorto que gerou a condenação em honorários”.
Isso porque o agente público é um ser humano, que erra, propositadamente (para prejudicar um desafeto, por exemplo) ou não. Eximir a Fazenda Pública de seus erros acaba por não coibi-lo e desincentiva a cautela que deve ter o agente público ao exercer sua função.
O STJ tem reafirmado a impossibilidade de se invocar desproporcionalidade, irrazoabilidade, ou falta de equidade, para fugir à observância do Tema 1.076 (REsp nº 1.743.330/AM).
Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de Repercussão Geral do Tema 1255 — RE 1.412.069 — possibilidade da fixação dos honorários por apreciação equitativa (artigo 85, §8º, do Código de Processo Civil) quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem exorbitantes. Não houve, entretanto, determinação de suspensão dos processos que tramitem no território nacional e versem sobre a questão.
Honorários por equidade
Vê-se, portanto, que a discussão no Supremo Tribunal Federal versa sobre a possibilidade de afastamento da regra de cálculo prevista no § 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil (escalonamento) para empregar a sistemática da equidade prevista no §8º do artigo 85 do CPC, e não uma terceira forma de cálculo de honorários não prevista legalmente.
E é justamente aqui onde reside o “nó da questão”.
É que, conforme o §8-A do artigo 85, caso sejam fixados honorários por equidade, deve-se levar em consideração a “tabela da OAB” ou o limite mínimo de 10%, aplicando-se o que for maior!
Nos casos de valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda exorbitantes, é óbvio que o limite mínimo de 10% será invariavelmente maior do que a tabela da OAB, o que implicará adoção do limite mínimo de 10%.
Ou seja, a fixação de honorários por apreciação equitativa em causas de valores elevados onerará muito mais o Estado do que a regra de cálculo prevista no § 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil (escalonamento).
Valores irrisórios
Acontece que os magistrados que resistem ao escalonamento do § 3º do artigo 85 do CPC, ao invés de aplicarem a regra legal de equidade em sua plenitude (§ 8º e § 8º-A do artigo 85 do CPC), têm estabelecido honorários de sucumbência em valores irrisórios ao seu livre arbítrio.
O emprego da regra de equidade (§ 8º do artigo 85 do CPC) para causas de valor exorbitante, a partir da elastecida interpretação de que o termo ‘inestimável’ é também sinônimo de ‘exorbitante’, gera discussões no campo dos limites semânticos da interpretação.
Atento a esse dilema, o professor Lênio Streck [1] reproduz uma frase de Humpty Dumpty para Alice: “Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que quero que ela signifique: nem mais, nem menos”.
Admitir, possam os magistrados criarem alternativa de cálculo de honorários não prevista em lei, vai muito além, pois implica atribuir-lhes a função de verdadeiros legisladores, violando frontalmente o princípio constitucional da separação de poderes (artigo 60, §4º, III da CF).
Valores baixos para a Fazenda Pública
Dessa forma, agindo como legisladores, tais magistrados criam outra alternativa não prevista em lei e fixam honorários em valores ínfimos nas causas de valores elevados em que a Fazenda Pública é condenada. É como se inserissem no Código de Processo Civil o seguinte dispositivo:
“Art. 85
§ 8º-B. Alternativamente à regra de cálculo prevista no § 8º-A, o juiz é livre para estabelecer qualquer valor a título de honorários sucumbenciais, quando vencida a Fazenda Pública.”
De forma bastante contraditória, se vê magistrados fixando honorários por equidade quando a Fazenda Pública é condenada em causas de valores elevados, mas mudando o entendimento quando o ente público é vencedor, condenando o particular a honorários com base nas porcentagens do §3º.
Aqui, uma vez mais recorremos aos ensinamentos do professor Lênio Streck [2]: “é possível que o mesmo fato tenha respostas distintas no direito? Não, não é possível que o mesmo fato tenha duas respostas diferentes uma da outra no sistema jurídico”.
Por fim é preciso rememorar que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal na Rcl 67.060, relator ministro André Mendonça, sem declarar a inconstitucionalidade de uma norma, o juiz não pode afastar sua aplicação, sob pena de violar o enunciado da SV nº 10 do STF.
[1] https://www.conjur.com.br/2012-mar-29/senso-incomum-azdak-humpty-dumpty-embargos-declaratorios/
[2] https://www.conjur.com.br/2024-abr-26/e-possivel-que-o-mesmo-fato-tenha-respostas-distintas-no-direito/
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