Opinião

Reembolsos de despesas médicas: importância dos entendimentos do STJ sobre o tema

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5 de setembro de 2024, 6h06

Você deve conhecer algum usuário de plano de saúde que arcou com as despesas médicas e precisou solicitar o reembolso dos valores dispendidos. Em situações como essas, primeiramente o consumidor fica confuso e, depois, sente-se lesado pela maneira como a regra de reembolso é interpretada.

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Apesar de estar regulado pela legislação e por diversas resoluções da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), é comum que a interpretação dessas normas chegue ao Judiciário. Os limites e normas relacionados aos pedidos de ressarcimento geralmente são interpretadas e aplicados, de acordo com o entendimento e decisões do STJ (Superior Tribunal de Justiça) sobre o tema.

Alguns pontos das solicitações parecem um tanto óbvios e balizados, quase que exclusivamente numa logica de “bom senso”. Entretanto, precisam ser definidos com base em decisões do STJ. Um exemplo é quando não existe indicação dos prestadores autorizados para determinado tratamento, o que leva o beneficiário a buscar atendimento fora da rede.

Nessa situação, o consumidor tem direito à devolução integral da despesa com o tratamento, até que seja disponibilizado atendimento na central credenciada. O posicionamento da ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do STJ, é justamente nesse sentido.

A magistrada entende que, no caso de a operadora do plano de saúde se omitir em indicar um prestador de serviço credenciado apto a realizar o atendimento do beneficiário, este terá direito ao reembolso integral das despesas assumidas com o tratamento que lhe foi prescrito pelo médico assistente, em razão do descumprimento contratual, mesmo que exista uma cláusula no contrato que exclua o atendimento em determinados hospitais e/ou sempre que não for possível a assistência pela rede própria ou contratada.

Em situações de urgência, quando o paciente for direcionado por um médico conveniado, este pode escolher um hospital diferenciado e de alto custo. Isso se justifica pela gravidade da situação ou da especialidade do tratamento. Ressalta-se o REsp 1.286.133, no qual o ministro Marco Aurélio Bellizze afirma que a lei não faz restrições em relação a hospitais de custo elevado, tornando nulas cláusulas que restrinjam a cobertura. Ele também faz referência à limitação de reembolso conforme o artigo 12, inciso VI, da Lei 9.656/98.

Outro ponto analisado pelo STJ diz respeito a casos em que o processo ultrapassa o que está legalmente estabelecido. Sem o pagamento prévio pelo beneficiado, não há base para o ressarcimento nem para a cessão dos seus direitos, pois o valor não foi gasto e, portanto, não há fundamento para ser ressarcido. No REsp 1.959.929, Bellizze declara: “Apenas assinar um contrato de cessão de direitos não pode servir de justificativa para desvirtuar a cobertura securitária prevista na legislação de regência, em relação às regras do reembolso”.

Prescrição para reembolsos médicos

A discussão sobre o prazo prescricional para pedido de reembolso de despesas médicas foi abordada pelo ministro Luis Felipe Salomão, na 2ª Seção, em 2020. Em seu voto, o magistrado definiu que, para reparação de danos causados pelo descumprimento de obrigação prevista em contrato de plano de saúde, aplica-se a regra de 10 anos, conforme previsto no artigo 205 do Código Civil. Isso deve distinguir da regra de prescrição de devolução para valores pagos indevidamente, devido à nulidade de cláusula contratual de reajuste.  Nesse caso, vale a regra do artigo 206, parágrafo 3, inciso IV do Código Civil, que estabelece prescrição de três anos.

Os consumidores podem ter um entendimento equivocado sobre o retorno financeiro das despesas médicas. A cobertura para tratamentos multidisciplinares de portadores de TEA (Transtorno do Espectro Autista), por exemplo, é garantida pela Resolução Normativa 539/2022 da ANS, que assegura ressarcimento integral se a rede credenciada não oferecer a cobertura adequada. No entanto, há restrições e condições que devem ser observadas.

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Por outro lado, as despesas com prestadores não credenciados em situação médica não urgentes, nem sempre têm garantias de devolução dos valores. No EAREsp 1.459.849, o ministro Bellizze esclarece que as operadoras de planos de saúde são responsáveis pelas despesas médicas do usuário do plano, nos casos de urgência, quando a utilização da rede própria ou autorizada é inviável.

Ele frisa que: “cabe ao Poder Judiciário agir cautelosamente para interpretar as cláusulas dos contratos de plano de saúde, notadamente aquelas que estabelecem restrições ao atendimento, a fim de que não se imponha um ônus insuportável às operadoras dos planos, mas também não se descuide da garantia dos direitos do elo frágil da relação”.

As situações descritas ilustram alguns dos inúmeros exemplos de divergências entre operadoras e consumidores. Esses casos representam os desafios enfrentados pelos operadores jurídicos, que lidam com a ciência interpretativa do direito. E, mesmo com as questões já interpretadas pelo STJ, serão judicializadas com o intuito de reinterpretar certos casos.

Embora as decisões sobre os temas não vinculantes permitam total a autonomia dos magistrados para decidir segundo a legislação e sua maneira de interpretar a Lei, as decisões anteriores, com suas fundamentações bem descritas, tornam-se importantes referências para definições de rumos das decisões iniciais dos processos e proporcionam maior clareza dos entendimentos do judiciário. Desse modo, os tribunais superiores são fundamentais para definições de rumos processuais.

Autores

  • é advogado, sócio do escritório SiqueiraCastro, especializado em Direito Civil e Contratos, graduado em Direito pela Universidade Gama Filho e pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela ESA/OAB-RJ e em Processo e Gestão Jurídica pelo Ibmec-RJ.

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