Fábrica de Leis

Elaboração da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (parte 2)

Autores

  • Fabiana de Menezes Soares

    é professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) onde coordena o Observatório para Qualidade da Lei e o LegisLab.

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  • Marcus Peixoto

    é consultor legislativo do Senado ex-assessor da presidência do IBGE doutor em Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade pelo CPDA/UFRRJ e pós-doutorado no PPED/IE/UFRJ e Faculdade de Direito da UFMG.

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  • Paulo Roberto Alonso Viegas

    é doutorando em Direito (UniCeub) mestre em Ciências Econômicas engenheiro de Produção e Advogado e consultor legislativo do Senado.

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3 de setembro de 2024, 8h00

Em artigo publicado nesta ConJur em 23 de julho, debatemos o processo legislativo de projetos de lei que propõem um marco legal para a produção de hidrogênio combustível, em tramitação no Congresso.

Spacca

No Diário Oficial da União, em edição extra de 2/8/2024 — nº 148-A (p. 1, col. 2) foi publicada a Lei nº 14.948/2024, – que compreende o Marco Regulatório do Hidrogênio Verde. Foram criados o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro); a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, como parte da Política Energética Nacional disposta na Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997; e os incentivos para a indústria do hidrogênio de baixa emissão de carbono.

A lei dispõe sobre cinco princípios e 20 objetivos da política supracitada, além de 20 conceitos e definições que oferecem parâmetros para o tratamento jurídico da disciplina. Essas disposições tiveram origem no Projeto de Lei nº 2.308/2023 (Emenda-CD), que previa dois programas entre os instrumentos de implementação da Política: o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2); e o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC).

Ocorre que o primeiro corresponde a um mecanismo de implementação da política supramencionada, enquanto o segundo remete à ideia inicial de criação de um fundo de financiamento das iniciativas previstas nessa política, mas que a acabou recebendo a denominação de programa. O uso dessa palavra para dois significados distintos tornas o texto do projeto confuso, em desrespeito a melhor prática disposta na Lei Complementar nº 85/98 cujo objetivo é dirigir a elaboração de leis.

O resultado decorre da tentativa de convergir interesses sobre a mesma matéria, os quais se salientam em negociações políticas baseadas em distintos pontos de vista — geográficos, econômicos e sociais — que ocorrem num universo multipartidário e um modelo legislativo bicameral. Dessa forma, imperfeições no texto legislativo, ainda que indesejáveis, podem ocorrer, porém seus efeitos práticos podem ensejar dificuldades para os Executivos, as empresas e claro, possíveis questões judiciais.

Considerando que o planejamento legislativo e a avaliação do resultado da lei (objeto da legística) não estão na pauta, esse é um dos riscos que os legislativos correm quando objetivos e efeitos da lei conflitam.

Os artigos 30 a 35 foram vetados e o resultado inviabiliza o PHBC, que asseguraria fontes de recursos financeiros essenciais para a sustentação da política pretendida. Na sua totalidade, os dispositivos vetados dispunham sobre: os objetivos do PHBC; nove diferentes fontes de recursos para financiamento de suas ações; critérios para concessão de valores crescentes de crédito fiscal (a ser concedido para produtores ou compradores de hidrogênio de baixo carbono), que somariam, entre 2028 e 2032, R$ 18,3 bilhões; e a possibilidade da subvenção econômica na comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados.

O Poder Executivo, na Mensagem nº 741, de 2 de agosto de 2024, defendeu que tais “dispositivos contrariam o interesse público ao instituir incentivos que violam conceitos instituídos na legislação financeira e orçamentária e geram imprecisões que conferem insegurança jurídica para implementação da estratégia de ampliação da oferta e produção do hidrogênio de baixo carbono”.

Metodologia legística

ConJur

A parte final da mensagem traz um dos problemas que poderiam ser tratados pela metodologia da legística. O que vemos é a governança do setor prejudicada na sua perspectiva de longo prazo. Foram eliminadas as fontes de recursos do artigo 31 e as disposições quanto a concessão de crédito fiscal para o desenvolvimento da cadeia produtiva em apreço dispostas no artigo 32 do PL.

Quanto ao PNH2, ele foi mantido, mas ainda terá suas competências, diretrizes e atribuições instituídas, em boa medida, mediante regulamento e diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) o que confere algum grau de incerteza que poderia ser superado por disposições legais.

A Lei institui ainda um Comitê Gestor do Programa Nacional do Hidrogênio (Coges-PNH2), ao qual é atribuída a competência de estabelecer as diretrizes para execução da PHBC, observado o que for estabelecido pelo CNPE. O Coges-PNH2 será integrado por até 15 representantes de órgãos do Poder Executivo, na forma de regulamento, além de: I – 1 representante dos Estados e do Distrito Federal; II – 1 representante da comunidade científica; e III – 3 representantes do setor produtivo. Portanto, decreto presidencial disporá sobre a composição de 11 outros integrantes do Comitê, e sobre a forma de escolha dos representantes do Coges-PNH2 que não integram o Poder Executivo federal.

A autorização para a produção do hidrogênio, carregamento, processamento, tratamento, importação, exportação, armazenagem, estocagem, acondicionamento, transporte, transferência, revenda à comercialização de hidrogênio, seus derivados e carreadores, caberá à ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), respeitadas as atribuições das demais agências reguladoras conforme as fontes utilizadas no processo de produção.

