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Justiça climática: desafios e perspectivas para a construção de políticas públicas

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  • é advogada mestre em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) especialista pela Fundação Escola Nacional do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT) certificada em Liderança e Negociação pela Universidade de Harvard especialista em Direito e Economia pela Universidade de Chicago (Uchicago) estudante visitante na New York University (NYU) e coordenadora da Escola Nacional da Magistratura (ENM).

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12 de outubro de 2024, 8h00

A abordagem sustentável em diversos segmentos econômicos não é só é uma alternativa, mas uma medida imperativa para que os desafios de ordem social, econômica e ambiental sejam enfrentados de forma sistêmica, de modo a potencializar a economia e as relações sociais, homenageando as premissas de equilíbrio e preservação ambiental a nível mundial.

Não obstante tal proposição ser de conhecimento de todos, haja vista a deflagração do tema ter sido formalizada por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável formulados pela Organização das Nações Unidas (ONU), impõe-se, no momento, a concretização de medidas efetivas e práticas. Isto é, há que se atentar para que tais valores não fiquem presos no mundo das ideias, mas ingressem intrinsecamente no dia a dia das pessoas e seja pressuposto indispensável em se tratando da cultura das relações comerciais.

A justiça climática emerge como uma das principais questões contemporâneas, envolvendo diretamente a interseção entre direitos humanos, desenvolvimento sustentável e mudanças climáticas. Essa abordagem busca considerar que as populações mais vulneráveis, muitas vezes menos responsáveis ​​pela manipulação ambiental, são as mais afetadas pelos impactos climáticos.

A Constituição de 1988, ao garantir o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, reforça o princípio da justiça ambiental. No entanto, o conceito de justiça climática vai além, enfatizando a necessidade de políticas públicas que levem em conta as desigualdades socioeconômicas e regionais no enfrentamento das mudanças climáticas.

Em outras palavras, é imperativo que o arcabouço normativo tradicional de direitos se adapte ao novo ambiente sustentável, postulado do mundo atual, por meio da implementação de regras padronizadas de sustentabilidade e de justiça social no âmbito das empresas.

Por estas razões, de modo a convergir e prestigiar tais ideais, foram criados os critérios abrangidos pelo ESG (Em inglês: environmental, social and governance. Em português: ambiental, social e governança). As premissas difundidas pela agenda ESG surgiram no “relatório “Who Cares Wins” (em português: ganha quem se importa), produzido pela ONU, com vistas a promover as boas-práticas empresariais.

Destrinchando-se as métricas, tem-se que: (1) a ambiental se refere a um sistema de gestão ambiental eficaz. Trata-se de uma chancela internacional, a qual pressupõe o cumprimento das metas globais de emissão de carbono, conforme as diretrizes previstas pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma); (2) a social versa sobre o impacto na comunidade e nas relações com funcionários. Diz respeito ao sistema de gestão de saúde, segurança ocupacional e diversidade, com base em diretrizes de responsabilidade social; (3) a Governança diz respeito à transparência, à ética e à gestão de riscos.

Segundo pesquisa realizada pelo Pacto Global em 2022, 78% das empresas brasileiras se demonstraram engajadas em seguir as diretrizes do ESG, o que demonstra um crescente interesse pelo tema.

No que tange ao enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas, cidades brasileiras como Salvador, Fortaleza e Porto Alegre têm implementado políticas locais de mitigação e adaptação, como a criação de espaços verdes, a promoção de mobilidade urbana sustentável e a gestão eficiente de resíduos sólidos. A justiça climática nas cidades, no entanto, ainda é desafiada pela desigualdade socioeconômica e pelo acesso desigual aos recursos, como saneamento básico e saúde pública.

Marcela Bocayuva, advogada

A inclusão de gênero e raça no debate sobre justiça climática também é essencial, visto que os impactos das mudanças climáticas afetam grupos de maneira desproporcional. Estudos apontam que mulheres e crianças em situação de pobreza são os mais vulneráveis aos desastres climáticos, enfrentando riscos como a perda de moradia, acesso restrito à água potável e insegurança alimentar.

A agenda da justiça climática deve abranger, portanto, as projeções sobre os impactos do aquecimento global para as populações vulneráveis e as respectivas alternativas, a partir da compreensão dos desafios socioambientais na atualidade e do desenvolvimento de soluções que integram as dimensões ambiental, econômica e social. Essa perspectiva reforça a importância da interseccionalidade, ou seja, o reconhecimento das múltiplas dimensões de desigualdade que permeiam as questões ambientais.

Providências práticas

Como se pode perceber, é de amplo conhecimento que o mundo inteiro deve se unir para enfrentar os desafios de ordem ambiental, social e de governança, uma vez que todos esses seguimentos precisam estar conectados e ser conduzidos por valores homogêneos. Contudo, não raro, bons projetos acabam sem resultado em virtude da ineficácia de sua execução. Isto é, não basta somente planejar, há que se promover uma implementação eficiente, capaz de gerar resultados empíricos e em prazo razoável. De acordo com o professor da Harvard Business School, Ram Charan, execução é disciplina. Por conseguinte, estabelecer um sistema disciplinado e estável a longo prazo para o desenvolvimento do projeto é chave para o seu sucesso.

