Opinião

Direito de voto e novas regras da Resolução CVM 204 para companhias abertas

Autor

  • Matheus Melo Eschipio

    é advogado associado das áreas de Societário e Fusões & Aquisições do TN Advogados advogado pós-graduado em Direito dos Negócios e Estruturas Empresariais pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduado pela mesma instituição.

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11 de setembro de 2024, 19h21

Sendo uma das características marcantes das sociedades empresárias, o direito de voto é o caminho pelo qual os acionistas podem tomar decisões não previstas no estatuto social ou delegar aos administradores a autoridade para implementar essas decisões [1].

Divulgação

Todavia, perpetua-se no direto empresarial um problema regulatório decorrente da eventual impossibilidade do acionista exercer tal direito nas companhias investidas [2]. Tomando esse problema como motivação, e considerando os recentes avanços nos aspectos de participação e votação a distância pelos acionistas nas assembleias gerais, principalmente considerando o cenário pandêmico de 2020, a Comissão de Valores Mobiliários, editou no dia 4 de junho de 2024 a Resolução CVM 204, que altera a 81 e apresenta inovações relacionadas as regras das assembleias gerais das companhias abertas.

Portanto é importante analisar as mudanças introduzidas pela nova resolução e seu impacto no exercício de direito de voto pelos acionistas nas companhias abertas, especialmente para determinar se o problema regulatório apontado pela CVM será resolvido ou não.

Voto enquanto direito do acionista

Embora não seja um direito essencial, já que não faz parte do artigo 109 da Lei 6.404/76 (LSA), o direito de voto é um mecanismo muito importante no direito societário. Ele é a instrumentalização do poder de controle da companhia e permite ao acionista participar na formação da vontade da sociedade.

É por meio desse poder político que o acionista pode direcionar e monitorar o destino da companhia em que investe. Inclusive, essa capacidade é o que valoriza a ação, considerando que, economicamente, quem exerce o poder de comando é quem tem o direito de colher os frutos, ou seja, o lucro.

Todavia, mesmo sendo um direito individual, seu uso deve sempre estar alinhado com a vontade coletiva da sociedade para atingir seus objetivos e finalidades [3]. Nesse sentido, importante destacar que existem sanções para decisões de acionistas com caráter exclusivamente individual. E ainda que o direito de voto seja um direito do acionista, a companhia também se beneficia desse direcionamento, pois estabelece limites para a atuação dos seus órgãos diretivos dentro da sociedade.

Por fim, ressalta-se que o exercício do direito de voto pelo acionista não se limita apenas à aprovação ou reprovação dos assuntos constantes na ordem do dia de uma assembleia geral de acionistas.

Na verdade, vai além disso, visto que a manifestação do voto começa com o ingresso e a presença na assembleia, inclui o uso da palavra, a proposição de temas, o registro de protestos, o pedido de informações à mesa ou à administração, e culmina na expressão do voto, seja verbalmente ou por escrito.

Por esse motivo, é considerado uma ferramenta fundamental para assegurar a participação ativa do acionista nos rumos da empresa e garantir que suas opiniões e preocupações sejam ouvidas e consideradas durante o processo decisório ainda que não se confunda com o direito de participação e fiscalização propriamente.

Absenteísmo dos acionistas nas assembleias gerais

Ainda que o direito de voto seja uma ferramenta fundamental para a participação do acionista na sociedade, ele nem sempre é exercido, especialmente pelos acionistas minoritários. O absenteísmo desses acionistas nas assembleias gerais ocorre quando eles concluem que o custo de se manterem informados e participarem das discussões nas assembleias é maior do que o benefício que obteriam com tal comportamento.

Em outras palavras, é mais econômico para esses acionistas ficarem fora das discussões e se absterem de participar, em vez de se empenharem e gastarem tempo e recursos em deslocamento, considerando que sua participação, ou seja, seu poder político na sociedade, não alteraria o resultado das decisões, tendo em vista que em uma sociedade, não é a maioria que conta, mas sim a maior participação.

Spacca

Essa apatia racional, embora sempre estivesse no radar da CVM, visto que foi através da Instrução CVM 481, de 17 de dezembro de 2009 (IN CVM 481) que foi iniciado a possibilidade de participação a distância das assembleias, foi só em 2011 com o pacote de alterações da LSA que de fato se tornou a autoridade responsável por regular a participação e votação à distância de acionistas nas assembleias gerais de companhias abertas, bem como o registro de sua presença nesses eventos.

