Supremo fixa tese sobre absolvição por clemência no Tribunal do Júri
3 de outubro de 2024, 15h52
O Supremo Tribunal Federal fixou, nesta quinta-feira (3/10), tese sobre a possibilidade de tribunais de segunda instância determinarem novo júri em caso de absolvição por quesito genérico, nas situações em que há contrariedade às provas dos autos.
O caso foi analisado na quarta-feira (2/10). Os ministros, no entanto, não definiram a tese. Segundo Luís Roberto Barroso, presidente do STF, os magistrados conversaram internamente entre esta quarta e esta quinta e chegaram a uma tese proposta por Edson Fachin.
Em um dos pontos da tese, o STF decidiu que a segunda instância não determinará novo júri quando a absolvição por clemência tiver sido levantada pela defesa no julgamento, e desde que essa clemência não contrarie precedentes vinculantes da corte.
Foi fixado que:
1) É cabível recurso de apelação com base no artigo 593, inciso 3, alínea d, do Código de Processo Penal, nas hipóteses em que a decisão do Tribunal do Júri, amparada em quesito genérico, for considerada pela acusação como manifestamente contrária à prova dos autos;
2) O tribunal de apelação não vai determinar novo júri quando houver apresentação constante em ata de tese que conduz à clemência ao acusado e esta for acolhida pelos jurados, desde que seja compatível com a Constituição, com os precedentes vinculantes do STF e com as circunstâncias fáticas do processo.
O caso
Na quarta, a corte decidiu, por maioria de votos, que pode haver apelação e determinação de novo júri nos casos de absolvição assentada em quesito genérico quando a decisão absolutória contraria as provas dos autos. Prevaleceu o voto divergente apresentado pelo ministro Edson Fachin.
O julgamento, com repercussão geral (Tema 1.087), envolve caso em que o conselho de sentença reconheceu a materialidade e a autoria de tentativa de homicídio, mas decidiu pela absolvição do acusado por clemência.
A apelação do Ministério Público foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Os desembargadores entenderam que o princípio da soberania do júri impede a cassação da decisão.
De acordo com o TJ-MG, o sistema de íntima convicção, adotado nos julgamentos feitos pelo júri popular, admite a absolvição por quesitos genéricos, tais como clemência, piedade ou compaixão.
O MP-MG entrou com recurso no STF sustentando que a absolvição por clemência não é permitida no ordenamento jurídico e que ela significa a autorização para o restabelecimento da vingança e da justiça com as próprias mãos.
O julgamento foi iniciado no Plenário Virtual em 2020, mas recomeçou presencialmente após Alexandre pedir destaque.
Voto vencedor
Fachin entendeu que a anulação de decisões absolutórias, com determinação de novo júri, não fere a soberania dos vereditos quando a decisão for tomada em contrariedade às provas dos autos. Ele foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.
Segundo Fachin, embora o júri possa absolver com base em clemência, a decisão não pode contrariar princípios constitucionais nos casos que são insuscetíveis de graça, anistia ou perdão, como os crimes hediondos.
“Não se podendo identificar a causa de exculpação ou então não havendo qualquer indício probatório que justifique plausivelmente uma das possibilidades de absolvição, ou ainda sendo aplicada a clemência a um caso insuscetível de graça ou anistia, pode o Tribunal ad quem, provendo o recurso da acusação, determinar a realização de novo júri”, disse Fachin.
Ainda segundo o ministro, se os crimes hediondos são insuscetíveis de graça ou anistia, conforme a Constituição, os tribunais de segunda instância podem, sim, examinar se a decisão absolutória é compatível com o ordenamento constitucional.
“Como se observa da leitura dos fundamentos acolhidos, o recurso de apelação foi denegado, ante o reconhecimento da possibilidade de se conceder clemência ao acusado. Ocorre, no entanto, que a clemência que se reconheceu como sendo a causa de absolvição do júri recaiu sobre crime hediondo.”
Voto do relator
Para Gilmar, relator do caso, a Constituição prevê a soberania dos vereditos, ao passo que o Código de Processo Penal possibilita a absolvição por qualquer motivo a partir do quesito genérico. Ele foi acompanhado pelos ministros Celso de Mello, hoje aposentado, Cristiano Zanin e André Mendonça.
“Cumpre ressaltar que não há aqui qualquer favorecimento à impunidade de crimes graves. Na verdade, por um lado, trata-se de opção constitucional pela soberania dos veredictos. Por outro, de opção do legislador infraconstitucional pela estruturação no CPP de um sistema de julgamento por jurados sem qualquer necessidade de motivação da decisão tomada pelos leigos”, disse o ministro.
Ele discordou do argumento da Procuradoria-Geral da República de que é preciso respeitar o duplo grau de jurisdição e o direito ao recurso para a acusação, nos termos da Convenção Americana de Direitos Humanos. Segundo ele, a convenção prevê os direitos como sendo de titularidade da defesa, e não do órgão acusatório contra decisão absolutória.
“O direito ao recurso, nos termos convencionais, é de titularidade da defesa. Utilizar esse argumento para consolidar direito contra o réu caracteriza o que costuma se denominar de ‘efeito bumerangue’ de direito fundamental: casos em que os tribunais utilizam garantias do imputado para proferir uma sentença que lhe coloca em uma situação processual pior do que a anterior”, disse o decano do STF.
Gilmar, no entanto, afirmou que ficam ressalvados os casos em que for constatado que a conclusão dos jurados se deu a partir da tese da legítima defesa da honra em casos de feminicídio, considerada inconstitucional pelo Supremo em agosto de 2023.
Monopólio da clemência
Zanin acompanhou Gilmar, mas propôs tese própria. Para o ministro, embora seja possível o recurso contra decisão absolutória, não pode haver apelação quando a absolvição ocorra por quesito genérico a pedido da defesa.
“O juiz que preside o Tribunal do Júri tem de exortar o jurado a fazer justiça. Essa é a previsão da lei: exortar o jurado a fazer justiça. Isso me faz crer que o quesito genérico contempla, sim, um pedido de clemência, desde que seja uma tese de defesa sustentada no Tribunal do Júri”, defendeu Zanin.
O ministro também lembrou que, no caso em discussão, o Ministério Público só apelou contra a absolvição por clemência, sem recorrer quanto ao outro réu que também foi acusado.
Segundo ele, permitir novo júri em casos de absolvição por quesito genérico dá ao MP, na prática, a atribuição de clemência, já que o órgão pode recorrer de alguns casos e não de outros, como na discussão em questão.
“Se tirarmos dos jurados ou do Poder Judiciário a possibilidade de dar a clemência, quem ficará com essa atribuição ou poder será o Ministério Público, tal como aconteceu no caso dos autos. O MP aqui deu clemência a uma das rés ao não interpor apelação contra ela.”
ARE 1.225.185
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