Opinião

Cresce número de processos de demissão por discriminação

Autor

  • Vitor Araruna Carvalho

    é advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 13ª Região (Esmat-13) e em Processo Civil pela Escola Superior da Advocacia (ESA-PB) sócio do Pimentel Advocacia.

    Ver todos os posts

8 de setembro de 2024, 7h03

Nos últimos anos, observou-se um aumento significativo no número de ações judiciais movidas por trabalhadores demitidos em decorrência de discriminação dentro das empresas no Brasil. Para compreender as razões desse crescimento, é importante conhecer o conceito de dispensa discriminatória e o cenário social de nosso país.

Agência Brasil

A dispensa discriminatória ocorre quando um empregado é demitido por razões que não estão relacionadas ao seu desempenho profissional ou a critérios objetivos, mas sim a características pessoais que são alvo de preconceito ou discriminação. Esses motivos podem incluir idade, gênero, raça, orientação sexual, deficiência, condição de saúde (como doenças crônicas), religião, entre outros.

A Súmula nº 443 do TST (Tribunal Superior do Trabalho) estabelece que é presumida como discriminatória a demissão de empregados portadores de HIV ou de outras doenças graves que possam gerar estigma ou preconceito:

“DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. Observação: Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012”.

Entretanto, a interpretação da expressão “outra doença grave que suscite estigma ou preconceito” apresenta desafios. Não há uma lista exata de quais doenças se enquadram nessa categoria, o que gera incertezas para trabalhadores, empregadores e juízes, levando a decisões baseadas na necessidade da análise de cada caso concreto.

Com base nesse entendimento, tais demissões são consideradas inválidas, conferindo ao trabalhador o direito à reintegração ao emprego. A Súmula nº 443 do TST foi publicada em 2012 e reflete a necessidade de proteger juridicamente trabalhadores vulneráveis que sofrem discriminação injusta por parte de seus empregadores.

Lista é extensa

Mas não apenas questões relacionadas a doenças graves são alvos de discriminação. O rol discriminatório é muito mais amplo, e pode ser elucidado também de forma conceitual e meramente exemplificativa através do artigo 1º da Lei n. 9.029/1995:

“É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal”.

Portanto, o rol de possibilidades de discriminação é muito amplo no atual contexto social do Brasil e do mundo. Podemos chegar a alguns exemplos de dispensa discriminatória como demissões por gênero, em que um funcionário é dispensado por ser homem ou mulher; por idade, quando o trabalhador é considerado muito jovem ou velho demais; por raça ou etnia, refletindo preconceitos raciais; por religião, devido a crenças religiosas; por orientação sexual, evidenciando homofobia; por deficiência, quando a empresa não oferece acomodações razoáveis para trabalhadores com necessidades especiais; por estado de saúde, como no caso de doenças crônicas ou terminais; por gravidez, evitando custos de licença-maternidade; ou por associação a um grupo social, político ou cultural específico.

Spacca

Em todas as situações exemplificativas, a demissão discriminatória fere direitos fundamentais, e os trabalhadores afetados devem buscar aconselhamento jurídico.

Reflexo da conscientização

Em recente análise de dados do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 15ª Região, segundo maior tribunal trabalhista do Brasil, houve um crescimento de 47% no número de processos relacionados a demissões discriminatórias entre 2022 e 2023.

O presidente do TRT-15, Samuel Higo Lima, ressalta que o aumento no número de processos também reflete uma crescente conscientização dos trabalhadores sobre seus direitos e a importância de denunciar práticas discriminatórias. Segundo ele, “o trabalhador está mais consciente do que ocorre no ambiente de trabalho, reconhecendo quando está sendo injustiçado”.

Dados do primeiro semestre deste ano (2024) mostram que já foram iniciadas 1.211 novas ações trabalhistas relacionadas a demissões discriminatórias, e que ao menos 1.819 casos foram solucionados pela Justiça, superando o total de 1.810 casos encerrados ao longo de todo o ano anterior.

O levantamento do TRT destaca que a discriminação de gênero é uma das mais comuns, afetando principalmente mulheres, que enfrentam obstáculos como preconceitos relacionados à gravidez, licença-maternidade e estereótipos que restringem suas oportunidades de crescimento profissional.

Apesar do aumento nas denúncias, muitos trabalhadores ainda têm receio de buscar a Justiça por medo de retaliação ou situações vexatórias, embora, na prática, a denúncia seja fundamental para combater a discriminação.

Conclusão

Portanto, o crescimento das ações judiciais por demissões discriminatórias no Brasil revela tanto um avanço na conscientização dos trabalhadores quanto a persistência de práticas discriminatórias no ambiente de trabalho.

Embora legislações como a Súmula nº 443 do TST e a Lei nº 9.029/1995 busquem proteger os direitos dos trabalhadores, ainda há um longo caminho a percorrer para eliminar todas as formas de discriminação. É essencial que empregadores estejam atentos à importância de um ambiente inclusivo e que os trabalhadores continuem a se mobilizar e a denunciar práticas injustas, garantindo que seus direitos sejam efetivamente respeitados e protegidos pela Justiça.

 


Referências bibliográficas

LIMA SILVA, Fabrício; PINHEIRO, Iuri; BOMFIM, Vólia. Manual do Compliance Trabalhista: teoria e prática. 5. ed. Revista, ampliada e atualizada. Editora Juspodivm. 2024.

BRASIL. Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995. Proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de trabalho, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9029.htm. Acesso em: 4 set. 2024.

Entenda por que processos de demissão por discriminação cresceram no 2º maior tribunal trabalhista do Brasil. G1, Campinas, 2 set. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2024/09/02/entenda-por-que-processos-de-demissao-por-discriminacao-cresceram-no-2o-maior-tribunal-trabalhista-do-brasil.ghtml. Acesso em: 3 set. 2024.

 

Autores

  • é advogado, especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 13ª Região (Esmat-13) e em Processo Civil pela Escola Superior da Advocacia (ESA-PB), sócio do Pimentel Advocacia.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!