Opinião

A licença parental está em julgamento no STF

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11 de setembro de 2024, 15h13

O Supremo Tribunal Federal começou a julgar no dia 6 de setembro (plenário virtual de 6 a 13 de setembro) a primeira das 27 ações [1] diretas propostas pela Procuradoria-Geral da República, no período em que a subprocuradora-geral Elizeta Maria de Paiva Ramos exerceu o cargo de PGR, em que se pede ao Supremo a unificação de sua jurisprudência sobre prazos de licença parental, de modo a conferir eficácia geral e efeito vinculante também na esfera federal quanto na esfera estadual.

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Não se trata nem de ampliação [2] da licença paternidade [3], pendente de regulamentação pelo Congresso [4], nem do estabelecimento da chamada licença universal [5], em que ambos os genitores gozam de 180 dias de licença remunerada. As ações da PGR buscam assegurar, com base na jurisprudência constitucional já fixada, a uniformidade de tratamento entre os servidores e servidoras da federação, de modo a reconhecer que:

  1. toda criança, ao nascer ou ao ser adotada, tenha um/uma responsável que possa cuidar dela pelo prazo de 180 dias, sem prejuízo de sua remuneração;

  2. o casal responsável por uma criança, quer heteroafetivo ou homoafetivo, ao estabelecer o vínculo de filiação biológica ou adotiva, possa compartilhar a licença parental de 180 dias, reconhecendo a liberdade do planejamento familiar e a igualdade de gênero, desde que a genitora assim o deseje.

Segundo a PGR, as decisões do STF sobre licença parental foram dadas, em ações de controle difuso ou concentrado, a partir da análise da legislação laboral ou dos dispositivos legais que tratam dos servidores públicos federais, civis e militares, da União. Dessa forma, tais precedentes não vinculam os estados em relação aos seus servidores civis e militares, pelo menos não de modo a permitir o ajuizamento de reclamação constitucional.

Melhor interesse da criança

Assim, apesar da disparidade de regimes de licença parental previstos na legislação brasileira, entende a procuradora-geral da República que a jurisprudência do Supremo aponta parâmetros que permitem buscar a uniformização da matéria, tendo em vista os princípios constitucionais da igualdade de gênero, da igualdade entre a filiação biológica e adotiva, da proteção integral, da prioridade e do melhor interesse da criança.

O pedido de reconhecimento de uma licença parental de 180 dias a pelo menos um dos genitores responsáveis pela criança, quer seja ele/ela solteiro, viúvo, companheiro ou casado, independentemente do vínculo biológico ou adotivo, e independentemente da orientação sexual do casal, baseia-se nas decisões proferidas pelo STF, em controle difuso ou concentrado, que examinaram a legislação trabalhista ou o regime jurídico dos servidores públicos, civis ou militares, da União, a saber:

  1. RE 77889, Tema 782 da RG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso e ADI 6603, Rel. Min. Rosa Weber: que estabelece que os prazos de licença-maternidade das servidoras gestantes e adotantes não podem ser diferentes;

  2. RE 1348854, Tema 1182 da RG, Rel. Min. Alexandre de Moares: que reconhece direito ao genitor, em família monoparental, o direito à licença-maternidade quando do nascimento de filho biológico;

  3. RE 1211446, Tema 1072, Rel. Min. Luiz Fux: que reconhece à servidora não gestante, em união homoafetiva, direito à licença-maternidade quando a companheira ou esposa gestante não tiver direito à licença.

Os recentes precedentes permitem concluir que o Supremo superou o precedente do RE 197.807, da 1ª Turma, de relatoria do ministro Octavio Galloti, julgado em 18 de agosto de 2000, que pressupunha a condição de gestante para que a servidora/empregada usufruísse da licença-maternidade. Como consta da petição inicial da ADI 7.518, “a leitura individualista da licença-maternidade como um direito de cunho exclusivamente biológico, justificado tão somente na recuperação da mulher após o parto, encontra-se ultrapassada”.

Direito de compartilhamento da licença parental

Por outro lado, a PGR busca, ainda, a aplicação igualitária do princípio do melhor interesse da criança, da proteção integral e da absoluta prioridade, ao pedir que se aplique às legislações estaduais as teses firmadas pelo STF no Tema 542 e na ADI 6327.

O STF, no Tema 542 (RE 842844), de relatoria do ministro Luiz Fux, reconheceu à trabalhadora gestante, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupante de cargo em comissão ou contratada por tempo determinado, o direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória.

