Opinião

Jornada de Direito à Saúde reafirma autonomia do paciente adulto e capaz

Autor

  • César Rodrigo Iotti

    é juiz de Direito titular da 2ª Vara Cível Criminal e Execuções Penais de Piumhi (MG)juiz de Direito Cooperador da Vara Única de São Roque de Minas (MG) pós-graduado em Direito Médico e Bioética pela PUC-MG e em Direito Processual Civil pela Uninter.

    View all posts

4 de setembro de 2024, 7h06

No último dia 29 de agosto, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal publicou os 47 enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito à Saúde, ocorrida nos dias 13 e 14 de junho, em Brasília. Dentre eles merece destaque o enunciado nº 40, que reafirma a autonomia do paciente adulto e capaz:

“Enunciado 40: A intervenção médica ou cirúrgica em paciente adulto e capaz exige o seu prévio e expresso consentimento livre, consciente e informado, que inclui o direito de recusa, salvo a hipótese de emergência médica em que o paciente não possa externar a sua autodeterminação e não tenha deixado diretivas antecipadas de vontade que permitam ao médico conhecer as escolhas do paciente.”

Esse enunciado representa um avanço significativo para os direitos dos pacientes, visto que deixa expresso que em todas as situações, inclusive nas emergências, a vontade conhecida do paciente, expressa verbalmente ou por meio de diretivas antecipadas, deve ser integralmente respeitada pela equipe médica.

Conforme apontando na justificativa do referido enunciado, esse entendimento possui forte solidez jurídica e se alinha à direção já estabelecida internacionalmente do pleno reconhecimento da autonomia do paciente adulto e capaz, independentemente da eventual gravidade do seu quadro clínico.

Essa visão jurídica tem ganhado espaço na jurisprudência nacional, resultando no combate ao enraizado paternalismo médico, que se trata de um comportamento que infantiliza o cidadão doente e apequena os seus direitos humanos e fundamentais, incluindo o inalienável direito de determinar o que pode ser feito no seu próprio corpo.

Peso da manifestação de vontade

Deve-se destacar que a autonomia do paciente, externalizada por meio do exercício do seu direito ao consentimento informado, é corolário do direito à saúde. A definição dada pela própria Organização Mundial da Saúde (OMS) ao vocábulo “saúde” é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” [1]. Isso significa que a autonomia do sujeito de direitos por trás do cidadão doente deve sempre ser levada em consideração nos seus cuidados médicos.

Qualquer que seja a motivação do paciente — busca de qualidade de vida, objeção de consciência, evitar sentimentos de inutilidade e invalidez de se viver com um membro amputado —, a decisão envolve o seu próprio corpo. Intervenções externas no corpo de uma pessoa dependem, em homenagem à autonomia, da manifestação de vontade do paciente, notadamente quando emanada por pessoa adulta e capaz. A autodeterminação do paciente, portanto, merece plena proteção jurídica.

Julgamento de recursos

Esse mesmo direito será em breve objeto de decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 1.212.272, relator ministro Gilmar Mendes, e RE 979.742, ministro Roberto Barroso, em que a autodeterminação do paciente Testemunha de Jeová e o seu direito a receber tratamento médico sem transfusões de sangue por parte do Estado serão decididos. Conquanto tais recursos versem sobre o direito dos cidadãos pertencentes à minoria religiosa mencionada, é certo que o que for decidido nesses casos afetará os direitos de todos os pacientes, independentemente das suas convicções religiosas ou de outra natureza, serem tratados com o devido e integral respeito no seu atendimento médico.

O julgamento dos ambos os recursos foram pautados para o dia 18 de setembro de 2024. Que esse seja um dia histórico para todos os cidadãos brasileiros, estabelecendo inequivocamente o direito de todos os brasileiros à autodeterminação no campo da saúde.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!