O regime de trabalho em tempo parcial e os benefícios previdenciários
30 de outubro de 2024, 20h52
A reforma trabalhista de 2017 introduziu alterações significativas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dentre elas, o regramento específico para o regime de trabalho em tempo parcial.

De acordo com o artigo 58-A da CLT, o regime de tempo parcial é aquele em que a jornada não ultrapassa 30 horas semanais, sem a possibilidade de horas extras, ou até 26 horas semanais, com a possibilidade de acréscimo de até seis horas extras semanais.
Nesta linha, temos que a reforma flexibilizou as regras para a contratação em regime parcial, trazendo um estímulo a este tipo de contrato.
Já em 2019, tivemos a reforma da Previdência trazendo alterações para o regime previdenciário, entre elas um piso mínimo para a condição de segurado, que em conjunto com o trabalho em tempo parcial tem gerado consequências inesperadas.
Isso porque, de acordo com o artigo 195, § 14, da Constituição, incluído na reforma previdenciária de 2019, o valor do salário de contribuição do segurado não pode ser inferior ao salário mínimo mensal vigente, assegurado o agrupamento de contribuições.
Ocorre que, com a aludidas alterações de ambas as reformas, trabalhista e previdenciária, muitos trabalhadores regularmente contratados em regime parcial possuem remuneração proporcional, cujo valor total é inferior a um salário mínimo, o que acarreta um recolhimento previdenciário abaixo do piso legal.
Isso gerou uma situação em que o trabalhador (e a empresa), mesmo contribuindo regularmente para a Previdência Social, não atinge o patamar mínimo legal de contribuição mensal, capaz de lhe assegurar a condição de segurado.
Tempo de contribuição não computado
Assim, o principal impacto desta situação é que o período em que o trabalhador contribui com menos de um salário mínimo não é computado para fins de tempo de contribuição previdenciária, não adquirindo, por conseguinte, o direito a qualquer dos benefícios previdenciários federais, como auxílio-doença, pensão e cômputo do tempo para a aposentadoria.

Importante destacar que a solução jurídica que tem sido apresentado pelo INSS para garantir que esses meses sejam contados para fins previdenciários, nos termos do artigo 29, I, da EC nº 103, é a complementação pelo trabalhador da contribuição até atingir o valor mínimo exigido pela legislação.
Essa necessidade de complementação representa um ônus adicional para o trabalhador em regime parcial, que já tem uma renda reduzida, caso não tenha um segundo trabalho, gerando uma contradição com o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, previstos na Constituição (artigo 194).
Fato é que, ainda que não se vislumbre qualquer ilegalidade no recolhimento sobre o valor proporcional recebido pelo trabalhador, a condição deste de não segurado gera insegurança jurídica e social não apenas para os trabalhadores, que podem vir a ser prejudicados em suas aposentadorias, mas também para as empresas, pois, em uma eventual situação de afastamento por uma enfermidade, por exemplo, o trabalhador ficaria completamente desassistido.
Pior ainda é que, diante deste cenário completamente possível, as soluções judiciais podem ser ainda mais absurdas e injustas, senão vejamos:
Uma primeira questão a ser levantada aqui é que a exigência pelo INSS do complemento das contribuições previdenciárias pelo empregado em tempo parcial tem respaldo na legislação vigente. Portanto, sob este aspecto, eventual decisão judicial que venha a declarar a ilegalidade de um eventual indeferimento de benefício estaria em desconformidade com o próprio sistema normativo.
Lado outro, é fundamental ressaltar que o empregador que está fazendo o recolhimento sobre o salário proporcional também está procedendo de acordo com a previsão legal. Sob este prisma, de igual modo, decisão judicial impondo ao empregador o ônus de pagar, por exemplo, a remuneração de um período de afastamento do trabalhador por motivos de saúde, em decorrência da negativa do INSS, não encontraria fundamento legal de validade.
Exclusão de contribuinte com base inferior a um salário mínimo
Isto posto, a conclusão é que estamos diante de uma opção do legislador de retirar do contribuinte a condição de segurado quando o recolhimento for efetuado com base de cálculo inferior a um salário mínimo, apenas lhe sendo assegurado o agrupamento de contribuições para alcançar a condição de segurado.
Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 1418127/RS, da relatoria do ministro André Mendonça, reputou que o Decreto 3048/99, na parte em que estende a proibição de contagem para o RGPS da competência inferior ao limite mínimo mensal, como carência e como qualidade de segurado, extrapola claramente o seu limite regulamentador.
Na referida decisão, restou destacado que a regra inserta no artigo 194, parágrafo único, inciso I, da Constituição, garante o direito fundamental à previdência, o que proíbe a redução do âmbito de proteção da Previdência Social pública justamente aos mais necessitados e incapazes de formar poupança privada suficiente para seu amparo futuro.
Por fim, nos chama a atenção que essa opção legislativa contrasta com outras opções criadas pelo Legislador, que concedem a condição de segurado a pessoas que recolhem menos que a contribuição previdenciária sobre um salário mínimo, como o microempreendedor individual (MEI) ou ainda os segurados especiais, como os pescadores e agricultores.
É verdade que estes segurados são beneficiários de programas previdenciários especiais, e que a aposentadoria destes nesta condição se limita a uma salário mínimo. Mas então por que não conferir aos trabalhadores urbanos que não recebem ao menos um salário mínimo de remuneração a condição de segurado previdenciário especial?
Será que existe alguma distinção entre estes trabalhadores e os demais segurados especiais capazes de justificar a ausência de cobertura da Previdência Social? Não estaríamos diante de uma patente afronta à isonomia e à igualdade, princípios constitucionais de tão elevada estima?
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