STF suspende julgamento sobre quebra de sigilo telemático em investigações
16 de outubro de 2024, 18h54
O Plenário do Supremo Tribunal Federal suspendeu nesta quarta-feira (16/10) o julgamento de repercussão geral (Tema 1.148) que decidirá se a Justiça pode determinar a quebra do sigilo telemático de forma não individualizada em investigações criminais. O ministro André Mendonça pediu vista.

Ministro André Mendonça pediu vista do julgamento nesta quarta
O caso concreto é o da investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), em 14 de março de 2018. A 4ª Vara Criminal do Rio de Janeiro determinou que o Google identificasse protocolos de internet (IPs) de dispositivos que tenham usado a plataforma para buscar termos que indiquem possível participação no crime.
Segundo a decisão, o Google deveria identificar pessoas que buscaram, entre os dias 10 e 14 de março daquele ano, portanto antes do crime, os termos “Marielle Franco”, “vereadora Marielle”, “agenda vereadora Marielle”, “Casa das Pretas”, “Rua dos Inválidos” e “Rua dos Inválidos número 122” — lugares onde ela esteve pouco antes da morte.
O caso foi levado ao Supremo pelo Google, que afirma que a decisão de primeira instância foi insuficientemente fundamentada. E também alega que haveria uma espécie de varredura generalizada dos históricos de pesquisa de usuários, o que representaria violação ao princípio da privacidade.
O julgamento até aqui
Há até o momento três votos. A relatora da matéria, ministra Rosa Weber (hoje aposentada), deu provimento ao recurso quando o caso era analisado no Plenário Virtual. Para ela, não pode haver “ordem judicial genérica e não individualizada de fornecimento de registros de conexão”.
Na sessão desta quarta, o ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência. Para ele, a requisição é constitucional nos casos em que há fundado indício de ocorrência de crime, justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados e determinação do período ao qual se referem os registros.
O ministro Cristiano Zanin acompanhou Alexandre, mas propôs mudanças na tese. Em seguida, André Mendonça pediu vista. O caso será retomado em data ainda não marcada.
Voto da relatora
Rosa Weber entendeu que a legislação atual não autoriza ordens judiciais genéricas e não individualizadas para fornecimento de registros de conexão e acesso dos usuários que tenham pesquisado palavras ou expressões específicas.
Segundo ela, a intervenção na proteção de dados pessoais exige lei que autorize a adoção de medidas restritivas. E tal norma precisa conter os requisitos necessários, detalhar o modo de restrição e viabilizar o controle do Judiciário.
O artigo 22 do Marco Civil da Internet permite, de forma excepcional, o afastamento do sigilo dos registros de conexão e de acesso a aplicações com informações relevantes para investigações de crimes cometidos na internet.
Mas o dispositivo, disse a ministra, não abrange ordens gerais, que não indiquem um grupo específico de usuários. Assim, afirmou ela, a regra não é válida quando aplicada à situação discutida no recurso.
Para Rosa, o tema em questão envolve uma restrição de direitos “incisiva e danosa” a um número “previamente indeterminado e indeterminável de usuários”. Por isso, na sua avaliação, a lei precisaria ser mais específica e prever requisitos maiores para esse tipo de intervenção.
Rosa propôs a seguinte tese:
À luz dos direitos fundamentais à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao devido processo legal, o artigo 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) não ampara ordem judicial genérica e não individualizada de fornecimento dos registros de conexão e de acesso dos usuários que, em lapso temporal demarcado, tenham pesquisado vocábulos ou expressões específicas em provedores de aplicação.
Divergência
Alexandre de Moraes divergiu da relatora e criticou a iniciativa do Google de levar o caso ao Supremo.
“As big techs têm todas as nossas informações. Não existe um banco de dados maior do que o que o Google tem. Então muito me impressiona que o Google entre com mandado de segurança para impedir uma investigação importantíssima envolvendo o assassinato de uma vereadora dizendo que fere a intimidade (o compartilhamento dos dados), quando o Google usa o dado de todos nós, sem autorização, para nos mandar propaganda.”
Segundo o ministro, o Marco Civil da Internet abre uma exceção à proteção da privacidade, permitindo a possibilidade de essa garantia ser afastada por ordem judicial. Ele também rejeitou o argumento de que a Lei 9.296/1996 barra o acesso aos dados.
De acordo com o magistrado, a norma permite acesso a dados telefônicos sem indicação e qualificação dos investigados quando tal situação for impossível.
“A legislação e as cortes constitucionais e as Supremas Cortes precisam se adaptar a esse novo mecanismo de coleta de provas. Para esse novo mecanismo de combate à criminalidade via redes sociais e big techs”, disse o ministro.
Alexandre propôs a seguinte tese:
1) É constitucional a requisição judicial de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, desde que observados os requisitos previstos no artigo 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), quais sejam: a) fundados indícios de ocorrência do ilícito; b) justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória; c) período ao qual se referem os registros;
2) A ordem judicial poderá atingir pessoas indeterminadas, desde que determináveis a partir de outros elementos de provas obtidos previamente na investigação e que justifiquem a medida.
Cristiano Zanin propôs que, ao fim do segundo ponto da tese de Alexandre, seja incluído um trecho afirmando que as ordens judiciais devem ser adequadas, proporcionais e necessárias.
Ele também propôs a inclusão de um item afirmando que o compartilhamento ou acesso a dados pessoais ou outras informações guardadas pelo provedor pode ocorrer nos casos em que houver “razões que fundamentam uma suspeita em face de pessoa determinável”.
RE 1.301.250
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