Opinião

Planejamento matrimonial e stock options: atenção redobrada para prevenir conflitos

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8 de setembro de 2024, 11h21

Os planos de opção de compra de participações societárias, também conhecidos como planos de stock options, surgiram nos Estados Unidos na década de 1950 como um benefício oferecido pelas empresas aos seus executivos, colaboradores-chave ou prestadores de serviço relevantes. Esses planos buscavam incentivar o alinhamento de interesses entre a empresa e seus agentes, bem como reter talentos através da valorização da empresa e bonificação dos beneficiários¹.

No Brasil, embora a primeira referência a este instituto tenha sido prevista no artigo 48² da Lei de Mercado de Capitais (Lei nº 4.728/1965), a adoção dos planos de stock options se popularizou a partir da década de 1980, após advento da Lei das S.A. (Lei nº 6.404/76). O artigo 168, §3º, da Lei das S.A.³ prevê a possibilidade de a companhia outorgar opção de compra de ações a administradores, empregados e prestadores de serviço da companhia, desde que observados os requisitos legais.

Em termos práticos, os contratos decorrentes do plano previamente aprovado pelos órgãos da sociedade consistem em instrumentos pelos quais a empresa outorga a certas pessoas a ela vinculadas o direito de adquirir, a título gratuito ou oneroso, participação societária a preços e condições geralmente mais benéficos do que os de mercado.

A aquisição dessa participação, quando do exercício da opção, poderá ocorrer por meio de subscrição de novas participações societárias ou compra de participações já existentes, como ações mantidas em tesouraria.

Com a popularização dos planos de stock options no Brasil, especialmente entre companhias de capital fechado de menor porte e sociedades empresárias limitadas, surgiram debates sobre a aplicabilidade do instituto frente às legislações trabalhistas, previdenciárias e tributárias.

Recentemente, essas discussões têm se expandido para o direito de família, principalmente em relação à inclusão das stock options na partilha de bens em vida, justificando a necessidade de um planejamento matrimonial.

Comunhão parcial de bens

A definição da natureza jurídica das opções de compra de participações societárias é de extrema relevância para compreensão de sua comunicabilidade no regime de comunhão parcial de bens, uma vez que este é adotado como regime padrão no ordenamento brasileiro atualmente. O debate sobre a natureza remuneratória (trabalhista) ou mercantil das stock options é antigo e controverso na doutrina, tendo em vista a inexistência de legislação específica sobre o tema.

Na perspectiva trabalhista, a opção de compra poderá ser considerada de natureza remuneratória quando:

  • (i) servir como contraprestação ou retribuição concedida ao colaborador ou executivo em razão de serviços prestados à sociedade;
  • (ii) não houver voluntariedade na adesão pelo colaborador;
  • (iii) for adquirida sem custo ou a preço irrisório;
  • (iv) não houver risco de mercado sobre a oscilação das ações (ou houver risco mínimo); e
  • (v) estiver condicionada à performance individual do empregado.

Por outro lado, a opção de compra poderá ser considerada de natureza mercantil se:

  • (i) a adesão ao plano de compra de ações for voluntária pelo colaborador;
  • (ii) as ações forem adquiridas de forma onerosa, a preços razoáveis e justificáveis;
  • (iii) o plano não eliminar ou neutralizar o risco de mercado; e
  • (iv) a performance estiver atrelada ao desempenho da empresa como um todo, e não ao desempenho individual.

Portanto, a estruturação de um plano de stock option em conformidade com estes critérios poderá fortalecer a interpretação da opção com base em determinada natureza, afastando as demais interpretações.

Contrato de trabalho

Devido à grande divergência na jurisprudência, a 1ª Seção do STJ, em julgamento sob relatoria do ministro Sérgio Kukina, proferiu no final de 2023 decisão de afetação no REsp nº 2.069.644/SP, delimitando a matéria controvertida em “definir a natureza jurídica dos planos de opção de compra de ações de companhias por executivos (stock option plan), se atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comercial, para determinar a alíquota aplicável do imposto de renda e o momento de incidência do tributo”.

Paralelamente, o Projeto de Lei nº 2.724/2022, de iniciativa do senador Carlos Portinho (PL), em tramitação na Câmara dos Deputados, visa a regular o marco legal do Stock Options e pôr fim ao impasse que vem se prolongando ao estabelecer que a opção de compra terá natureza mercantil e que não se incorporará ao contrato de trabalho4.

Spacca

A controvérsia sobre a natureza das stock options torna-se de extrema relevância no direito de família, pois a caracterização do plano traz consequências diretas sobre a comunicabilidade das participações societárias na partilha intervivos, como nos casos envolvendo divórcio ou dissolução de união estável.

Como referido anteriormente, a ausência de pactuação de regime de bens diverso acarreta a aplicação do regime de comunhão parcial de bens aos casamentos e uniões estáveis5. No regime de comunhão parcial de bens, os artigos 1.659 e 1.660 do Código Civil indicam os bens incomunicáveis e comunicáveis entre os cônjuges.

Dentre os bens incomunicáveis, encontram-se os “proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge” (artigo 1.659, VI, do Código Civil), enquanto são por comunicáveis, dentre outros, “os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges” (artigo 1.660, I, do Código Civil).

