Decisão sobre VPN busca barrar estímulo ao descumprimento de ordem do Supremo Tribunal Federal
2 de setembro de 2024, 8h45
Especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico afirmam que a identificação de pessoas que estão usando VPN para acessar o X “beira o impossível” e que a medida busca menos punir pessoas que usam a ferramenta e mais impedir casos graves, como o estímulo à utilização de programas para descumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Na sexta-feira (30/8), o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou o bloqueio do X do Brasil após a rede social de Elon Musk descumprir uma série de decisões judiciais, deixar de pagar multas e não indicar um representante da empresa no país.
Parte da decisão fixa multa de R$ 50 mil por dia para quem usar serviços de VPN para acessar o X. Inicialmente, Alexandre determinou que a Apple e o Google retirassem de suas lojas aplicativos de VPN, mas o ministro voltou atrás pouco depois por considerar que a medida poderia causar “transtornos desnecessários” a empresas.
Programas de VPN permitem a qualquer pessoa utilizar a internet sem que as operadoras saibam a origem do acesso. A ferramenta oculta o endereço de IP do usuário e é frequentemente utilizada para acessar conteúdos que podem estar bloqueados em determinada região.
Há usuários, por exemplo, que utilizam VPN em serviços de Stream, como a Netflix e o Prime Video, para acessar conteúdos que não estão disponíveis no Brasil, mas fazem parte do catálogo de outros países.
Difícil identificação
Omar Kaminski, especialista em Direito da Informática, disse que rastrear VPNs para identificar usuários “beira o impossível”, já que os programas têm justamente a função de tornar os usuários anônimos.
Há casos, no entanto, de fácil identificação. No sábado, por exemplo, o senador Marcel Van Hattem (Novo-RS) fez publicações no X criticando Alexandre de Moraes em que admitia estar usando VPN. Tirando casos como esse, diz Kaminski, a identificação é quase impossível.
“Há quem diga que rastrear VPNs para identificar usuários beira o impossível, porque se trata justamente de uma tecnologia com função de anonimizar, que se vale de criptografia e números IP de outros países”, explica.
“São diversos provedores desse serviço, alguns gratuitos, outros pagos, inclusive algumas VPNs são incorporadas em outros serviços. É inviável, senão impossível a identificação dos infratores. Ao meu ver o objetivo foi o de desestimular o uso do X por essa via, ressaltando a proibição do uso “, prossegue.
O “x da questão”, brinca o especialista, é justamente saber se a decisão é exequível. “O X da questão, para tornar a decisão exequível, é como saber quem acessou o X por VPN para viabilizar a aplicação da multa. Mas é justo penalizar o usuário final que, em última instância, só quer se divertir?”, questiona.
Decisão não busca punir todos
Na leitura do advogado Francisco Brito Cruz, co-fundador do InternetLab, a medida parece buscar mais impedir casos graves, como estimular a utilização de softwares para descumprir a decisão de Alexandre, do que puramente de punir usuários, impedindo a utilização de VPN.
Quando o ministro determinou o bloqueio do Telegram em 2022, por exemplo, houve diversas publicações, inclusive jornalísticas, fazendo um passo a passo de como utilizar VPN para acessar o aplicativo de mensagens, a despeito da suspensão no Brasil.
Antes do bloqueio, o termo “VPN” era um dos mais citados no X. Parte dos usuários de políticos críticos a Alexandre estavam estimulando a utilização do programa para ignorar a ordem do STF.
“É importante ressaltar que é uma obrigação difícil de ser aplicada para toda a população, porque decorre da fiscalização só do gabinete do ministro”, disse
“Na minha leitura isso está lá para que ele possa multar e impedir os casos que achar mais graves, discriminatoriamente. Não há como fiscalizar todo o Brasil”, prosseguiu o especialista.
Bloqueio do X
Alexandre determinou o bloqueio do X na sexta-feira (30/8). Na quarta (28/8), o ministro havia dado 24 horas para Elon Musk, dono da rede, indicar o representante do X no Brasil, sob pena de suspensão imediata.
