Algo de errado ocorre na política de crédito consignado
3 de outubro de 2024, 6h31
As recentes e consecutivas reduções do teto de juros do consignado para beneficiários do INSS recomendadas pelo Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) e ratificadas pelo Ministério da Previdência Social necessitam de um olhar mais atento dos demais atores políticos e agentes econômicos que atuam nessa importante modalidade de crédito do país.

Não é novidade para ninguém que essas reduções vêm sendo operacionalizadas a fórceps, por meio de simples vontade política do governante de ocasião, sem qualquer senso de racionalidade econômica ou mesmo maiores preocupações estratégicas com as consequências desse modo de proceder.
Posturas como essa remetem a regimes totalitários vividos no Brasil recentemente e inaceitáveis em uma democracia. Assim é que saltam aos olhos que as consequentes reduções do teto de juros sugeridas pelo CNPS e levadas a efeito pelo Ministério da Previdência tenham passados incólumes do ponto de vista jurídico — até então não se tem notícia de qualquer judicialização sobre o tema —, em face de um ato administrativo evidentemente viciado pela incompetência.
Incompetência administrativa e vício de ilegalidade
Essa afirmação fica clara quando se constata que os artigos 3º e 4º da Lei nº 4.595/64 conferem competência exclusiva ao CMN (Conselho Monetário Nacional) para formular políticas de crédito nesse país. Nesse sentido, não é demais lembrar que o inciso IX do artigo 4º da Lei nº 4.595/64 é expresso no sentido de conferir competência ao CMN para “limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros (…)”.
Assim, qualquer decisão administrativa sobre política de crédito que não seja corroborada pelo CMN possui vício de ilegalidade por manifesta incompetência administrativa, agredindo em cheio o princípio constitucional da legalidade descrito no artigo 5º, II, e do artigo 37, caput, ambos da Constituição.
Não é preciso relembrar que a legalidade administrativa representa uma garantia aos direitos fundamentais individuais dos administrados. Os preceitos legais que conferissem à administração pública, a título imaginário, o poder de restrição à liberdade econômica e à propriedade privada ao seu alvedrio, sem necessidade de observância de quaisquer parâmetros ou diretrizes previamente observados pela autoridade no que toca a sua competência, seriam evidentemente taxados de inconstitucionais.
Lei da Previdência e Regimento Interno do CNPS
Já não fosse a clareza das normas constantes da Lei nº 4.595/64, é importante destacar que inexiste qualquer menção explícita ou implícita no artigo 4º da Lei nº 8.213/91 (Lei Geral da Previdência Social) que permita supor que o CNPS ou o Ministério da Previdência seriam os órgãos competentes para recomendar ou mesmo limitar os juros praticados no crédito consignado oferecido aos beneficiários do INSS.

À idêntica conclusão se chega, quando se analisa o Regimento Interno do CNPS (Resolução nº 1.212/02). Não há qualquer linha dedicada ao tema nesse documento. Na verdade, tanto a Lei 8.213/91 que institui o CNPS, bem como a Resolução nº 1.212/2002 que cria o seu regimento interno, definem o CNPS como sendo um “órgão superior de deliberação colegiada”, com funções meramente consultivas ao Ministério da Previdência Social, este sim, órgão executor e condutor da malsinada política de crédito consignado.
Diante desse arcabouço legislativo, fica evidente que foi o próprio CNPS, com o auxílio do Ministério da Previdência, que se investiu no poder de definir arbitrariamente a política de crédito consignado do país, arrogando para si a competência de fixar os percentuais de juros cobrados sob essa modalidade.
Tal modo de proceder fica evidente, quando se constata o teor da Portaria nº 1.467/2022 do Ministério da Previdência Social, que no §2º do artigo 18 do anexo VIII, lhe confere de maneira mágica e surpreendente os poderes para alterar taxas de juros através de suas unidades gestoras, sem qualquer participação ou gerência do CMN, como se tal ato de natureza administrativa e infralegal pudesse assim dispor.
Tal postura viola de maneira explícita a legalidade administrativa, seja em seu conceito tradicional em razão de ausência de previsão legal expressa para o exercício dessa prerrogativa, seja ainda pela legalidade administrativa em seu conceito mais flexível, corroborado pela atual jurisprudência do STF. Além disso, tal conduta configura abuso de poder regulatório, nos termos do artigo 4º da Lei de Liberdade Econômica. Afinal, a redução contínua das taxas de juros do consignado tem sido apontada por setores econômicos como um dos pontos centrais da redução da oferta desse tipo de crédito pelas instituições financeiras.
Ninguém em sã consciência pode defender a adoção de medidas totalitárias como essa. Já passou do tempo em que as relações da administração pública com os administrados eram regidas pelo binômio poder-dever, no qual o Estado era dono do poder absoluto e administrava mediante a imposição de ordens. Somente uma participação efetiva dos demais atores que compõem o mercado de crédito consignado é capaz de conferir razoabilidade econômica a essa inadequada e totalitária política pública, que afasta as possibilidades de pensionistas e aposentados do INSS de obter crédito de mais baixo custo.
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