Foro de eleição e processo do trabalho: aplicabilidade da Lei 14.879/2024
6 de setembro de 2024, 6h39
A Lei 14.879/2024 alterou o Código de Processo Civil para estabelecer que a eleição de foro deve guardar pertinência com o domicílio das partes ou com o local da obrigação e que o ajuizamento de ação em juízo aleatório constitui prática abusiva, passível de declinação de competência de ofício.
Tendo em vista o disposto nos artigos 15 do CPC e 769 da CLT, cabe analisar a possibilidade de aplicação do referido diploma legal no processo do trabalho.
No Direito Processual Civil, as partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações (artigo 63 do CPC). O foro de eleição só é admitido nos casos de competência relativa.
A competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função é inderrogável por convenção das partes (artigo 62 do CPC). Não se admite eleição de foro nas hipóteses de competência absoluta.
A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor (artigo 63, § 1º, do CPC, com redação dada pela Lei 14.879/2024).
O ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício (artigo 63, § 5º, do CPC, incluído pela Lei 14.879/2024).
O artigo 63, § 5º, do CPC incide em caso de eleição de foro, pois o parágrafo deve ser interpretado de acordo com o caput.
Aplicabilidade
No processo do trabalho, entende-se que a eleição de foro não é aplicável [1], tendo em vista a disciplina legal a respeito da competência territorial, conforme artigo 651 da CLT [2].
O artigo 2º, inciso I, da Instrução Normativa 39/2016 do TST prevê que não se aplica ao processo do trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, o artigo 63 do CPC, sobre modificação da competência territorial e eleição de foro.
Embora se reconheça a natureza relativa da competência territorial no processo do trabalho [3], passível de prorrogação (caso não apresentada exceção de incompetência em razão do lugar), não se admite a validade da cláusula de eleição de foro no contrato de trabalho.
Nulidade
Se o foro de eleição, em princípio, não é válido no contrato de emprego, objeto de discussão em processo trabalhista [4], caso o empregador ajuíze ação em face do empregado (por exemplo, consignação em pagamento ou inquérito judicial para apuração de falta grave), no local estipulado em cláusula do contrato individual de trabalho (foro de eleição), cabe ao juiz, de ofício, decidir a respeito da nulidade dessa previsão (artigo 9º da CLT).
Pode-se entender que o artigo 795, § 1º, da CLT também estabelece ao juiz o dever de declarar de ofício a nulidade da cláusula de eleição de foro, prevista em contrato individual de trabalho, quando ajuizada a ação, pelo empregador, nesse local, devendo remeter os autos ao juízo do foro competente, conforme as disposições do artigo 651 da CLT.
Nesse caso, se o juiz não declarar a nulidade do foro de eleição, nem o réu (no caso, o empregado, em ação ajuizada pelo empregador) arguir a incompetência territorial (do juízo do foro de eleição), ela será prorrogada, justamente por se tratar de competência em razão do local, ou seja, de natureza relativa. Nesse sentido também é a regra do artigo 65 do CPC.
Da mesma forma, se o próprio empregado preferir ajuizar a ação no foro de eleição, por lhe ser mais benéfico, não haveria motivo para a declaração de sua nulidade, não se justificando, nessa hipótese específica, a remessa dos autos a juízo de foro diverso, em prejuízo do próprio trabalhador [5].
Conclui-se, assim, que as previsões decorrentes da Lei 14.879, publicada no Diário Oficial da União de 5/6/2024, a respeito da eleição de foro, não são aplicáveis ao processo do trabalho.
[1] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2024. p. 174-175.
[2] “2. No Direito Processual do Trabalho, não se aplica a regra do art. 63 do CPC, que prevê a possibilidade de eleição de foro em contrato, em face da disciplina expressa do art. 651 da CLT. De acordo com o preceito celetista, a reclamação trabalhista deve ser ajuizada, em regra, no local em que o trabalhador preste ou tenha prestado os serviços. Nada obstante, buscando prestigiar o acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV), no § 3º daquele mesmo dispositivo, fixou-se exceção para o caso de empregadores que promovam a realização de atividades fora dos lugares em que celebrados os contratos de trabalho, quando será possível propor a ação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos serviços” (TST, SBDI-II, CCCiv-1102-32.2023.5.00.0000, Rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 18.08.2023).
[3] Conforme a Orientação Jurisprudencial 149 da SBDI-II do TST: “Conflito de competência. Incompetência territorial. Hipótese do art. 651, § 3º, da CLT. Impossibilidade de declaração de ofício de incompetência relativa. Não cabe declaração de ofício de incompetência territorial no caso do uso, pelo trabalhador, da faculdade prevista no art. 651, § 3º, da CLT. Nessa hipótese, resolve-se o conflito pelo reconhecimento da competência do juízo do local onde a ação foi proposta”.
[4] “7. Ocorre que não prevalece no Direito do Trabalho o foro de eleição, já que a aplicação subsidiária do direito processual comum exige a omissão na legislação processual trabalhista e a respectiva compatibilidade do instituto, hipóteses não verificadas. 8. É imperiosa a conclusão de inaplicabilidade da eleição de foro, diante da observância da regra de distribuição de competência estipulada no artigo 651 da CLT, norma de ordem pública, visando equalizar o desequilíbrio verificado entre empregado e empregador” (TST, SBDI-II, CC-12759-26.2017.5.15.0044, Rel. Min. Emmanoel Pereira, DEJT 06.09.2019).
[5] “Agravo de instrumento. Contrato de trabalho com eleição de foro. Observância do foro eleito pelo autor. Arguição de exceção de incompetência em razão do lugar em desobediência ao pactuado no contrato. Litigância de má-fé caracterizada. As garantias constitucionais do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CR), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CR) devem ser exercitadas de acordo com a legislação processual vigente. Os participantes do processo devem se portar de acordo com a boa-fé (art. 5º do CPC), cooperar entre si para o cumprimento da celeridade processual, tudo em busca de uma decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º do CPC). Para o cumprimento dessas regras o legislador processual estipulou que o litigante de má-fé responde por perdas e danos (art. 79 do CPC), bem como previu, de forma exemplificada, as hipóteses em que se configura a litigância de má-fé (art. 80 do CPC) e as penalidades respectivas, autorizando o Magistrado a atuar de ofício (art. 81 do CPC). A celeridade e a efetividade das decisões judiciais são valores eleitos pela sociedade em sua legislação e por isso devem observados por todos (art. 5º, II, da CR). No caso, embora tenha incluído no contrato de trabalho uma cláusula elegendo o foro trabalhista de Belém para dirimir eventuais litígios, cláusula devidamente respeitada pelo empregado ao ajuizar a ação, a empregadora arguiu a exceção de incompetência em razão do lugar, em total descumprimento da boa-fé que deve nortear o cumprimento dos contratos (art. 422 do CC) e a conduta processual (arts. 5º, 6º, 79 a 81 do CPC). As disposições legais que regem a competência territorial não autorizam toda e qualquer alegação de incompetência como está a sustentar a Agravante. Diante do foro de eleição contido em contrato, a alegação de incompetência territorial foi indevida, caracterizou efetivamente dedução de defesa contra fato incontroverso e provocação de incidente manifestamente infundado. Dessa forma, a aplicação da penalidade processual prevista para a referida conduta não constitui violação do princípio do contraditório e da ampla defesa, nem do art. 80 e incisos do CPC. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento” (TST, 6ª T., AIRR-1776-96.2016.5.08.0011, Rel. Des. Conv. Cilene Ferreira Amaro Santos, DEJT 20.04.2018).
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