Reconsideração da reclamação constitucional no STJ: impactos na estabilização da jurisprudência
2 de outubro de 2024, 6h09
O Superior Tribunal de Justiça enfrenta, atualmente, um relevante debate sobre a utilização da reclamação constitucional como instrumento de controle de teses fixadas em julgamentos de recursos repetitivos. Historicamente, o STJ adotou uma postura defensiva, limitando o uso da reclamação em situações que envolvam a aplicação de teses vinculantes, com o objetivo de evitar o aumento no número de litígios e proteger a celeridade processual. No entanto, esse posicionamento tem sido alvo de críticas tanto no meio jurídico quanto dentro do próprio tribunal.
Recentemente, durante uma sessão da Corte Especial, composta pelos ministros mais antigos do STJ, a ministra Nancy Andrighi solicitou vistas sobre a proposta de edição de uma súmula que reafirmaria a restrição da reclamação para controlar a aplicação de teses firmadas em recursos repetitivos. Esse movimento abre espaço para a reavaliação de tal postura, o que pode gerar mudanças significativas no regime de precedentes do tribunal.
Função da reclamação constitucional no sistema jurídico
A reclamação constitucional é um importante mecanismo processual previsto nos artigos 102, I, “l” e 105, I, “f” da Constituição, que visa a preservação da competência dos tribunais superiores e a garantia da autoridade de suas decisões. Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), a função da reclamação foi ampliada para assegurar a observância de precedentes vinculantes, como por exemplo, os fixados em julgamentos de recursos extraordinários com repercussão geral, recursos especiais repetitivos, incidentes de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e Incidentes de Assunção de Competência (IAC).
Contudo, o STJ tem sido reticente quanto ao uso da reclamação para discutir a aplicação incorreta de teses vinculantes em decisões de tribunais inferiores. A preocupação central é que a admissibilidade irrestrita desse recurso poderia sobrecarregar a corte, comprometendo sua capacidade de uniformizar a interpretação da legislação federal e promover a celeridade processual.
Críticas à restrição da reclamação
A vedação imposta pelo STJ ao uso da reclamação constitucional em casos de aplicação incorreta de teses repetitivas tem gerado críticas, tanto na doutrina quanto entre ministros do próprio tribunal. Especialistas argumentam que a falta de um controle efetivo sobre a aplicação de precedentes pelos tribunais inferiores compromete a segurança jurídica e a uniformidade da jurisprudência.
Durante o julgamento da Reclamação 36.476/SP, ministros como Isabel Gallotti e Luis Felipe Salomão destacaram a necessidade de mecanismos mais eficazes para monitorar a correta aplicação das teses vinculantes. Gallotti, em particular, ressaltou a importância de um controle rigoroso sobre o cumprimento das decisões em recursos repetitivos, enquanto Salomão apontou a prática adotada pelo Supremo Tribunal Federal, que já permite a utilização da reclamação para assegurar a observância de precedentes.
Reclamação coletiva como solução
Diante desse cenário, propomos a adoção da “reclamação coletiva” como uma solução viável para o controle da aplicação de teses vinculantes, conforme já defendido por nós em artigo publicado na Revista Brasileira de Direito Processual (dezembro de 2022, Vol. 30, Iss: 120, pp 1-31).
A reclamação coletiva seria um instrumento capaz de garantir que os precedentes sejam respeitados de forma uniforme, evitando que milhares de litígios individuais discutam a mesma questão de direito.
A reclamação coletiva traria, ainda, maior celeridade processual e eficiência ao sistema judicial, já que seus efeitos teriam validade “erga omnes”, aplicando-se a todos os casos que envolvam a mesma tese. Assim, o STJ poderia manter seu papel de guardião da uniformidade jurisprudencial, sem se ver sobrecarregado com uma multiplicidade de reclamações individuais.
Impacto da mudança de entendimento
Caso o STJ reavalie sua postura e passe a admitir a reclamação constitucional para discutir o descumprimento de teses fixadas em recursos repetitivos, isso aproximaria sua jurisprudência à do STF, que já reconhece a reclamação como meio adequado para garantir a aplicação de seus precedentes. Essa mudança traria maior harmonia entre as duas cortes de vértice e reforçaria a segurança jurídica no sistema de precedentes obrigatórios, uma vez que a palavra final acerca da interpretação de seus próprios precedentes ficaria a cargo da própria corte e não delegada aos Tribunais inferiores.
Além disso, a adoção da reclamação coletiva proporcionaria um controle mais eficiente e abrangente da aplicação de decisões vinculantes, preservando a integridade dos precedentes e, ao mesmo tempo, evitando a sobrecarga dos tribunais com litígios repetitivos.
Considerações finais
O debate sobre o cabimento da reclamação constitucional no STJ para o controle de teses vinculantes em recursos repetitivos é de grande relevância para o futuro da uniformização jurisprudencial no Brasil. A reavaliação da postura da Corte Especial, aliada à adoção de um modelo de reclamação coletiva, poderia representar um avanço significativo na estabilização da jurisprudência e na garantia de uma aplicação coerente e uniforme dos precedentes.
Esse movimento teria o potencial de remodelar a forma como o STJ exerce sua função de intérprete da legislação federal, proporcionando maior eficiência ao sistema judicial e segurança jurídica aos jurisdicionados. Em última análise, a reclamação coletiva se apresenta como uma solução viável e promissora para o controle das decisões judiciais no contexto dos recursos repetitivos, trazendo benefícios tanto para o Poder Judiciário quanto para a sociedade como um todo.
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