Spacca

Já na ADI 6327, de relatoria do ministro Edson Fachin, a Corte determinou que o marco inicial da licença-maternidade e do salário-maternidade é a alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último, dando interpretação conforme ao artigo 392, parágrafo 1º, da CLT e ao artigo 71 da Lei Federal 8.213.

Além de pedir a aplicação da jurisprudência acima mencionada às legislações estaduais, a procuradora-geral da República requer que a Corte reconheça o direito de compartilhamento da licença parental de 180 dias pelo casal, independentemente do caráter biológico ou adotivo da filiação, respeitada a vontade da genitora, de modo a permitir que o planejamento familiar seja exercido com liberdade e igualdade pelo casal, como forma de evolução de sua jurisprudência.

Licença em Portugal

O compartilhamento da licença parental é previsto, por exemplo, no ordenamento jurídico português. Em Portugal, após o nascimento ou adoção de uma criança, os genitores têm direito à uma licença parental, paga pela Seguridade Social, dividida em dois tipos: inicial e alargada.

A licença parental inicial dura 120 ou 150 dias, incluindo as licenças parentais exclusivas da mãe e do pai, podendo somar-se mais 30 dias, no caso da licença partilhada entre os genitores, quando a mãe e o pai escolhem partilhar a licença inicial de forma exclusiva, sem ser ao mesmo tempo, ou quando forem gêmeos, somando 30 dias a mais para cada gêmeo além do primeiro.

A licença parental alargada tem que ser seguida à licença parental inicial e permite que os genitores recebam até três meses, sendo que nesse caso a Segurança Social paga um subsídio de 25% da remuneração de referência ou 40%, no caso de partilha das responsabilidades parentais. [6]

No Brasil, a Lei 14.457/2022, que institui o Programa Emprega + Mulheres, destinado à inserção e manutenção de mulheres no mercado de trabalho por meio de medidas de “apoio à parentalidade na primeira infância” e “apoio à parentalidade por meio da flexibilização do regime de trabalho”, entre outras medidas, alterou a Lei 11.770/2008, que criou o programa Empresa Cidadã, destinado a permitir a prorrogação da duração da licença-maternidade em 60 dias e da licença-paternidade em 15 dias, mediante concessão de incentivo fiscal.

A Lei 14.457/2022 alterou a redação do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei 11.770/2008, possibilitando o compartilhamento da prorrogação de 60 dias entre o casal [7]. O artigo 2º da Lei 11.770, ainda, autoriza que a administração pública, direta, indireta e fundacional, institua programa que garanta a prorrogação da licença-maternidade para suas servidoras, nos termos do que prevê o artigo 1º.

Defesa do direito das mulheres

Embora não se trate propriamente de compartilhamento, a CLT prevê aos empregados, nos termos do artigos 392-B e 392-C, em caso de morte da genitora, o direito ao gozo de licença por todo o período da licença-maternidade ou pelo tempo restante a que teria direito a mãe biológica ou por adoção.

Nas ADIs propostas pela PGR, sustenta-se que “a possibilidade de partilha do período de licença parental com base na liberdade de decisão sobre o planejamento familiar não só estimula uma maior participação de mulher na sociedade, em igualdade de condições com o homem, como contribui para a melhor repartição de responsabilidades no seio familiar, evitando que a mulher sofra discriminações em decorrência da maternidade” (ADI 7.518, p. 17).

Dessa forma, as ações propostas representam importante forma de defesa tanto dos direitos das mulheres, de modo a diminuir o preconceito de gênero no mercado de trabalho, inclusive no serviço público, como das crianças, e em especial na primeira infância, garantindo que recebam o cuidado integral de um responsável, independentemente do gênero e orientação sexual do genitor, da filiação biológica ou afetiva e de sua idade.

O STF começará a examinar essas ações pela ADI 7518, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, cujo julgamento virtual iniciou no dia 6 de setembro, com término previsto para o dia 13 de setembro.

Exemplo no Espírito Santo

Na ADI 7518, a PGR busca conferir interpretação conforme aos artigos 137, caput [8], e 139, parágrafo único [9], da Lei Complementar 46, de 31 de janeiro de 1994, que dispõe sobre o Regime Jurídico Único dos servidores públicos civis do Espírito Santo, na redação dada pela Lei Complementar nº 938, de 9 de janeiro de 2020; e aos artigos 3º, caput [10], e 4º, parágrafo único [11], da Lei Complementar 855, de 15, 5, 2017, que reconhecem 180 dias de licença remunerada para a servidora pública gestante, civil ou militar, e 180 dias licença remunerada para o servidor ou a servidora, civil ou militar, que adotar ou obtiver guarda judicial de criança.

