Transparência e Governança

Resolução CVM 193 e adoção das normas de divulgação de informações de sustentabilidade

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1 de outubro de 2024, 8h00

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou, no dia 20 de outubro de 2023, a Resolução CVM nº 193/2023, que dispõe sobre a elaboração e divulgação do relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, com base no padrão internacional emitido pelo International Sustainability Standards Board (ISSB).

Por meio da referida regra, a autarquia reguladora do mercado de capitais estimulou, de forma voluntária, para companhias abertas, fundos de investimento e companhias securitizadoras, a elaboração e divulgação de relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade com base no padrão internacional (IFRS S1 e S2) emitido pelo ISSB.

Com isso, o Brasil tornou-se o primeiro país do mundo a adotar relatórios com essa padronização, seguindo a decisão da Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários (Iosco), que havia recém-endossado esses padrões de divulgação internacionais seguindo os parâmetros do IFRS S1 e S2, conforme emitido pelo ISSB.

A corajosa decisão do Brasil trouxe muitos reconhecimentos internacionais para o nosso país, além de ter sido capaz de despertar reflexões a respeito das oportunidades relacionadas às finanças sustentáveis e à economia verde no âmbito do mercado de capitais.

Os modelos econômicos tradicionais foram desenvolvidos em épocas de abundância de recursos. Tempos nos quais as questões de sustentabilidade estavam colocadas à margem das priorizações e apenas a geração do lucro e a maximização do capital investido eram prestigiadas e valorizadas. Nos referimos a períodos em que a teoria financeira não atribuía valor aos aspectos ambientais, sociais e de governança (ASG). Da mesma forma, pautas globais relevantes, como o controle de mudanças climáticas, a preservação ambiental e a necessidade de valorização da agenda sustentável no contexto das decisões de investimento e, consequentemente, na alocação de recursos financeiros, não eram, devidamente, apreciadas e valorizadas.

Nitidamente, o mundo evoluiu e essas temáticas, antes presentes apenas em debates ambientalistas, foram ressignificadas e adequadas a novos contextos e realidades. A lucidez quanto à premência de observância de cuidados para evitar a escassez de recursos naturais, bem como controlar mudanças climáticas e impedir o aquecimento global, trouxeram percepções diferenciadas acerca da indispensabilidade de conciliação da sustentabilidade com os preceitos tradicionais das finanças no ambiente de negócios.

Cientes deste cenário, os investidores passaram a considerar não apenas os retornos financeiros. Os impactos ambientais, sociais e de governança das empresas em que investem, inclusive, por conta da necessidade de preservação dos recursos para as gerações futuras, entraram cada vez mais em foco, tanto em nível nacional quanto internacional.

No Brasil e no mundo, há o reconhecimento da importância de pautas em prol da transição e da mitigação das emissões de carbono, da mesma forma em que há valorização da Economia Circular. Neste âmbito, o sistema financeiro é capaz de desempenhar um importante papel, com a distribuição de capital para sua aplicação mais eficiente. A primordialidade de conciliar a sustentabilidade com as finanças tem se mostrado cada vez mais clara e imediata. Com isso, perspectivas positivas estão nítidas para o nosso país.

Sustentabilidade global

A demanda por investimentos responsáveis e alinhados com critérios de sustentabilidade tem ganhado relevância, já que a análise de riscos relacionados a questões ASG tornou-se parte importante das decisões de investimento. Assim, empresas que demonstram (e comprovam!) boas práticas nessas áreas podem ser mais atraentes para os investidores e o Brasil tem condições de ser um dos grandes protagonistas mundiais nesta seara.

Nesta esteira, as Organizações das Nações Unidas (ONU) elaboraram a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável de maneira a orientar a transformação em direção ao que é considerado uma economia inclusiva e plural. Mas, afinal, por que as finanças deveriam contribuir para o desenvolvimento sustentável?

As finanças sustentáveis trazem consigo muitas oportunidades. Elas têm o potencial de desempenhar papel proeminente na distribuição de investimentos para empresas e iniciativas ambientalmente conscientes, acelerando a transição para um modelo econômico mais verde e sustentável.

