Afronta às normas no uso indiscriminado de medicamentos análogos de GLP-1
1 de outubro de 2024, 11h17
Entre os halteres e as esteiras lotadas, um grupo de amigos comentava sobre o mais novo “segredo” para emagrecer que estava circulando: um medicamento para diabetes, que, segundo boatos, prometia uma perda de peso rápida. Curiosos, alguns dos presentes já haviam “encomendado” o famoso remédio e aguardavam ansiosos pelos resultados. Nenhum deles relatou ser obeso ou, salvo engano, portador de diabetes. No fim, soou como mais uma moda passageira, eficaz apenas para perder alguns quilos antes do feriado prolongado ou da temporada de verão.
Suspeitei que nenhum dos presentes havia recebido orientação médica adequada. Curiosa, perguntei mais sobre o assunto e confirmei minhas suspeitas: o nome do medicamento foi compartilhado entre eles, com a justificativa de que “não era perigoso”, já que podia ser comprado sem prescrição médica na farmácia ou até mesmo em aplicativos de compra pelo celular.
Ao investigar o medicamento, constatei que ele realmente era aprovado para perda de peso no país (mas apenas para pacientes com obesidade). A sua outra versão, mais famosa e amplamente divulgada, tem indicação exclusiva para diabetes.
Pelo que entendi, em termos leigos, tratava-se de um análogo de um hormônio intestinal que auxiliava na regulação metabólica dos níveis de insulina, resultando em uma perda rápida de peso devido à drástica redução do apetite. No entanto, verifiquei também que, apesar de estar disponível em drogarias, o medicamento era classificado como “sob prescrição médica”, o que significa que sua indicação e uso requerem avaliação e acompanhamento médico. Além disso, tratava-se de um medicamento injetável.
Sabemos que a busca por resultados estéticos rápidos acaba obscurecendo os riscos envolvidos, que, neste caso, conforme bula registrada na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), englobavam desde efeitos colaterais leves até complicações graves, como pancreatite.
Essa breve história revela uma realidade alarmante: o uso indiscriminado de medicamentos que exigem prescrição, sem a devida orientação de profissionais de saúde.
Agora, você deve estar se perguntando: o que há de jurídico em tudo isso? E eu te respondo: muita coisa.
Controle sanitário
A atuação das farmácias no Brasil vai muito além da simples comercialização de medicamentos. Elas são as detentoras da autorização sanitária emitida pela Anvisa para a dispensação de medicamentos, assumindo uma responsabilidade crucial na cadeia de proteção à saúde pública, especialmente quando se trata de medicamentos sob prescrição.
Farmácias, drogarias, indústrias farmacêuticas e outras empresas do setor são reguladas pela Anvisa e estão sujeitas às suas resoluções, que visam estabelecer normas rigorosas para assegurar a saúde pública em conjunto com o arcabouço legal vigente.
A Lei Federal nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, é clara ao tratar do Controle Sanitário do Comércio de Drogas, Medicamentos e Insumos Farmacêuticos, atribuindo à Anvisa e aos conselhos de classe a competência para fiscalizar essas atividades.
Um exemplo dessa regulamentação é a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 44, de 17 de agosto de 2009, que estabelece as boas práticas farmacêuticas. Ela determina que os medicamentos sujeitos à prescrição somente podem ser dispensados mediante apresentação da receita, cabendo ao farmacêutico verificar sua validade e conformidade. Diversas outras resoluções dos conselhos de classe reforçam o papel essencial do farmacêutico na análise de prescrições, garantindo a proteção da saúde dos pacientes.
Risco à saúde pública
Essas normas funcionam como salvaguardas tanto para a saúde individual dos pacientes quanto para a integridade do sistema de saúde como um todo. Ao exigir que medicamentos sob prescrição sejam dispensados apenas após uma análise criteriosa das receitas, a legislação busca prevenir os riscos da automedicação e do uso indiscriminado de medicamentos pelo público leigo. A proibição da publicidade de medicamentos sujeitos à prescrição para o público em geral reforça essa preocupação, impedindo práticas que incentivem a automedicação.
Essas exigências legais refletem um equilíbrio necessário entre o direito à saúde, consagrado no artigo 196 da Constituição, e a necessidade de controle sobre a comercialização de substâncias que, quando usadas de forma inadequada, podem trazer graves consequências. O descumprimento dessas normas pode resultar em sérias consequências jurídicas para as farmácias, incluindo sanções administrativas impostas pela Anvisa, como advertências, multas e, em casos mais graves, a interdição do estabelecimento.
O que chama a atenção é o aumento descontrolado do uso desses medicamentos sem a devida orientação médica ou controle nos pontos de venda, o que representa um grande risco à saúde pública. Não se trata de questionar a eficácia ou segurança dos medicamentos, mas sim de entender por que sua venda tem ocorrido sem a análise apropriada das prescrições médicas, algo que não pode ser permitido.
É preciso que os poderes públicos e os conselhos de classe estejam atentos a essa questão e conduzam uma averiguação junto à classe médica.
Do ponto de vista legal, que é o que me cabe, esses medicamentos se enquadram claramente como “sob prescrição médica”, ou seja, a dispensação depende da indicação médica.
O uso indiscriminado, como observado no relato aqui narrado e que pode ser o caso de centenas de outros cidadãos, coloca em risco a saúde de inúmeras pessoas por falta de cumprimento efetivo das normas que regulam a dispensação.
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