Reflexões Trabalhistas

Negociação coletiva e o Tema 1.046 do STF

Autor

  • é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho consultor jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos entre eles Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

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18 de outubro de 2024, 8h00

No Tema 1.046, o colendo Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese:

“São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuem limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.

O STF cuidou, na espécie, de agravo contra decisão de inadmissibilidade de RE interposto em face de acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, que afastou a validade de norma coletiva, que suprimia direitos relativos a horas in itinere.

No caso, o TST manteve acórdão regional que afastou a aplicação de norma coletiva de trabalho, que estabeleceu que o tempo despendido de ida ou de retorno ao trabalho, com veículo fornecido pela empresa, não daria ensejo ao pagamento de horas in itinere.

Alcance da tese

Entretanto, o STF firmou orientação no sentido de que deve ser privilegiada norma coletiva de trabalho, desde que os temas pactuados não sejam absolutamente indisponíveis. E, em relação especificamente às horas in itinere, já chegou à conclusão de que se trata de direito que pode ser pactuado entre trabalhadores e empregadores de forma diversa ao previsto na legislação trabalhista.

Embora o caso envolvesse negociação coletiva sobre horas in itinere, o STF lhe deu alcance amplo, não restringindo a tese ao referido tema.

Em sua fundamentação, o STF disse que a Constituição de 1988 vedou a interferência do Estado na ordem sindical (artigo 8/I), a qual assegurou aos sindicatos a defesa da categoria e a participação obrigatória na negociação coletiva, prestigiando a negociação coletiva, pelo que, não cabe negar a autonomia coletiva sobre condições de trabalho e promover anulações seletivas daquilo que foi acordado entre patrões e empregados.

Mas, como limites da negociação coletiva o STF estabeleceu balizas, a saber: a) Princípio da equivalência entre negociantes. Ajustes acordados com aval sindical são revestidos de boa-fé. Sua invalidade deve ser a exceção, não a regra; b) Teoria do conglobamento. ACT e CCT são frutos de concessões mútuas, cuja anulação não pode ser apenas parcial em desfavor de um dos acordantes. Não pode ser examinada de forma individual, desconsiderando o conjunto de contraprestações acordadas; c) Disponibilidade ampla dos direitos trabalhistas em normas coletivas, resguardado o patamar mínimo civilizatório. A redução ou a limitação dos direitos trabalhistas por acordos coletivos deve respeito aos direitos absolutamente indisponíveis, constitucionalmente assegurados.

A Corte Suprema afirmou o respeito pelas partes da negociação coletiva ao patamar mínimo civilizatório, em respeito aos direitos absolutamente indisponíveis, enfatizando que a autonomia coletiva deve ser conjugada com o princípio da adequação setorial negociada, que define a harmonização dos interesses das partes na negociação coletiva com o sistema normativo heterônomo estatal; que as normas autônomas podem prevalecer sobre as estatais se respeitados certos critérios objetivamente fixados: “a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; e b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa”.

Em conclusão do Tema 1.046/STF, restou assegurada a validade de negociação coletiva mesmo que desfavorável aos trabalhadores, desde que os temas pactuados não sejam absolutamente indisponíveis, estando protegidos contra a negociação in pejus os direitos que correspondam a um patamar civilizatório mínimo, como anotação da CTPS, pagamento do salário mínimo, repouso semanal remunerado, normas de saúde e segurança do trabalho, dispositivos antidiscriminatórios, liberdade de trabalho etc.

A importância do equilíbrio entre as partes

Em nossa avaliação do que ordinariamente acontece na vida real, a negociação coletiva é realmente o melhor meio de solução dos conflitos coletivos de trabalho, porque feita pelas partes envolvidas nesses conflitos, que conhecem sua realidade mais do que ninguém.

Todavia, para a negociação coletiva cumprir seu objetivo, é preciso que haja equilíbrio entre as partes negociantes das tratativas coletivas, o que depende da autonomia dos sindicatos. Poucos, no Brasil, são os sindicatos que mantêm essa autonomia. Na maioria os sindicatos são fracos e desorganizados e ainda foram bastante enfraquecidos com a reforma trabalhista/2017, que acabou com a principal fonte de custeio de suas atividades, sem criar meios alternativos para tanto, havendo grande rejeição no Brasil, ao custeio das atividades sindicais pelos membros das categorias representadas, o que representa contradição e ofensa à liberdade sindical, inclusive pela indevida interferência do Estado nessa seara, como tem ocorrido com frequência.

Então, é preciso saber se se quer mesmo negociação coletiva livre, no Brasil, com sindicatos autônomos, capazes de enfrentarem o poder patronal, ou se o que se quer mesmo são sindicatos frágeis, para negociarem o que interessa para as classes econômicas.

Assim, para valorizar a negociação coletiva equilibrada e verdadeira é necessário promover a liberdade sindical e afastar de vez o Estado da interferência na ordem sindical. É preciso fortalecer os sindicatos e assegurar efetivamente o direito de greve, como está previsto no artigo 9º da Constituição Federal, porque sem direito de greve não há negociação coletiva verdadeira!

Autores

  • é consultor jurídico, advogado, procurador Regional do Trabalho aposentado, doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário UDF e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, autor do livro Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador, entre outros.

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