O Plenário do Supremo Tribunal Federal julga, a partir desta sexta-feira (6/9), em sessão virtual, dois casos de repercussão geral sobre fornecimento de medicamentos não incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS). O término da sessão virtual está previsto para a próxima sexta (13/9).
Em um dos recursos extraordinários, a Corte vai definir se e em quais condições o Judiciário deve conceder tais medicamentos aos cidadãos. De início, os debates envolviam apenas medicamentos de alto custo (muitas vezes as unidades têm preços na casa dos milhares ou até milhões de reais, nos casos de doenças raras), mas evoluíram e passaram a abranger quaisquer remédios não incorporados ao SUS.
Já no outro RE, a discussão é sobre a responsabilidade dos entes federativos em ações judiciais sobre o tema e a competência para resolver tais demandas. Nesse último caso, os ministros decidem se homologam ou não acordos feitos entre os entes federativos após negociações estipuladas pelo Supremo.
Embora distintos, os julgamentos estão intimamente ligados e foram pautados de forma simultânea para evitar soluções divergentes sobre a mesma questão. O fornecimento de medicamentos é um dos assuntos mais complexos e polêmicos do Judiciário brasileiro, pois afeta dezenas de milhares de processos e tem forte impacto nas contas públicas e decisões do Executivo.
RE 566.471
O primeiro caso tem origem em uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, que obrigou o governo potiguar a fornecer um medicamento de alto custo para tratamento de urgência de uma doença cardíaca.
No recurso ao Supremo, o governo estadual argumentou que isso afeta o orçamento público e diferencia cidadãos com e sem decisões do tipo a seu favor.
O julgamento começou em 2016, mas logo foi paralisado e retomado apenas em março de 2020. Na ocasião, o STF considerou que não havia mais motivo para discutir o caso concreto, pois o remédio em questão foi incluído na lista do SUS.
Mas o caso já tinha repercussão geral, portanto o julgamento foi mantido para a definição de uma tese. Os ministros Marco Aurélio (relator do caso, que se aposentou no ano seguinte), Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso propuseram diferentes teses.
A Corte resolveu deliberar a tese de repercussão geral em uma sessão posterior naquele mesmo ano, mas ela foi interrompida em agosto por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. O RE só voltou a ser pautado nesta sexta.
RE 1.366.243
Já o segundo caso diz respeito a uma decisão do TJ de Santa Catarina, que condenou o governo estadual a fornecer medicamentos não incorporados ao SUS para um paciente com epilepsia refratária.
O governo catarinense tentou levar a ação para a Justiça Federal para incluir a União como responsável solidária (pois isso permitiria ao paciente cobrar o medicamento do ente que, na sua avaliação, tivesse mais probabilidade de quitá-la). Mas o pedido foi negado e o processo foi devolvido à Justiça estadual.
No recurso ao STF, o estado de SC argumentou que a União deve ser parte das ações sobre medicamentos não padronizados e que os processos devem tramitar na Justiça Federal.
Em abril do último ano, Gilmar, relator deste segundo RE, suspendeu todos os recursos no STF e no STJ que tratavam do assunto. Em seguida, ele instaurou uma comissão especial para debates, composta por representantes dos entes federativos e da sociedade civil.
A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios chegaram a três acordos sobre a definição da competência da Justiça Federal e o ressarcimento a ser feito pela União nas demandas sobre medicamentos não incorporados.
Um desses acordos foi assinado dentro da comissão, enquanto os outros dois são extrajudiciais — foram negociados na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) do SUS. Agora, esses documentos foram submetidos ao STF para homologação.
Critérios para fornecimento
No primeiro caso, cinco ministros já se manifestaram. O voto do já aposentado Marco Aurélio foi mantido.
Ele sugeriu a tese de que o fornecimento de medicamento de alto custo não incluído nas listas do SUS deve ocorrer apenas se o paciente e a família não tiverem capacidade financeira e se o remédio for imprescindível e insubstituível.
Nesta sexta, Gilmar e Barroso apresentaram um voto divergente conjunto, que sugere uma tese distinta (mais ampla do que a tese proposta por Barroso em 2020). Até o momento, eles já foram acompanhados por Luiz Edson Fachin e Dias Toffoli.
Segundo a tese, se um medicamento não está nas listas do SUS, não pode ser fornecido por decisão judicial. Mas isso pode acontecer em situações excepcionais, desde que o remédio esteja registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que sejam preenchidos alguns requisitos.
Para eles, o autor da ação deve comprovar que o fornecimento foi negado pelo Estado na via administrativa. Também deve comprovar que não houve pedido para incorporação; que houve pedido, mas a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) está demorando para analisá-lo; ou que a Conitec negou a incorporação de forma ilegal.
O medicamento pleiteado precisa ser imprescindível e insubstituível por outros que estejam nas listas do SUS. O autor ainda deve comprovar a eficácia e a segurança do remédio, além da sua incapacide de arcar com os custos.
A tese de Gilmar e Barroso ainda traz regras para o Judiciário analisar pedidos do tipo.. Os magistrados precisam, por exemplo, analisar a decisão da Conitec ou a negativa de fornecimento pela via administrativa, mas sem intervir no mérito da questão.
Os juízes também devem consultar o Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NatJus) sempre que disponível, ou outros entes e pessoas especializados na área da saúde. Eles não poderão tomar decisões com base apenas em prescrições, relatórios ou laudos médicos apresentados pelo autor.
Caso o magistrado autorize o fornecimento do remédio, deverá mandar ofícios aos órgãos competentes para que eles avaliem a possibilidade de incorporação do medicamento ao SUS.
Homologação
Já no segundo caso, Gilmar votou a favor de homologar os acordos assinados pelos entes federativos, mas com algumas alterações. Fachin, Toffoli e Barroso já acompanharam o relator.
Conforme as propostas ajustadas, ações sobre medicamentos não incorporados ao SUS devem tramitar na Justiça Federal quando o valor anual específico do remédio ou do seu princípio ativo for igual ou superior a 210 salários mínimos.
Nesses casos, a União deve arcar com os custos integrais. Se houver “condenação supletiva” dos estados e do DF, a União deve ressarci-los por meio de repasses.
Para os casos de valores inferiores a 210 salários mínimos, que permanecem na Justiça estadual, também deve haver um ressarcimento em casos de condenações dos estados e municípios, mas não integral. As porcentagens variam conforme diferentes critérios.
Gilmar ainda propôs que as regras se apliquem somente aos processos ajuizados após a publicação do julgamento. No caso concreto, ele negou o pedido do governo de SC e não enviou o caso à Justiça Federal.
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RE 566.471
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RE 1.366.243