Opinião

Celeuma dos honorários sucumbenciais por equidade à luz da CHD

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  • é mestranda em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) especialista em Direito e em Processo Penal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) especializanda em Direito Penal Económico pelo Instituto de Direito Penal Económico Europeu da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (IDPEE) em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) professora advogada e associada à The European Law Students Association (Elsa) e ao Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico (IBDPE) ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e à Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).

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30 de outubro de 2024, 16h23

Como já pontuado por Lenio Luiz Streck, as tentativas de colocar o problema hermenêutico a partir do predomínio da subjetividade do intérprete ou da objetividade do texto não passa(ra)m de falsas contraposições fundadas no metafísico esquema sujeito-objeto [1].

Contudo, é possível afirmar, com uma segura margem, que a viragem ontológico-linguística assentou definitivamente as bases para o câmbio desse paradigma. Nesse contexto, a superação da metafisica objetivista (aristotélico-tomista) e subjetivista (filosofia da consciência), forneceram os aportes para uma concepção que rejeita qualquer subjetivismo por parte do magistrado.

É nesse contexto que se problematiza a fixação dos honorários por equidade e a pergunta que norteia a pesquisa foi feita por Streck: “Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista?”. Superar o montesquiano provérbio de que “le juge est la bouche de la loi“, em outras palavras, o mero esquema subsuntivo, não significa (e nem poderia sê-lo) uma abertura à discricionariedade própria de um positivismo baseado na famigerada filosofia da consciência — que sói ocorrer a partir da adoção de posturas acríticas baseadas, v.g. na jurisprudência dos valores ou em certos realismos jurídicos.

No seio da Crítica Hermenêutica do Direito (CHD), rejeita-se uma ideia qualquer segundo a qual o intérprete tem legitimidade o bastante para alcançar o “real sentido” da norma jurídica — em outras palavras, o sentido que mais lhe convém, ignorando o produto legislativo que não se encontre em contraste com o texto constitucional.

Além disso, deve-se ter em mente que a sujeição do produto legislativo ao controle de constitucionalidade não pode significar um apequenamento do papel do legislador em detrimento do agigantamento do Poder Judiciário. Ao revés, a democracia impõe limites aos poderes absolutos e irrefreáveis.

Diz-nos Lenio que:

“Se foi diminuída a liberdade de conformação do legislador, através de textos constitucionais cada vez mais analíticos e com ampla previsão de acesso à jurisdição constitucional, portanto, de amplo controle de constitucionalidade, o que não pode ocorrer é que essa diminuição do ‘poder’ da legislação venha a representar um apequenamento da democracia, questão central do próprio Estado Democrático de Direito” [2].

É uma ideia clara a de que a conquista da autonomia não pode implicar a indeterminabilidade do direito construído democraticamente. Logo, não é dado ao Poder Judiciário se deixar seduzir por predadores exógenos e comprometer essa autonomia pelo apelo à moral ou à economia. Há hipóteses em que o Judiciário pode deixar de aplicar uma lei, e isso ficou esclarecido pela Crítica Hermenêutica do Direito, não podendo o julgador descumprir a legislação em nome de um capricho próprio da filosofia da consciência.

Reação da advocacia

Não se pode olvidar que o Direito é uma construção social. A reivindicação dos advogados e advogadas, no anteprojeto do atual Código de Processo Civil, além de justa, deu-se dentro do jogo democrático, em que se buscou, precisamente, coibir a fixação de honorários sucumbenciais por equidade nos casos em que o proveito econômico fosse vultoso.

Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a regulação da matéria de honorários era diferente e dava margem ao intérprete para que ele procedesse com a fixação de honorários a partir de critérios de equidade, sobretudo nas causas em que a Fazenda Pública era parte e as montas eram vultosas.

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O artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil de 1973, dispunha que nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houvesse condenação ou fosse vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários seriam fixados consoante apreciação equitativa do juiz.

Foi naquele contexto que surgiram inúmeras decisões que passaram a transformar em regra o entendimento dos magistrados no que toca à fixação dos honorários por equidade.