Em razão disso, em 1992, o Pnuma, na Rio+20, manifestou-se contra a pobreza e promoção de um século 21 sustentável com soluções de efeitos prospectivos. Atualmente, muitas das preocupações lá pontuadas, que antes pareciam tão distantes e inatingíveis, fazem parte da realidade mundial.

Como forma de enfrentar tais desafios, alinhadas com os critérios ESG de sustentabilidade, foram criadas as chamadas Economias Verde e Azul, conceitos estes que visam integrar seus três pilares.

Nesse sentido, conferências e conselhos de gestão ambiental, quando realmente inclusivos, ampliam a legitimidade e garantem que as vozes dos mais afetados sejam ouvidas. No entanto, essas iniciativas ainda enfrentam barreiras, como limitações de recursos e resistências políticas.

Economia Verde

O termo “Economia Verde” foi concebido no Pnuma, realizado em 2008 e ganhou destaque durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, na Rio+20, realizada em 2012. Nesse contexto, Líderes mundiais discutiram estratégias para conciliar as máximas do crescimento econômico com a preservação ambiental, o aumento do bem-estar da humanidade, a redução de desigualdades e o desperdício.

Trata-se de um modelo econômico alternativo àquele vigente até então. Nesse sentido, foram delineadas políticas cujo propósito é alcançar a eficiência no uso dos recursos naturais, a redução da emissão de poluentes e o estímulo à inovação tecnológica voltada para soluções ambientais, por meio do investimento em energias renováveis, eficiência energética, agricultura sustentável, transporte limpo e gestão adequada de resíduos, a implementação de medidas de baixa emissão de carbono e outros gases relacionados ao efeito estufa. A inclusão social também é um dos pilares e pode ser alcançada com a reciclagem e reuso de bens e a universalização do saneamento básico. Por fim, a economia verde também propõe a ideia de consumo consciente.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) inaugurou o Projeto Horizontal sobre Resiliência Climática e Econômica, no qual apontou os principais benefícios da economia verde. Do ponto de vista macroeconômico, isso significa que o referido modelo pode trazer mais previsibilidade e estabilidade, sobretudo nos preços para as empresas, em razão da menor volatilidade dos recursos e cotações, a possibilidade de aumento na produtividade, cumulada com a redução dos desperdícios e do consumo energético, de novas oportunidades de emprego e do fomento à criação de tecnologias e inovações.

Assim, segundo o Relatório produzido pela Pnuma intitulado Rumo à Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza, as principais constatações sobre esse modelo, em síntese, são a valorização e o investimento no capital natural e a sua indispensabilidade para a erradicação da pobreza e para a amenização das desigualdades sociais. Em síntese, uma economia crescente com o restabelecimento o capital natural.

Pode-se vislumbrar a implantação desse modelo de economia com a priorização de investimentos e de gastos públicos em áreas que estimulam o “esverdeamento” dos setores econômicos, pela limitação dos gastos públicos em áreas que esgotam o capital natural, por intermédio da administração de impostos, investimento em capacitação, treinamento e educação e, por último, pelo fortalecimento da governança internacional.

Sobre o assunto, o Banco Mundial e o Programa nas Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente) publicaram o Financing Climate Futures: The Role of National Development Banks in Brazil and South Africa, cujo conteúdo destaca o papel dos bancos nacionais de desenvolvimento (BDs) no que se refere ao cumprimento dos objetivos globais de desenvolvimento sustentável e clima, especialmente no que tange ao papel dos países em desenvolvimento para o processo de transição para a economia verde.

O documento compara as experiências dos BDs do Brasil e da África do Sul acerca do financiamento da infraestrutura de baixo carbono e economia verde. Conforme se depreende do estudo, 22% dos recursos do BNDES foram dispendidos para finanças verdes, dentre eles, apoio a projetos de energias renováveis e eficiência energética, transportes, agricultura e outros segmentos. O DBSA, por sua vez, 45% estavam associados a finanças verdes.

Restou claro que a postura dessas instituições tem progressivamente apontado para uma transição da posição de tradicionais financiadores de projetos de longo prazo a agentes mobilizadores de fontes inovadoras de financiamento, inclusive formalizando o acesso com fontes de financiamento internacional direcionadas às mudanças climáticas.

Ressalte-se que o Pnuma determina que as regulamentações, normas e objetivos são indispensáveis para a implantação da economia verde. Entretanto, os países em desenvolvimento devem adequar esses preceitos ao próprio ritmo, respeitando a realidade de suas circunstâncias, possibilidades e limitações. Nesse ponto, frisa que as nações desenvolvidas desempenham um papel chave na capacitação e habilitação desses países, por intermédio da criação de um mercado internacional e de uma infraestrutura jurídica propícia para essa cultura.

A Economia Verde, por fim, exprime o cumprimento dos critérios ESG, em razão da abordagem sustentável e integrada desses valores, segundo a qual a prosperidade econômica está intrinsecamente relacionada à saúde do meio ambiente.