A intimação foi publicada no perfil oficial do STF no X, com Musk marcado. O prazo acabou no dia seguinte, às 20h07, sem resposta da empresa.
Na decisão, Alexandre afirma que o X optou por desrespeitar expressamente as decisões judiciais brasileiras e extinguiu a subsidiária brasileira da empresa para ocultar-se do ordenamento jurídico e das decisões do Poder Judiciário.
“A finalidade ilícita e fraudulenta desse encerramento da empresa nacional foi confessada na própria mensagem realizada em redes sociais, qual seja: permanecer descumprindo ordens do Poder Judiciário Brasileiro, em especial desta Suprema Corte”, afirmou.
A medida ocorreu depois de a rede de Elon Musk fechar as portas no Brasil. Sem representante no país, o X deixou de cumprir decisões judiciais. Antes disso, já estava sem cumprir.
O X já acumula cerca de R$ 18 milhões em multas por descumprimento de decisões do Supremo. Na quarta (28/8), Alexandre mandou a rede indicar um novo representante, sob pena de suspensão. Como a ordem não foi cumprida, o ministro bloqueou a rede.
Elon Musk demitiu todos os empregados brasileiros da empresa no último dia 17 e anunciou que a rede vai “encerrar as operações” no país. O X culpou decisões de Alexandre que determinaram a retirada do ar de conteúdos e de perfis.
Desde antes disso, o Supremo não consegue intimar a rede de suas decisões. A empresa deixou o país devendo cerca de R$ 18 milhões em multas envolvendo decisões não cumpridas.
Questão de interesse
Os detratores de Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, tentam colar no ministro, desde as eleições de 2022, a pecha de ditador. As críticas de censura, portanto, são só mais um capítulo envolvendo ataques ao ministro vindos do setor que pretensamente se coloca como “defensor de liberdades”.
O discurso não é novo. Em 2022, quando o trombadinha da vez era o Telegram, os “libertários” criticavam a moderação de conteúdos pelo Judiciário enquanto usavam o aplicativo para espalhar conteúdos desinformativos que buscavam desestabilizar instituições e colocar em dúvida a higidez do processo eleitoral. Se a moderação atrapalha esse objetivo, não é fácil entender o motivo de o alvo ser o moderador.
A polêmica artificial em torno de Alexandre e do TSE esconde muita coisa. Entre elas, o fato de que não é de hoje que grandes empresários como Elon Musk tentam influenciar políticas internas de países para proteger ou alavancar seus negócios. Nesse sentido, colocar um freio de arrumação é muito mais uma questão de soberania nacional do que de censura.
No sábado, Musk disse que “investir no Brasil sob a administração atual é insano”. A declaração esconde que o empresário tem interesses em alavancar no país a Starlink, empresa de internet por satélite que teve as contas bloqueadas no Brasil por Alexandre. A empresa expandiu sua participação no Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
O país é central em outro projeto. A Tesla, principal produto do bilionário, está sendo ameaçada pela concorrente chinesa BYD,que montou sua primeira fábrica no Brasil e já adquiriu minas de lítio, matéria prima essencial para as baterias dos carros elétricos.
Brasil como alvo
Não é difícil mostrar que Musk elegeu o Brasil como alvo. Em outros países, a postura do empresário e do X é outra no que diz respeito ao cumprimento de decisões judiciais que determinam o bloqueio de contas e de conteúdo.
Na Índia e na Turquia, por exemplo, o X bloqueou links para um documentário da BBC crítico ao governo de Narendra Modi. Na Turquia, limitou a visibilidade de tuítes antes das eleições presidenciais.
Nos dois casos, que envolvem uma profusão de decisões judiciais maior que no Brasil, Musk afirmou ser necessário “obedecer” às leis locais. Não houve protestos quanto a supostos ataques à liberdade de expressão.
Ao reagir ao X, o Brasil não fica isolado, como os críticos de Alexandre dão a entender. A rede é investigada na União Europeia dede 2023 por suposta violação às regras de compartilhamento de conteúdo ilegal e desinformação.
Na Austrália, Musk criticou uma decisão que determinava a retirada de conteúdo violento. Foi chamado de “bilionário arrogante” pelo primeiro-ministro.
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