Assim, não apenas nas causas em que a Fazenda Pública fosse parte vencida, mas também nas contendas entre particulares, não era incomum que, diante de vultosas condenações ou diante de proveitos econômicos elevados, os honorários fossem desproporcionalmente fixados, afrontando-se, com isso, as prerrogativas dos advogados que viam o seu trabalho ser precificado unilateralmente sem um critério previsível.

Buscando-se coibir tal intento por parte dos magistrados, a classe advocatícia desempenhou um importante papel no decorrer do processo legislativo que culminou no atual Código de Processo Civil. Essa mobilização, que é a peça fundamental do jogo político em Estado Democrático de Direito, foi determinante para se extirpasse a antiga previsão contida do artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil de 1973.

O texto do artigo 85, §8º, do atual Código de Processo Civil, mesmo antes da inserção do artigo 8º-A, é muito claro ao dispor, taxativamente, sobre as hipóteses em que se admite a fixação de honorários por equidade. Além disso, não se pode ignorar o que o artigo 140, parágrafo único, dispõe. Ao empregar o adjetivo “só”, o referido dispositivo torna precisas as hipóteses em que o magistrado poderá decidir por equidade: somente nos casos previstos em lei.

Entendimento do STJ e teses de distinguishing

Mesmo com a clareza do previsto diploma, os magistrados seguiram adotando posturas ativistas e decidindo arbitrariamente, o que levou o Superior Tribunal de Justiça a se manifestar no julgamento do Tema 1.076, em que se fixou a tese segundo a qual a fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados, sendo obrigatório, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85, do CPC — a depender da presença da Fazenda Pública na lide.

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Em que pese a clareza da tese fixada pelo STJ, cuja parte final assenta definitivamente que apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação, o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório ou quando o valor da causa for muito baixo, permanece a celeuma interpretativa a partir da numerosa propositura de inúmeras teses de distinguishing.

Sustenta-se, sobretudo por parte da Fazenda Pública, que o juiz pode afastar a aplicação do artigo 85, §§ 2º e 3º, com base na razoabilidade e na proporcionalidade, sempre que os honorários resultantes da aplicação dos referidos dispositivos fossem elevados ou que ele poderia lançar mão da fixação por critérios equitativos no caso de mera oposição de terceiro, por meio de exceção de pré-executividade, para a exclusão de parte ilegítima do polo passivo da execução fiscal, por inexistência de proveito econômico.

Mas afinal, o que é isso senão lançar mão de uma odiosa arbitrariedade que se caracteriza por um puro discricionarismo. Ora, se mesmo após a decisão do STJ fixando a tese de que o juiz só pode fixar honorários por equidade nos casos previstos em lei, como se pode admitir que decisões judiciais sejam proferidas em franco confronto com um dispositivo democraticamente instituído?

Porquanto ainda careça de julgamento o Tema 1.255, no Supremo Tribunal Federal, espera-se que não haja a relativização do alcance interpretativo fixado pelo Superior Tribunal de Justiça, o que poderia denotar uma postura ativista por parte da Corte Suprema, considerando que o artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil, não é um óbice ao direito de ação, mas antes de tudo um resguardo à principal função dos honorários advocatícios — remunerar o causídico adequadamente — e um instrumento que pode diminuir a litigância temerária — sobretudo por parte do Fisco.

 


[1] STRECK, Lenio Luiz. Aplicar a “letra da lei” é uma atitude positivista? Revista NEJ – Eletrônica, Vol. 15 – n. 1 – p. 158-173 / jan-abr 2010.

[2] STRECK, Lenio Luiz. Aplicar a “letra da lei” é uma atitude positivista? Revista NEJ – Eletrônica, Vol. 15 – n. 1 – p. 158-173 / jan-abr 2010, p. 165.

Autores

  • é mestranda em Direito Público, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), especialista em Direito e Processo Penal pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), especialista em Direito Penal Económico pelo Instituto de Direito Penal Económico Europeu (IDPEE) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), especializanda em Direito e Processo Tributário pela FMP, graduada em Direito pela Unisinos, com período de mobilidade acadêmica na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, advogada e professora.

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