Economia Azul

A “Economia Azul”, por sua vez, dedica-se a tratar da exploração responsável dos usos potenciais dos recursos aquáticos, traduzindo-se em oportunidade promissora para que as empresas do setor otimizem suas operações e contribuam para o desenvolvimento sustentável do país.

Desse modo, a Economia Azul abrange todos os espaços aquáticos, incluindo o oceano, mares, costas, lagos, rios e águas subterrâneas. Além de compreender uma série de atividades relacionadas com os meios aquáticos, como a pesca, a aquicultura, o turismo azul, os portos e o transporte marítimo, a construção e reparação naval, a energia renovável oceânica, a biotecnologia azul, a robótica marinha, o ensino e investigação, entre outras. Para além disso, o planejamento prevê incentivos à inovação e descarbonização da frota naval, estímulo à infraestrutura portuária e apoio a projetos de recursos hídricos.

Tal modelo econômico é fundamentado por diversos fatores: um oceano saudável e resiliente; biodiversidade protegida; saneamento básico; ecossistemas vibrantes; conhecimento; educação; e desenvolvimento social inclusivo, por meio da pesca sustentável, aquicultura, turismo marítimo, biotecnologia marinha e a exploração de recursos naturais como petróleo, gás e minerais submarinos.

Nesse sentido, tem-se notícia de que o BNDES lançou a iniciativa “BNDES Azul”, que visa investir na proporção de R$ 7 milhões não reembolsáveis na exploração sustentável dos recursos encontrados no mar.

A iniciativa abrange o desenvolvimento do Planejamento Espacial Marinho (PEM) da costa brasileira, idealizado desde 1960, que diz respeito ao uso sustentável do território marítimo brasileiro, chamado Amazônia Azul, por meio do planejamento, organização e mapeamento dos recursos naturais costeiros, área esta caracterizada pela riqueza em recursos naturais e minerais, sendo comparável à Floresta Amazônica em termos de importância para o país.

De acordo com o GOV, trata-se de uma área que compreende 3,6 milhões de quilômetros quadrados (o equivalente a 67% do território terrestre), estendendo-se do litoral brasileiro até o limite exterior da Plataforma Continental, localizada na Zona Econômica Exclusiva (ZEE).

A Economia Azul também tem por inspiração os objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas; com os 10 Desafios estabelecidos pela IOC-Unesco para a Década do Oceano; com as Cinco Dimensões dos Objetivos de Desenvolvimento Interior (ODI); com os Modelos Econômicos Circulares e Regenerativos; e com a moldura de investimento sustentável ESG.

Portanto, busca equilibrar o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental, por intermédio de inovações tecnológicas e de políticas públicas para garantir a sustentabilidade dos oceanos e dos recursos hídricos, de modo a proporcionar, paralelamente, benefícios econômicos e sociais para as comunidades costeiras e globais.

Modelos econômicos adequados ao desenvolvimento sustentável

Dessa forma, tais modelos econômicos são abordagens que consubstanciam medidas práticas de desenvolvimento sustentável, ao ponderarem e harmonizarem princípios inerentes às atividades humanas e produtivas com as necessidades de preservação do ecossistema, garantindo-se, assim, maior consciência acerca de temas como a inclusão social e o bem-estar das gerações presentes e futuras.

Aplicando-as de forma sistêmica, pode-se alcançar um grau mais elevado de excelência, de eficácia e de qualificação e, assim, produzir resultados mais significativos sob todas as perspectivas, tanto para o meio ambiente, quanto para o campo dos negócios e para a sociedade, que é o usuário final.

Nesse sentido, de acordo com pesquisa realizada pela Union + Webster, divulgado pela Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), cerca de 87% da população brasileira prefere comprar produtos e serviços de empresas sustentáveis e 70% dos entrevistados disse que não se importa em pagar um pouco mais por isso.

A adoção de uma gestão sustentável e responsável são postulados do mundo atual. Essas normas, portanto, representam um importante mecanismo de prevenção e mitigação de acidentes ambientais provocados pela atividade produtiva, além de promoverem a redução significativa do consumo e descarte de recursos, a valorização da diversidade e a implementação de códigos de ética anticorrupção.

Conclusão

Para que a justiça climática seja uma realidade, é necessário um esforço coordenado entre poder público, sociedade civil e setor privado. Deve-se criar um ambiente institucional propício, por meio da implementação de políticas públicas integradas com educação ambiental e desenvolvimento econômico, de modo que as comunidades afetadas sejam protagonistas na construção de soluções e possam influenciar nas decisões. Portanto, a cooperação internacional, o financiamento climático e a participação social são alicerces essenciais para que o Brasil consiga avançar nessa direção e seja capaz de atender as demandas das gerações futuras.

Autores

  • é advogada, mestre em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), especialista pela Fundação Escola Nacional do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (FESMPDFT), certificada em Liderança e Negociação pela Universidade de Harvard, especialista em Direito e Economia pela Universidade de Chicago (Uchicago), estudante visitante na New York University (NYU) e coordenadora da Escola Nacional da Magistratura (ENM).

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