Após essa atribuição, a primeira ação da CVM sobre essa questão, veio em 2015 com a Instrução CVM 561, de 7 de abril de 2025 (IN CVM 561), que alterou a IN CVM 481, e criou o Boletim de Voto a Distância (BVD) como uma forma de voto e tornou o seu fornecimento obrigatório para alguns tipos de companhias.

Desde então o BVD se mostrou m importante mecanismo contra o absenteísmo, com ampla adesão entre acionistas e que efetivamente reduz substancialmente o custo para votação em assembleias 2.

Outro importante passo na direção do combate ao absenteísmo veio justamente durante a pandemia do Covid-19, através da Instrução CVM 622, de 17 de abril de 2020, que passou a permitir a realização de assembleias digitais, desde que observados os termos da regulamentação CVM. A partir desse momento, além de poder votar a distância, a participação dos acionistas nas assembleias foi ainda mais facilitada.

Mudanças da RES CVM 204

Com base no histórico apresentado, o próximo passo da CVM ao combate do absenteísmo ocasionado pelas externalidades associadas ao processo de participação nas assembleias2, surgiu recentemente com a RES CVM 204, que implementa as seguintes mudanças que passarão a valer em 2025:

1. Boletim de voto a distância

Em regra, o BVD passará a ser de divulgação obrigatória em todas as assembleias, sejam especiais, ordinárias ou extraordinárias, e independentemente das matérias a serem deliberadas.

E ainda que não seja um documento novo para as companhias abertas, a obrigatoriedade na implantação pode ser um desafio para a governança das companhias. Pensando nisso, a RES 204 CVM propõe uma hipótese de exceção à obrigatoriedade de disponibilização do BVD, com os seguintes requisitos cumulativos:

i. Última Assembleia Geral Ordinária (AGO) deve ter sido realizada dentro do prazo legal, ou seja, em até quatro meses após o fim do exercício social da companhia;

ii. Últimas AGO e demais assembleias ocorridas até o momento:

a) A companhia disponibilizou o BVD; e

b) Recebeu por meio dos BVDs disponibilizados votos correspondentes a ações representativas de menos de 0,5% do capital social da companhia.

iii. Até o momento de convocação, não recebeu:

a) Pedido de inclusão de candidatos no Conselho Fiscal (CF) ou no Conselho de Administração (CA);

b) Propostas de inclusões de deliberações

iv. Realizar convocação com no mínimo 30 dias da realização da assembleia, indicando que não disponibilização o BVD;

v. Não tenha ocorrido desde a última AGO uma oferta pública de distribuição de ações (OPA).

Cumprida essas condições o BVD pode deixar de ser divulgado, desde que os acionistas detentores de pelo menos 0,5% do capital social da companhia não apresentem oposição a dispensa da disponibilização do BV.

Nesse caso, tal manifestação deve ser dirigida ao diretor de relações com Investidores em até 25 dias antes da assembleia, e a companhia será obrigada a seguir com a disponibilização do BVD em até 17 dias da sua realização.

2. Cronograma de disponibilização e envio dos BVDs

O BVD deverá ser divulgado aos acionistas pela companhia de acordo com um cronograma específico, sendo:

i. Com até 1 mês de antecedência para:

a) AGO;
b) Assembleia Geral Extraordinária (AGE) que eleger membros para o CF ou CA;
c) Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária (AGOE).

ii. Com até 21 dias antes da das demais assembleias.

Além disso, se houver inclusão de candidatos ao CF ou CA, a reapresentação do boletim deve ocorrer obrigatoriamente 20 dias antes da realização das assembleias que os eleger.

Em todos os casos, os acionistas agora passarão a ter até 4 dias antes da assembleia para enviar o BVD, que pode ser enviado tanto para a companhia, quanto para os prestadores de serviços como custodiante, escriturador ou depositário central das ações, podendo as companhias que disponibilizarem correio eletrônico ou sistema eletrônico para envio do BVD, exigir que esses serão os únicos meios de envio do BVD.

Caso existam propostas de matérias a serem incluídas no BVD, a solicitação somente poderá ser feita conforme percentual específico do capital social (x), sendo:

i. Capital social inferior a R$ 100 milhões, serão no mínimo 5% do capital social;

ii. Capital social entre R$ 100 milhões e R$ 1 bilhão, serão no mínimo 4% do capital social;

iii. Capital social entre R$ 1 bilhão e R$ 5 bilhões, serão no mínimo 3% do capital social;

iv. Capital social entre R$ 5 bilhões e R$ 10 bilhões, serão no mínimo 2% do capital social;

v. Capital social superior a R$ 10 bilhões, serão no mínimo 1% do capital social.