Caso a adoção ou guarda judicial for concedida a um casal, se ambos forem servidores públicos, apenas um dos servidores terá direito à licença de 180 dias.

Apesar de a legislação do Espírito Santo não divergir muito da legislação federal na matéria, a PGR busca reconhecer, com base na aplicação da jurisprudência referida, um tratamento uniforme e igualitário que:

  1. Servidoras, civis e militares, mesmo que ocupantes de cargo em comissão ou contratadas por tempo determinado, tenham reconhecido o direito à licença-maternidade de 180 dias prevista pela legislação estadual;

  2. A licença-maternidade começará a contar da data da alta hospitalar do recém-nascido ou da gestante, o que ocorrer por último;

  3. O pai solo (família monoparental), quer em razão de viuvez, adoção ou reprodução humana assistida, tem direito a usufruir da licença de 180 dias, em prol do melhor interesse da criança;

  4. Em caso de casal, o genitor servidor público, independente do gênero ou orientação sexual, tenha direito a usufruir da licença de 180 dias caso a genitora gestante não tenha direito à licença.

Visibilidade na proteção às crianças

Ainda, ao pedir interpretação conforme ao parágrafo único do artigo 139 da Lei 46/94 e ao parágrafo único do artigo 4º da LC 855/2017, pretende ver reconhecido o direito ao compartilhamento dessa licença parental de 180 dias, de modo a concretizar a igualdade de gênero e a liberdade do casal no planejamento familiar, sempre com base no melhor interesse da criança.

O ministro Gilmar Mendes, no entanto, apresentou voto pela parcial procedência da ação, reconhecendo aos servidores do Espirito Santo, apenas, a aplicação das teses já fixadas pelo Supremo. Em relação aos demais pedidos, Gilmar entende haver necessidade de previsão legal, sendo a matéria sujeita à conformação legislativa. Até o momento, seu voto foi acompanhado pelo ministro Flávio Dino.

Independentemente de o STF reconhecer ou não a possibilidade do compartilhamento da licença parental, o tão-só-fato de a matéria estar em julgamento na Corte é de suma importante, pois dá visibilidade a uma forma alternativa de proteção das crianças, especialmente na primeira infância, ao mesmo tempo que se coloca como hipótese menos custosa de divisão da responsabilidade parental entre homens e mulheres, de modo a não recair exclusivamente sobre a mulher a pecha de se ausentar do mercado de trabalho para cuidar da prole.

 


[1] ADI 7517 (Goiás), Rel. Min. Luiz Fux; ADI 7518 (Espírito Santo), Rel. Min. Gilmar Mendes; ADI 7519 (Acre), Rel. Min. Cármen Lúcia; ADI 7520 (Roraima), Rel. Min. Dias Toffoli; ADI 7521 (Tocantins), Rel. Min. Edson Fachin; ADI 7522 (São Paulo), Min. Nunes Marques; ADI 7523 (Sergipe), Rel. Min. Edson Fachin; ADI 7524 (Santa Catarina), Rel. Min. Nunes Marques; ADI 7525 (Mato Grosso), Rel. Min. Edson Fachin; ADI 7526 (Mato Grosso do Sul), Rel. Min. Cármen Lúcia; ADI 7527 (Maranhão), Rel. Min. Cristiano Zanin; ADI 7528 (Paraná), Rel. Min. Dias Toffoli; ADI 7529 (Pernambuco), Rel. Min. Cristiano Zanin; ADI 7530 (Paraíba), Rel. Min. Alexandre de Moraes; ADI 7531 (Pará), Rel. Min. Nunes Marques; ADI 7532 (Minas Gerais), Rel. Min. André Mendonça; ADI 7533 (Piauí), Rel. Min. Cármen Lúcia; ADI 7534 (Rondônia), Rel. Min. Luiz Fux); ADI 7535 (Rio Grande do Sul), Rel. Min. Nunes Marques; ADI 7536 (Rio Grande do Norte), Rel. Min. Cristiano Zanin; ADI 7537 (Rio de Janeiro), Rel. Min. André Mendonça; ADI 7538 (Distrito Federal), Rel. Min. Cármen Lúcia; ADI 7539 (Ceará), Rel. Min. Luiz Fux; ADI 7540 (Amazonas), Rel. Min. Luiz Fux; ADI 7541 (Bahia), Rel. Min. Cármen Lúcia; ADI 7542 (Alagoas), Rel. Min. Dias Toffoli; e ADI 7543 (Amapá), Rel. Min. Dias Toffoli.

