reconhecimento falho

Homem acusado de roubo por causa de pinta e aparelho dental é absolvido

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6 de outubro de 2024, 7h31

Um homem acusado de roubo e extorsão mediante sequestro contra uma família foi absolvido em primeiro grau pela Justiça de São Paulo por falta de provas da autoria do crime.

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Homem foi levado para delegacia sem saber que passaria por reconhecimento

A acusação contra ele havia se baseado no reconhecimento por uma das três vítimas do crime, que afirmou se recordar de que um dos criminosos tinha uma pinta acima da sobrancelha e usava aparelho dental.

A família foi rendida por cinco pessoas em uma chácara. Na ocasião do registro do boletim de ocorrência, um dos policiais mostrou à vítima uma foto do acusado, que é morador da cidade, e ela disse reconhecer ser ele um dos autores.

A prática é conhecida como show-up fotográfico, quando é exibido à vítima apenas um rosto, sob a sugestão de ser aquele o autor de determinado crime, sem a apresentação de alternativa.

O acusado foi, então, levado à sede policial, onde foi reconhecido também presencialmente pela vítima.

Reconhecimento falho

Ao absolver o acusado, a juíza Vanessa Pereira da Silva, da Comarca de Cunha (SP), afirmou que o rito de reconhecimento, previsto no artigo 266 do Código de Processo Penal, é dispensável na circunstância em que a vítima tem certeza sobre a identidade do acusado, como na situação em que já o conhece.

Esse, no entanto, não era o caso em questão: “A vítima não detinha relacionamento próximo com o acusado, tampouco o via com frequência, a ponto de, ao vislumbrar seu algoz, em momento de extrema violência e stress emocional, poder reconhecê-lo de modo indubitável e justificar o completo abandono do rito do art. 226 do CPP”.

O acusado do roubo foi reconhecido sem acompanhamento de testemunha, sem alinhamento de suspeitos de característica física semelhante e sem a prévia descrição do agente pela vítima, como é previsto em lei.

Ele ainda relatou que, ao ser abordado para ir à delegacia, não foi informado sobre o motivo para tal.

Para a juíza, a pinta e o aparelho dental “são características físicas compatíveis com a do réu, mas não exclusivas e/ou singulares, capazes de levar à certeira identificação do acusado pela mera visualização prévia de fotografias e de apontamento pessoal, sem filamento com outros suspeitos de características semelhantes”.

A julgadora ainda destacou que não atribui à vítima e à polícia a intenção de prejudicar o acusado ao julgar que o reconhecimento foi falho e, portanto, insuficiente para provar a autoria delitiva.

“O que se admite é a possibilidade de terem sido construídas falsas memórias na pessoa ofendida, a qual certamente espera a punição daqueles que a fizeram passar, com outras duas vítimas, momentos de terror.”

Sem qualquer prova

Vanessa Silva também pontuou que não foram encontradas com o acusado quaisquer outras provas de participação no caso, como itens roubados ou as armas de fogo utilizadas no crime. “Nem sequer houve movimentação de dinheiro suspeita que pudesse indicar ter ele tomado posse dos valores subtraídos”, afirmou a juíza.

À exceção da vítima do roubo que afirmou ter reconhecido o acusado, nenhuma outra pessoa relatou tê-lo visto no momento do crime ou, mesmo depois do ocorrido, em atitude suspeita ou sob posse de pertences roubados.

“Ao contrário, a prova oral corrobora álibi apresentado pelo réu em vídeo que foi, inclusive, considerado na decisão para revogação da prisão preventiva, no sentido de que possivelmente o averiguado estava com amigos em local diverso, nas proximidades do horário em que os fatos descritos na inicial ocorriam”, escreveu a juíza.

Ela ponderou, por fim, que, em que pese o sofrimento das vítimas, “entre eventual impunidade do culpado e a condenação de um inocente (tanto mais por crimes tão grave e dos quais resultariam pena elevada), prefere a Constituição Federal a presunção de inocência, com a absolvição diante da falta de provas seguras da autoria”.

Atuaram na causa os advogados Juliano Callegari Melchiori e Arthur Prado Neves, do escritório Prado e Callegari Advogados.

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Processo 0000862-23.2016.8.26.0159

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