Buscas feitas por guardas municipais não são ilegais se devidamente justificadas, de acordo com o entendimento da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que considerou válidas as provas obtidas por guardas municipais em uma busca domiciliar.
Prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Ele foi acompanhado pelos ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia e Luiz Fux, enquanto o ministro Cristiano Zanin ficou vencido. Para ele, a Guarda Municipal não tem a atribuição de fazer busca pessoal e domiciliar.
No caso concreto, o acusado teria dispensado entorpecentes embalados ao avistar os agentes municipais. Posteriormente, os guardas foram até a residência do suspeito e ingressaram no domicílio. Lá, foram encontradas drogas diversas e em grande quantidade.
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça havia entendido que a dispensa das drogas não justificava a busca subsequente e que a Guarda Municipal não tem a atribuição de atuar ostensivamente. Dessa maneira, o colegiado do STJ anulou as provas.
Flagrante permanente
Alexandre votou para cassar o acórdão do STJ. De acordo com ele, o tráfico de entorpecentes é classificado como crime permanente, de forma que aquele que o comete continua em estado de flagrância.
O magistrado sustentou seu argumento dizendo que traficantes com frequência levam pequena quantidade de droga, e depois voltam para pegar mais no local em que elas estão armazenadas. A posição do ministro é a de que o acusado continuou em situação de flagrância ao buscar mais drogas na residência, o que justificou a busca.
“Encontrado o entorpecente na sacola, nós estamos em flagrante permanente. Eles vão até a casa, pegam um pouco e vendem. O combate a esse tráfico se dá no flagrante permanente”, disse ele ao justificar a validade das provas.
O ministro também criticou o STJ. Para ele, a corte superior está descumprindo decisões do Supremo ao anular provas obtidas em buscas feitas por guardas municipais.
“Mesmo com reiteradas decisões nossas, o Superior Tribunal de Justiça continua, em alguns casos idênticos, desrespeitando o posicionamento majoritário do Supremo Tribunal Federal.”
Divergência
Zanin foi o único a divergir dos colegas. Para ele, guardas municipais não têm o “poder irrestrito” de policiamento ostensivo e investigativo, mas o de salvaguardar o patrimônio público.
“As Guardas não têm atribuição para realizar buscas pessoais ou domiciliares. Na minha visão, a possibilidade de flagrante delito por guardas municipais em delitos previstos na Lei de Drogas pressupõe que a identificação da prática do crime não envolva qualquer diligência investigativa.”
No caso concreto, segundo o ministro, a Guarda Municipal atuou com fins investigativos, fora de seu escopo de atuação, e deveria ter informado à Polícia Militar, em vez de ela mesma fazer as buscas.
“Para chegar nessa situação, foi necessário que a Guarda Municipal realizasse diligência que, ao meu ver, não poderia ter sido realizada. Se havia uma situação envolvendo drogas, a Guarda Municipal deveria ter chamado a PM, e não ela própria ter ido na casa da pessoa.”
Tema controverso
O tema é controverso dentro do próprio Supremo. Em agosto de 2023, o Plenário da corte decidiu que as Guardas Municipais integram o Sistema de Segurança Pública (Susp).
Há ministros, no entanto, que entendem que, apesar do reconhecimento, as Guardas Municipais têm um escopo de atuação bem definido, que não inclui abordagens e buscas pessoais.
Em outubro do ano passado, por exemplo, o ministro Edson Fachin, que integra a 2ª Turma, entendeu que reconhecer que as Guardas integram o Susp não autoriza que elas extrapolem sua competência, que é a de proteger bens, serviços e instalações do município.
Na ocasião, o ministro manteve a absolvição de uma pessoa que foi abordada e revistada por guardas municipais e processada por tráfico de drogas.
Especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico em 2023 também entenderam que considerar a Guarda Municipal como integrante do Susp não autoriza a abordagem e revista.
Já no STJ, há consenso entre as turmas criminais sobre a nulidade de provas obtidas em busca pessoal e domiciliar feita por guardas municipais. Em setembro do ano passado, a 3ª Seção da corte, que reúne os ministros dos colegiados criminais, reafirmou que a atuação da Guarda Municipal se restringe à proteção de bens, instalações e patrimônios do município.
RE 1.468.558