Licitações e Contratos

Margem de preferência para produtos nacionais: recursos sobrando?

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  • é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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25 de outubro de 2024, 11h14

Em mais de uma oportunidade, já falamos sobre a margem de preferência para produtos nacionais. Trata-se, sem sombra de dúvidas, de uma medida protecionista e que pouco agrega para o desenvolvimento do país, sendo, quando muito, um precário ensaio intervencionista, oriundo de um modelo econômico sequer permitido pela Constituição de 1988.

Apartando-se da inconstitucionalidade da norma, até então válida, porquanto prevista em lei ordinária não declarada inconstitucional, as críticas devem se concentrar em outros pontos específicos, os quais passam a ser objeto de debate nesse artigo.

Nesse sentido, embora o artigo 26, da Lei nº 14.133/2021 preveja margem de preferência para produtos nacionais, a matéria somente foi regulamentada pelo Decreto nº 11.890, de 22 de janeiro de 2024:

Regulamenta o art. 26 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, para dispor sobre a aplicação da margem de preferência no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e institui a Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável.

O referido decreto transita sobre terrenos arenosos, mencionando conceitos vulgarmente cógnitos ou discursos holofrásticos, como se uma só palavra fosse o bastante para expressar uma ideia complexa, decorrente de matrizes macroeconômicas.

É o que ocorre, exemplificativamente, com “desenvolvimento nacional sustentável”, cuja amplitude interpretativa é assaz imprecisa, sendo, segundo o Decreto, suficiente para sustentar uma absurdeza intervencionista do Estado cognominada margem de preferência.

Regulamentação

Sem qualquer margem de dúvidas, o artigo 26, da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos carece de regulamentação, incisivamente de cada ente federativo, que, à abstrata ideia contida neste dispositivo legal, queira aderir. Logo, o Decreto nº 11.890/2024 restringe-se ao âmbito federal, sem espaço para aplicação em outro ente federativo.

Spacca

Muito embora o artigo 26, da Lei nº 14.133/2021, já se encontrasse devidamente regulamentado pelo mencionado Decreto Federal, no último dia 18/10/2024 foi editada a Resolução Seges-CICS/MGI nº 4, que “especifica os produtos manufaturados nacionais que serão objeto de margens de preferência normal e adicional nas licitações realizadas no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional”.

Com a referida resolução, inaugura-se uma nova cena de questionáveis contratações públicas, onerando os combalidos cofres da Administração Pública federal e com franca potencialidade de aumentar ainda mais o déficit público. Em outras palavras, a Resolução Seges-CICS/MGI nº 4 é um convite ao desproveito dos recursos públicos.

O anexo da resolução possui uma extensão assustadora, contando com um par de centenas de itens, tiroteados em incompreensíveis códigos, cuja catalogação é indigesta e, por vezes, abstraída de qualquer objetividade.

Porém, o que mais intriga são os percentuais utilizados pelo Poder Regulamentar, os quais, em sua grande maioria, atingem 10% do valor original. Ou seja, um produto concorrente (que não contido dentro da margem de preferência) somente será adquirido se seu preço for inferior a 110% do preço do produto privilegiado.

Economicamente, trata-se de uma vulgarização do esforço do contribuinte. Sob o viés da isonomia, inquestionável o favorecimento desprovido de razão. À luz de políticas sustentáveis, os conceitos não convergem (…). Resumidamente, pouco ou nada agrega.

O argumento da melhoria do mercado nacional e da proteção aos postos de trabalho nunca foi comprovado, sobretudo porque, em outras oportunidades históricas, essa criatividade já foi testada. Logo, é a repetição de um mesmíssimo erro, desprendido de qualquer motivo justo (isonômico mesmo), digno de um modelo estatizante e disforme à complexidade das variâncias do mercado.

Licitar a la soviética é uma pretensa expertise lerdaça, comprimindo o dinamismo e a potencialidade de um significativo setor da economia nacional, sendo, por isso, contraproducente. Confessadamente, um fetiche normativo, filhote de um poder autocrático.

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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