[2] PL 3.773/2023, aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e em análise na CCJ do Senado aumenta de 05 para 60 dais, de maneira gradual, a licença-paternidade, conferindo aos empregados que se tornarem pais o direito a estabilidade no emprego pelo prazo de 1 mês.

[3] Art. 7º., XIX, da Constituição Federal: “licença-paternidade, nos termos fixados em lei”. Art. 10,  § 1º do Atos das Disposições Constitucionais Transitórias: “Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º., XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.

[4] ADO 20, relator Ministro Marco Aurélio, redator para o acórdão Ministro Edson Fachin, julgada em 13 de dezembro de 2023. Por maioria, o STF reconheceu a omissão inconstitucional do Legislativo na regulamentação do direito à licença-paternidade assegurado pela Constituição. Por maioria, fixou o prazo de 18 meses para o Congresso legislar a respeito da matéria.

[5] A licença parental universal reconhece igual prazo, a ambos os genitores, independentemente do gênero e da orientação sexual, tanto para filiação biológica quanto para filiação adotiva, prazo de licença remunerada para cuidar do filho recém-chegado. O grupo Boticário, por exemplo, desde 2021 oferece licença remunerada de 120 dias homens (cis e trans), casais homoafetivos e genitores que estabeleçam filiação não biológica, e 180 dias para mães e pessoas que gestam. O Grupo se uniu à outras empresas para a criação do Guia de Boas Práticas para a Implementação da Licença Parental em Empresas (https://www.grupoboticario.com.br/licenca-parental-universal/). No Congresso, tramita o PL 1.974/21, que reconhece o direito à licença parental de 180 dias para cada pessoa de referência da criança, limitada ao máximo de duas. Para um aprofundamento sobre o tema, conferir: ALMEIDA, Diego Costa; OLIVEIRA, Danielle Reis de. Licença parental universal: um caminho para igualdade familiar e de gênero. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-set-16/almeidae-oliveira-licenca-parental-universal-caminho/.

[6] Para maior aprofundamento, conferir: https://eportugal.gov.pt/guias/ter-uma-crianca/licenca-parental#:~:text=Licen%C3%A7a%20parental%20exclusiva%20do%20pai,-O%20pai%20tem&text=Os%20primeiros%207%20dias%20s%C3%A3o,mesmo%20tempo%20com%20a%20m%C3%A3e.

[7] Art. 1º. É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar:

I – por 60 (sessenta) dias a duração da licença-maternidade prevista no inciso XVIII do caput do art. 7º. da Constituição Federal;

II – por 15 (quinze) dias a duração da licença-paternidade, nos termos desta Lei, além dos 5 (cinco) dias estabelecidos no §  1º do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (…)

§ 3º. A prorrogação de que trata o inciso I do caput deste artigo poderá ser compartilhada entre a empregada e o empregado requerente, desde que ambos sejam empregados de pessoa jurídica aderente ao Programa e que a decisão seja adotada conjuntamente, na forma estabelecida em regulamento.

[8] Art. 137. Será concedida licença remunerada à servidora pública gestante por 180 (cento e oitenta) dias consecutivos, mediante apresentação de laudo médico e de certidão de nascimento da criança ao órgão de origem, sem prejuízo da remuneração.

[9] Art. 139. Aos servidores públicos que adotarem ou obtiverem a guarda judicial de criança serão concedidos 180 (cento e oitenta) dias de licença remunerada, para ajustamento do adotado ao novo lar.

Parágrafo único. Quando ocorrer a adoção ou guarda judicial por casal, em que ambos sejam servidores públicos, somente um servidor terá direito à licença.

[10] Art. 3º. Será concedida licença remunerada às servidoras gestantes da Polícia Militar do Espírito Santo e do Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo, por 180 (cento e oitenta) dias consecutivos, mediante inspeção médica, sem prejuízo da remuneração.

Parágrafo único. O período de afastamento das servidoras gestantes, nos termos do caput deste artigo, será considerado como de efetivo exercício para fins de cumprimento do estágio probatório de promoção na carreira.

[11] Art. 4º. Aos servidores da Polícia Militar do Espírito Santo e do Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo que adotarem ou obtiverem a guarda judicial de criança serão concedidos 180 (cento e oitenta) dias de licença remunerada, para ajustamento do adotado ao novo lar.

Parágrafo único. Quando ocorrer a adoção ou guarda judicial por casal, em que ambos sejam militares ou um seja servidor civil, somente um deles terá direito à licença.

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