Opinião

Acordos de leniência e sanções reputacionais

Autor

  • Rafael Tonicelli

    é mestre em Direito pela Harvard Law School e mestre em Engenharia Elétrica Summa cum Laude pela Universidade de Brasília recipiente do Dean Scholar's Prize pela Harvard Law School e auditor federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União (CGU).

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9 de setembro de 2024, 16h17

O estudo da utilização de sanções como mecanismos de dissuasão de práticas ilícitas constitui um tema de grande importância para nossa sociedade. Este tipo de iniciativa tem sua gênese com os pensadores Cesare Beccaria e Jeremy Bentham no século 18 e, após um longo hiato, renasce apenas no século 20 com a publicação do artigo Crime and Punishment: An Economic Approach [1] por Gary Becker [2], vencedor do Prêmio Nobel de Economia, em 1968.

Seguindo a metodologia do movimento Law and Economics [3], neste breve ensaio, pretendo discorrer sobre o valor das sanções reputacionais estabelecidas na Lei Anticorrupção (LAC ou Lei N° 12.846/2013). Nesta concisa exposição, pretendo demonstrar que as sanções reputacionais representam mecanismos eficientes na obtenção de dissuasão pelas autoridades públicas.

Consequentemente, tais sanções servem como incentivo à adesão de empresas infratoras ao programa de leniência anticorrupção [4].  Com este breve artigo, espero estimular o estudo destes interessantes mecanismos por aqueles envolvidos no estudo e desenvolvimento do Direito Administrativo Sancionador no Brasil.

Sanções podem ser de dois tipos principais: monetárias e não monetárias

As sanções monetárias (ex: multas), geralmente, possuem baixo custo de implementação e baixo custo social. Constituem apenas uma transferência de poder sobre recursos financeiros, que passaria da pessoa do infrator para o Estado.

De forma contrária, as sanções não monetárias, na maioria das vezes, trazem um alto custo para o Estado e para a sociedade. Na literatura especializada, o exemplo mais citado é o encarceramento. O Estado tem que arcar com a construção e manutenção de presídios; contratar pessoal e administrar o complexo sistema carcerário.

Adicionalmente, o indivíduo encarcerado não poderá desempenhar atividades economicamente produtivas durante a pena e sofrerá o estigma social. Desse modo, em razão da alta desutilidade (do inglês, disutility) produzida, aconselha-se que as sanções não monetárias sejam aplicadas apenas de forma subsidiária pelas autoridades públicas [5].

A Lei Anticorrupção criou um sistema sancionador voltado exclusivamente a pessoas jurídicas. A lei estabelece sanções monetárias (como a multa) e sanções não monetárias (como a publicação extraordinária da decisão condenatória, a declaração de inidoneidade e a dissolução compulsória).

Spacca

Tomando-se a dissolução compulsória como exemplo, não é difícil demonstrar seus altos custos sociais. Trata-se de sanção com objetivos de incapacitação e dissuasão. Quando uma empresa é dissolvida, deixa de existir no mundo jurídico e no mundo econômico (mercado). Consequentemente, perdem-se postos de trabalho, geração de receitas, fornecimento de produtos e serviços, recolhimento de impostos, entre outros efeitos.

Ademais, se a empresa punida for de uma área estratégica ou com poucos players de mercado, haverá impactos negativos para o setor. Suponha a existência de um mercado altamente especializado com apenas dois players, e que um tenha sido punido com a dissolução compulsória.

Nestas circunstâncias, elimina-se a competitividade do setor e o Estado se encontrará obrigado a contratar produtos ou serviços de somente um único fornecedor. Em outras palavras, dependendo do caso concreto, o Estado incorrerá em altos custos diretos ao aplicar esta sanção.

As sanções reputacionais também pertencem à classe das sanções não monetárias. No entanto, ao contrário de sanções voltadas à incapacitação do ofensor, possuem custos menores, como será demonstrado a seguir.

A publicação extraordinária da decisão condenatória constitui um exemplo de sanção reputacional, pois incide diretamente sobre a credibilidade da pessoa jurídica, tornando amplamente público o ilícito cometido pela empresa.

Enquanto a declaração de inidoneidade envolve proibir determinada empresa de contratar com o poder público e a dissolução compulsória envolve a remoção de uma empresa do mercado, a publicação extraordinária envolve um processo menos custoso: a publicização do ilícito cometido. Seus custos de implementação e sociais são reduzidos.

Além disso, a publicação gera consequências graves para a empresa punida. A título de ilustração, no caso de uma empresa de capital aberto, poderá ocorrer a desvalorização de suas ações na bolsa de valores, perda de valor de mercado, escassez de crédito e de investimentos externos.

Opção pela leniência

Conclui-se, a partir da análise precedente, que a publicação extraordinária possui elevada efetividade, pois gera alta desutilidade para o ofensor a custos reduzidos para o Estado e para a sociedade. Por ser uma penalidade altamente indesejada pelas pessoas jurídicas, espera-se que a evitem ao máximo. Em caso de detecção de ilícito punível pela LAC, uma forma de evitar tal sanção é a celebração de acordo de leniência com o poder público.

Ao celebrar um acordo de leniência, a pessoa jurídica isenta-se da penalidade de publicação da decisão. Ademais, ao celebrar o acordo, a empresa figurará como uma colaboradora do Estado, que tomou as devidas providências para mitigar práticas ilícitas perpetradas por seus colaboradores. Espera-se que o acordo seja interpretado como um sinal de que a empresa agiu com boa-fé e não compactua com práticas ilícitas.

Muitas vezes, os acordos vêm acompanhados de medidas de monitoramento e recomendações de integridade pelo Poder Público. Logo, além do valor reabilitativo, o programa de leniência possui a capacidade de prover confiabilidade à empresa. Ninguém espera que uma empresa que colabora com o Poder Público e se encontra em monitoramento infrinja a Lei.

Ante o exposto, constata-se, de forma prática, que: (1) as sanções reputacionais possuem baixo custo direto de implementação; (2) se caracterizam pelo alto poder dissuasório; e (3) servem de incentivo à colaboração de empresas infratoras com o Estado por meio de programas de leniência.

 


[1] BECKER, Gary S. Crime and Punishment: An Economic Approach. Journal of Political Economy, 76, n. 2, p. 169-217, mar. 1968.

[2] NOBEL FOUNDATION. Gary Becker Biographical. Disponível em: < https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1992/becker/biographical/>. Acesso em 01 set. 2024

[3] HOVENKAMP, Herbert. Coase, Institutionalism, and the Origins of Law and Economics. University of Iowa Legal Studies Research Paper, n. 10-07, fev., 2010, p. 3.

[4] CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Acordo de Leniência. Disponível em: < https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/integridade-privada/acordo-leniencia>. Acesso em: 01 set. 2024.

[5] SHAVELL, Steve. Economic Analysis of Law. Harvard University Press: Cambridge, 2000.

Autores

  • é mestre em Direito pela Harvard Law School e mestre em Engenharia Elétrica, Summa cum Laude, pela Universidade de Brasília, recipiente do Dean Scholar's Prize pela Harvard Law School e auditor federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União (CGU).

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