3. Mapas de voto

A companhia passa a ser responsável por divulgar os mapas de voto, e não mais o escriturador. Inclusive, os mapas de voto foram renomeados e tiveram alguns prazos alterados, conforme abaixo:

i. Mapa sintético do depositário central: prazo de 24 horas de antecedência da assembleia;

ii. Mapa sintético do escriturador: prazo de 24 h de antecedência da assembleia;

iii. Mapa sintético dos votos enviados diretamente à companhia: prazo de 24 h de antecedência da assembleia;

iv. Mapa analítico consolidado (isento de divulgação): Prazo até o início da assembleia;

v. Mapa sintético consolidado: prazo até o início da assembleia;

vi. Mapa final de votação resumido: prazo até o dia útil seguinte após a realização da assembleia; e

vii. Mapa final de votação detalhado: prazo de 7 dias úteis após a realização da assembleia.

Ressalta-se que os mapas (i), (ii), e (iii) são dispensáveis caso o mapa (v) seja divulgado em até 24 h antes da assembleia.

4. Conselho fiscal e voto múltiplo

Em regra, os acionistas podem solicitar via BVD a instalação do CF. Todavia, a RES CVM 204 agora obriga que sejam indicados candidatos para compor o órgão, sob pena do pedido ser considerado sem efeito pela companhia.

No mesmo sentido, também ocorre com o voto múltiplo, que caso seja adotado, se tornará sem efeito sem não houver candidatos ao CA além daqueles indicados pela administração ou acionistas controladores.

5. Local da assembleia

Além da realização da assembleia presencial na sede da companhia, será permitido realizar assembleias presenciais em locais físicos acessórios, mesmo que em diferentes municípios, desde que estes locais contem com os recursos tecnológicos necessários para permitir a interação entre os acionistas presentes nos locais acessórios e na sede.

No caso das assembleias digitais, com exceção daquelas realizada de forma exclusivamente digital, o presidente, o secretário da mesa, e um administrador da companhia, devem estar presentes fisicamente no mesmo local de realização da assembleia.

Por fim, com a nova resolução, o modo de realização, seja presencial, híbrido ou exclusivamente digital, deve ser justificado pela companhia, podendo para tanto, utilizar como justificativas fatores como a alta dispersão da base acionária, deliberações sobre matérias potencialmente polêmicas, ou deliberações que exijam coordenação entre diferentes grupos de acionistas.

Conclusão

Historicamente, fatores externos contribuíram para o absenteísmo dos investidores nas assembleias gerais, reduzindo seu papel ativo. Tendo isso em mente, a Resolução CVM 204 é uma inovação necessária que atende aos desafios da governança corporativa em um mercado cada vez mais digital e interconectado. Ao regulamentar a participação e a votação remota, a resolução pretende diminuir os efeitos das externalidades ocasionadoras de barreiras para a participação dos acionistas nas assembleias, buscando simplificar assim o exercício do direito de voto.

Contudo, a análise do impacto real das mudanças introduzidas pela Resolução CVM 204 só poderá ser plenamente avaliada com a entrada em vigor da regulamentação em 2025. Portanto, será crucial monitorar o desenvolvimento e a implementação dessa resolução pelas companhias, assegurando que seu potencial para transformar positivamente a governança e a participação acionária seja plenamente realizado.

 


[1] EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume Dois, 2ª Edição Revista e Ampliada. 2ª tiragem. São Paulo: Quarter Latin, 2018.

[2] COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Análise de Impacto Regulatório da Reforma da Resolução 81. Set. 2023. Rio de Janeiro: 2023. Disponível em: < https://www.gov.br/cvm/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos/2023-estudo-air-resolucaocvm81.pdf/> Acesso em 21 ago. 2024.

[3] BORBA, Gustavo Rabelo Tavares. O Exercício do Direito de Voto na Sociedade Anônima. R. Dir. Proc. Geral. Rio de Janeiro: 2006.

Autores

  • é advogado associado das áreas de Societário e Fusões & Aquisições do TN Advogados, advogado pós-graduado em Direito dos Negócios e Estruturas Empresariais e graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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