Essa disposição, por um lado, pode ser eficiente no que tange à aplicação do hidrogênio de baixo carbono para fins industriais. Contudo, ela encontra-se afastada das necessidades oriundas de cadeias de produção de hidrogênio mais limpas, voltadas à exportação, como são aquelas associadas à geração de energia solar-fotovoltaica e eólica para fins de produção do hidrogênio. Logo, num sentido figurado de comparação, se o propósito do marco legal é incentivar cadeias produtivas mais limpas, e delegar a governança do setor para a agência que lida com interesses da indústria de hidrocarbonetos, é possível inferir sobre o risco pela gestão da granja para a raposa.

A lei institui ainda o Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio, o que é importante para fins de conferir o atesto de qualidade ao hidrogênio produzido e permitir que se acesse mercados que exijam menor pegada de carbono em seu processo produtivo, como ocorre com o mercado da União Europeia, que se apresenta como maior interessado e demandante por hidrogênio verde, de baixa pegada de carbono.

A Lei publicada faz 24 referências à necessidade de regulamento de diversos dispositivos. Por um lado, essa situação ode conferir mais agilidade aos processos inerentes a essa indústria. Por outro, gera alguma incerteza para os agentes econômico que dela participam. Não obstante, a opção de conferir maior flexibilidade normativa pode fazer sentido em pelo menos parte da indústria do hidrogênio, diz-se, naquela em que as inovações estejam mais presentes.

Leis para desenvolvimento, atuam para futuro, têm uma dimensão intergeracional e necessariamente articuladas com outros atos normativos (outras leis & regulações) com objetivos tecnológicos pois são dependentes de inovações e da capacidade institucional de fomentá-las. Para isso, o sistema de governança legislativo-regulatória que deve definir pautas e temas necessita também de um aparato procedimental mais inovador e capaz de conciliar duas perspectivas: a permanência que assegura a segurança jurídica e a temporalidade que assegura a tomada de decisão no momento adequado, diante do avanço tecnológico.

Dentre os princípios previstos na nova lei, diretores da atividade de densificação normativa [1], ressaltamos alguns que evidenciam a necessária articulação entre a tecnologia fim e a tecnologia meio (inovação no processo de elaboração legislativo-regulatória).

O artigo 2º, por exemplo, fixa a meta/princípio de descarbonização da matriz energética de forma competitiva no mercado brasileiro, seguida do fomento à pesquisa e desenvolvimento do uso do hidrogênio de baixa emissão de carbono. Enquanto isso, nos objetivos da Política Pública, a mitigação dos gases de efeito estufa (GEE), o reconhecimento do tema como interesse nacional. Além disso, há o comprometimento para com o desenvolvimento sustentável nas rotas de produção do hidrogênio que considere os interesses do consumidor quanto ao preço e à qualidade e oferta.

A articulação para com a pesquisa e desenvolvimento é outro imperativo legal a assegurar as condicionantes para ações normativas e ações governamentais concertadas com a tecnologia e inovações que assegurem a autonomia científica brasileira.

Na perspectiva da “tecnologia-meio”, a conformidade com a lei se apresenta na garantia de processos de elaboração normativa que tenham uma dimensão de “planejamento” própria da atividade de avaliação que mira os resultados ou efeitos das legislações e regulações, também o artigo 2º impõe a “previsibilidade na formulação de regulamentos e concessão de incentivos. Na prática, isso significa que a atividade de avaliação prévia deve demonstrar e justificar deveres, obrigações, permissões além de sanções premiais que modulem o comportamento dos afetados, na direção escolhida pelo agente regulador.

Assim, os temas e competências a serem mobilizados para a realização das metas e objetivos da PHBC exigem a concertação inicial não apenas internamente ao Ministério das Minas e Energia, mas também ao MDIC, aos ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia, e à Capes, além das agências reguladoras como ANP, Aneel, ANA, ANTT e outros entes com competências normativas a serem identificados no curso da avaliação (que permite um juízo de previsibilidade) dos atos normativos que se seguirem.

O Decreto nº 12.150, também publicado em agosto de 2024, traz os fundamentos da estratégia nacional da melhoria regulatória. Leis para desenvolvimento necessitam de processos céleres aptos a promoverem a maior efetividade de princípios e objetivos legais, além do aprimoramento dos processos regulatórios.

As diretrizes da política para a melhoria regulatória elencam um governo aberto; o uso de evidências na atividade de elaboração normativa; a temporalidade e os recursos modulados pelo nível de impacto futuro; a accountability; o incremento do bem-estar social; o fomento da inovação. Já o protagonismo conferido ao Comitê Gestor do Pro Reg pode indicar o desenvolvimento de ações futuras de concertação entre os atores normativos da administração pública federal, necessária ao marco regulatório de hidrogênio verde. O Executivo federal tem investido tempo e criado procedimentos para regulações mais eficazes e com menor potencial de conflitos judiciais.

O Brasil está sintonizado com a necessidade mundial de enfrentar os impostos pela desafios da transição energética, o hidrogênio é uma das portas a serem abertas. Cabe ao sucesso da concertação entre leis e regulações o objetivo de evitar que uma boa pauta legislativa tenha seus necessários efeitos queimados por curto-circuito.

Um Pro Leg para os legislativos é uma inovação em processo essencial à visão de futuro, típica das leis para desenvolvimento.

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[1] Atividade de elaboração legislativa ou regulamentar que tem por objetivo tornar um comando normativo abstrato mais concreto para fins de incremento da sua efetividade.

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