Consultor Jurídico

A bibliodiversidade e os direitos culturais

31 de outubro de 2024, 18h30

Por Carolina de Castro Wanderley

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O que é bibliodiversidade? Possivelmente a palavra tenha sido cunhada no final da década de 1990 pelo coletivo de Editores Independentes do Chile para designar a representação da pluralidade da sociedade no mercado editorial. Para que haja bibliodiversidade, é preciso haver uma multiplicidade de propostas editoriais, de editoras e de correntes de pensamento refletidas em publicações, somadas ainda a uma ampla circulação de livros diversos, de forma a atender também variados repertórios humanos.

Como existem numerosas correntes de pensamento, tipos humanos, condições e opções individuais, seria natural que as publicações literárias dessem voz a todo esse caleidoscópio humano. Isso nos sugere o termo que intitula esta breve reflexão. Mas a bibliodiversidade encontra obstáculos, conforme veremos.

Devemos inicialmente recordar que o consumo dos livros é coisa extremamente recente na história da humanidade. Segundo Hauser, em seu História Social da Literatura e da Arte, até o século 18 o único tipo de publicação um pouco mais aceita na Europa era o “opúsculo de edificação religiosa”, ou seja, o livro de extrato moral religioso.

A literatura secular, ou sem cunho religioso, só começou a sua difusão no bojo da expansão da imprensa periódica, da indústria livreira e da classe burguesa urbana recém-alfabetizada. Estamos falando da Europa de 1700 a 1800, não devemos esquecer, e mesmo lá as taxas de analfabetismo eram altíssimas!

No Brasil, o letramento da população é foco muitíssimo recente de atenção pelas políticas públicas.  Segundo o IBGE, o Censo 2022 verificou notadamente no Brasil que 92,1% da população é alfabetizada, mas em 1940, por exemplo, este número era inferior a 44%. Em 1890, apenas 17,4% da população brasileira sabia ler.

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Livros

Some-se a isto o fato de que até a chegada da Família Real Portuguesa no Brasil, em 1808, a metrópole proibia a Colônia de qualquer impressão de livros. Com a chegada de D. João VI, criou-se a Imprensa Régia e, em 1821, as tipografias puderam voltar a atuar em território nacional.  O nascimento da indústria editorial brasileira foi um parto difícil!

Hoje em dia, o segmento editorial brasileiro vem amargando quedas significativas, segundo um relatório divulgado pela Câmara Brasileira do Livro. Nos segmentos de obras gerais, livros didáticos, livros religiosos e CTPs (livros científicos, técnicos e profissionais), verificou-se uma retração de 20% desde o ano de 2019. Cabe frisar que o subsetor de livros religiosos foi o que menor queda de vendas registrou, aproximando-se do percentual zerado. Isso foi carreado pelo crescimento do mercado de edições cristãs.

Neste contexto, como pode acontecer a bibliodiversidade?

Entendemos que a indagação interessa de modo especial aos direitos culturais.

Lembremo-nos que a Constituição, em seu artigo 215, preceitua que o Estado deverá garantir “a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional”, o que nos remete ao entendimento de que o exercício dos direitos culturais passa por todas as formas de cultura nacional.  Isso em qualquer linguagem artística e em qualquer mídia que a veicule até a cada cidadão.  Assim, para que se efetivem os direitos culturais, toda forma de pensamento lícito deverá poder ser expresso em linguagem literária.

Por consequência, quanto mais diverso for o mercado editorial de um país, mais efetiva é a sua bibliodiversidade e mais atendidos estão, neste sentido, os direitos culturais.  Algo que parece difícil, considerando a bombástica soma de analfabetismo, analfabetismo funcional, baixo gosto pela leitura, problemas na cadeia produtiva de livros por grandes editoras e crescente preferência por literatura de cunho cristão.

Na contramão desta triste realidade, uma boa notícia

Cada vez mais a água da cultura vem encontrando meios de correr por entre as pedras. Enquanto as grandes editoras verificam o quadro indicado acima, as pequenas iniciativas editoriais se dedicam a variados públicos específicos.

São pequenas editoras compostas por gente:  pessoas feministas, pessoas LGBTQIA+, pessoas pretas, pessoas indígenas, pessoas praticantes de outras religiões e filosofias, pessoas e mais pessoas, distintas e dignas!

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Estas pequenas iniciativas pululam nas redes sociais, encontrando meios de marketing e distribuição, criando pontes pela internet, praticando a pré-venda de obras por plataformas de financiamento coletivo, ganhando projeção em nichos específicos e entregando não só livros impressos sob demanda como audiolivros e livros digitais.  É uma nova realidade!

O fenômeno das pequenas editoras veio então suprir uma necessidade constitucional, pasme-se! De modo orgânico, a bibliodiversidade agora é possível através das minieditoras que publicam e entregam diversidade, atendendo assim o artigo 215 da Constituição, sem políticas públicas, sem editais de fomento e sem fundo de cultura.  Que lindo desempenho!

 


Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.  Acessada em 10.10.2024 em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

FATURAMENTO do setor editorial brasileiro cai 43% em termos reais desde 2006. Câmara Brasileira do Livro, 2024.  Acessada em 10/10/2024 em https://cbl.org.br/2024/07/faturamento-do-setor-editorial-brasileiro-cai-43-em-termos-reais-desde-2006/

HAUSER, Arnold.  História social da literatura e da arte.  Trad. Walter H. Greenen.  São Paulo: Mestre Jou, 1972.