Ações incomunicáveis para divórcio

Assim, se consideradas de natureza remuneratória, as opções de compra de participações societárias outorgadas e exercidas na vigência do relacionamento podem ser consideradas proventos do trabalho pessoal do cônjuge. Portanto, seriam incomunicáveis para efeitos de divórcio.

Cabe destacar, no entanto, que o tratamento da questão não é uníssono na jurisprudência, tendo em vista a dificuldade de se precisar o momento exato em que os valores deixam de ser proventos do trabalho e passam a ser bens comuns, destinados a atender às necessidades do lar conjugal, como já reconhecido pelo STJ6. Também é importante distinguir as participações societárias de seus rendimentos, como dividendos ou bonificações, os quais são comunicáveis, por força do artigo 1.660, V, do Código Civil, ainda que as participações societárias das quais eles se originam correspondam a bens particulares.

Além disso, há situações em que, juntamente do exercício da opção de compra, há a alienação das participações pelo titular, com utilização dos recursos para aquisição de bem em benefício do casal, favorecendo o reconhecimento da comunicabilidade do respectivo valor. Por outro lado, quando as participações societárias são transferidas ao beneficiário, permanecendo este como único titular, sem utilizá-las para atender às necessidades do casal, a natureza e a destinação dos proventos ficam evidentes, sendo possível sua caracterização como bem particular.

Noutro sentido, caso as participações tenham natureza mercantil, há uma tendência maior para que sejam consideradas comunicáveis e, portanto, partilháveis em casos de divórcio, dependendo tal conclusão da análise das peculiaridades da relação.

Debate em torno de compra não exercida

Ademais, apesar da doutrina e jurisprudência escassa reconhecerem a possibilidade de partilha das stock options exercidas, ou seja, incorporadas ao patrimônio do beneficiário, a depender dos requisitos acima expostos, o debate torna-se mais complexo em relação ao tratamento das opções de compra ainda não exercidas pelo beneficiário.

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Em resposta a esta pergunta, a doutrina tem construído o entendimento de que a adesão ao plano de stock options não confere, por si só, a propriedade das participações societárias ao beneficiário, mas sim lhe atribui expectativa de direito que poderá ou não se materializar ao final do período de carência (vesting) e/ou caso atendidas determinadas métricas.

Somente com a verificação destes requisitos é que surgirá em favor do beneficiário o direito de comprar ou subscrever as participações societárias da sociedade, sendo esta uma faculdade, e não obrigação7.

Em complemento, defende parte da doutrina que a outorga de opção de compra possui caráter personalíssimo, a fim de estimular o trabalho de determinados administradores, colaboradores ou prestadores de serviço da sociedade, tendo como consequência sua intransferibilidade, ressalvados os casos de sucessão universal8. Em outras palavras, enquanto não incorporado ao patrimônio do cônjuge, não há bem a ser objeto de partilha em vida.

Patrimônio comum no casamento

Exemplificativamente, a 13ª Câmara de Direito Privado do TJ-RJ, no julgamento da Apelação Cível nº 0047493-43.2020.8.19.0203, entendeu que seriam partilháveis os direitos adquiridos após o cumprimento do prazo de carência e demais condições ajustadas entre as partes. No caso, foi reconhecido o direito à partilha de um dos lotes de ações exercidas pelo beneficiário tendo em vista que o direito à aquisição já existia durante o casamento. Porém, o outro lote, cujo vencimento ocorreria apenas no ano seguinte à separação do casal, foi reconhecido como incomunicável9.

A jurisprudência tem, portanto, construído um entendimento de que, independentemente da natureza remuneratória ou mercantil das stock options, os direitos adquiridos durante o relacionamento, mesmo que não exercidos, integram o patrimônio comum e devem ser partilhados. Por outro lado, expectativas de direito que não se concretizaram durante o relacionamento tendem a ser consideradas não partilháveis.

Nesse cenário, a reflexão pelo casal acerca do regime de bens que será aplicável ao relacionamento revela-se importante. Não havendo qualquer tipo de definição e não sendo o caso de aplicação do regime da separação obrigatória de bens, o regime incidente será, como já destacado, o da comunhão parcial.

Tal regime traz consigo as incertezas vinculadas ao tratamento que será conferido às stock options em caso de término do relacionamento conjugal. Existem, no entanto, alternativas aos casais que desejam, por exemplo, estabelecer desde logo a incomunicabilidade desses bens e direitos, possibilitando-se a escolha de regime de bens diverso da comunhão parcial por meio da elaboração de um contrato de convivência (nas uniões estáveis) ou de um pacto antenupcial (nos casamentos).

Resta claro que a definição da natureza das stock options é crucial para evitar inseguranças jurídicas, tanto no âmbito empresarial quanto no direito de família. Além da necessidade de a legislação trazer clareza e uniformidade a uma questão atualmente controversa, é essencial que esta pauta seja enfrentada dentro de um planejamento matrimonial, a partir da análise da realidade e dos desejos de cada casal, possibilitando a organização do patrimônio familiar e minimizando eventuais conflitos.

Autores

  • é advogada da área de Direito de Família e Sucessões do escritório Silveiro Advogados, mestre em Direito Privado pela UFRGS e doutoranda em Direito Processual Civil pela USP.

  • é advogado das áreas de Direito Societário, Organização Patrimonial e M&A e Private Equity do escritório Silveiro Advogados e graduado em Direito pela UFRGS com Láurea Acadêmica.

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