Atenta a este cenário, além da já citada Resolução CVM nº 193/2023, a CVM tem firmado passos consistentes. Em 23 de janeiro de 2023, por meio da Portaria CVM/PTE/Nº 10, a autarquia aprovou a política de finanças da entidade, que possui as seguintes diretrizes estratégicas:

  • fomentar as finanças sustentáveis no âmbito do mercado de capitais, reconhecendo seu papel fundamental na atração de investimentos e no alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS);
  • conforme as especificidades dos setores econômicos, fortalecer a transparência das informações ASG no mercado, de modo a propiciar sua incorporação para a tomada de decisão de investimento, o que contribui para uma formação de preços de ativos mais eficiente e para a proteção do investidor;
  • buscar, em conjunto com outros agentes públicos ou privados interessados, a construção de uma taxonomia voltada ao tema das finanças sustentáveis;
  • direcionar ações de supervisão que busquem coibir o greenwashing no âmbito do mercado de valores mobiliários;
  • promover cooperações técnicas e trocas de experiências em finanças sustentáveis, de modo a elevar o seu grau de entendimento, de atualização, e de formulação de iniciativas; e
  • incentivar a educação financeira e a inovação como ferramentais para o engajamento e a disseminação das finanças sustentáveis, estimulando as melhores práticas desses instrumentos no mercado de capitais.

Adicionalmente e no que diz respeito a ações concretas, executivas e operacionais, a CVM lançou, em 6 de outubro de 2023, o Plano de Ação de Finanças Sustentáveis. No documento, a autarquia apresentou 17 iniciativas para desenvolver no decorrer de dois anos. O escopo do plano de ação contempla, em suas metas e objetivos, os seguintes aspectos para fomentar as finanças sustentáveis:

  • aprimoramento e criação de normas específicas;
  • supervisão e combate ao greenwashing;
  • orientação a participantes do mercado;
  • educação para o investidor;
  • capacitação dos servidores da autarquia;
  • integridade institucional.

Regulação e linguagem padronizada

Ativa e constantemente, a CVM tem trabalhado para aprimorar o arcabouço existente e desenvolver, de maneira pouco invasiva, normas que incentivem a adoção de práticas sustentáveis no mercado de capitais. Isso inclui o fomento à emissão de títulos verdes e a consideração de critérios ASG nas decisões de investimento.

Por exemplo, a Resolução CVM nº 59/2021, publicada em 22 de dezembro de 2021, inovou ao indicar a importância da disponibilização de informações sobre critérios ASG nos Formulários de Referência, além de justificativas, por meio do modelo “pratique ou explique” sobre a adoção de ações neste sentido. Já na Resolução CVM nº 175/2022, publicada em 23 de dezembro de 2022, a CVM reconheceu a possibilidade de os fundos investirem em ativos ambientais como ativos financeiros e trouxe recomendações em relação ao uso de terminologias “ASG” e “verde”.

Importante destacar que a relação entre finanças sustentáveis e o mercado de capitais envolve a busca por investimentos alinhados à criação de instrumentos financeiros específicos para projetos sustentáveis e à influência dos investidores nas práticas e nos conteúdos disponibilizados pelas companhias e demais emissores. Essa relação contribui para a promoção de uma economia mais responsável e para reforçar uma expressão que eu tenho tido a oportunidade de proferir e justificar: “o futuro é verde e digital”.

Neste momento de construção coletiva e valorização da pauta global da sustentabilidade no mercado de capitais, a CVM e os principais reguladores dos mercados de capitais do mundo estão cientes da necessidade de construção de uma linguagem global. Não à toa, este é um dos principais e mais recorrentes tópicos de discussão em fóruns internacionais de standard-setters como são, por exemplo, a Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários (Iosco) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Por falar em construção de uma linguagem global, a expressão Building Blocks, no ambiente internacional, tem sido utilizada para ilustrar a elaboração desse ecossistema interoperável e rastreável integrado, a partir de componentes essenciais que pavimentam a pauta global de práticas financeiras sustentáveis. Os Building Blocks são, essencialmente, três:

  • a Taxonomia Sustentável, que consiste em um sistema de classificação que define, de maneira objetiva e científica, os ativos e/ou categorias de projetos que contribuem para objetivos climáticos, ambientais e/ou sociais;
  • as regras de Reporting, que são parâmetros de divulgação de informações dentro do regime informacional sobre questões relacionadas à sustentabilidade e ao controle das mudanças climáticas, somados aos reportes sobre os aspectos ASG por emissores de valores mobiliários; e
  • as regras de Assurance, que consistem em medidas para verificação, acompanhamento e asseguração das informações prestadas no regime informacional, por meio de auditores independentes e/ou outros agentes econômicos, a fim de se certificar de que os objetivos climáticos, ambientais, sociais e/ou de governança estão sendo alcançados, a fim de evitar o greenwashing.

Ainda, no âmbito desses fóruns de discussão, há consenso no sentido de que precisamos criar meios mundiais para facilitar a alocação eficiente de recursos entre agentes econômicos de diferentes países, independentemente de onde eles estejam territorialmente localizados. Esse movimento pode, inclusive, auxiliar ainda mais o nosso país a atrair recursos e bons negócios, desde que estejamos integrados e fazendo parte deste ambiente global comparável e, minimamente, padronizado.

No que diz respeito ao Brasil, relembro que a Taxonomia Sustentável Brasileira, cuja concepção e construção coletiva é organizada pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, tem sido elogiada internacionalmente pela qualidade e pelo aspecto cuidadoso com a Agenda Social. Na temática do Reporting, conforme demonstrado no decorrer deste artigo, as Resoluções CVM Nº 59/2021 e Nº 193/2023 nos colocam em posição de vanguarda e destaque, mostrando para o mundo que estamos, sim, dispostos a fazer a diferença. Agora, estamos atentos às regras de Assurance. Neste contexto, temos mantido a fundamental atuação integrada com o International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB), órgão internacional de padronização de normas independente, que emite diretrizes, como as Normas Internacionais de Auditoria.

Interoperabilidade, rastreabilidade e a liderança brasileira

É sempre bom lembrar que, especialmente no mercado de capitais, a busca por divulgações padronizadas, está alinhada a objetivos como transparência, comparabilidade e responsabilidade. A transparência promove confiança e oportuniza às partes interessadas a tomarem decisões informadas com base em conteúdos consistentes e claros. A padronização faz com que investidores e demais interessados avaliem e comparem o desempenho, práticas e impacto entre diferentes participantes de maneira eficaz. Já a responsabilidade, que está diretamente ligada à governança, evita penalidades, promove a conformidade, facilita a comunicação de práticas éticas, responsáveis e sustentáveis e auxilia na reputação positiva dos participantes.

Com foco na criação de ecossistemas financeiros sustentáveis em nível global, dois são os conceitos relevantes e que merecem a nossa atenção: interoperabilidade e a rastreabilidade.

O primeiro termo refere-se à capacidade de sistemas e instituições trabalharem juntos, de maneira eficiente e coordenada, com integração de práticas e critérios de sustentabilidade. Já a rastreabilidade está ligada à capacidade de as instituições integrarem práticas sustentáveis no seu dia a dia, como relatórios transparentes sobre investimentos verdes, monitoramento de riscos ambientais, sociais e de governança e adaptação a regulamentações, que possam ser rastreados e cuja execução possa ser acompanhada pelos investidores.

Reafirmamos que o Brasil tem todas as condições para ser líder mundial nas finanças sustentáveis. Há razões ambientais para esta liderança tais como, por exemplo, as dimensões e proporções continentais do território nacional; a existência de biomas com vegetação nativa preservada, com destaque à Amazônia, ao Pantanal e à Mata Atlântica; e o uso predominante de matrizes energéticas limpas e renováveis em nosso país.

Há, ainda, diversas razões econômicas. A começar, o fato de o Brasil ser credor e será potencial exportador de créditos de carbono dentro da lógica do Acordo de Paris. Além disso, o Brasil está na vanguarda mundial na integração de oportunidades de investimento na economia verde, por meio da indústria de Fundos de Investimento, conforme modernização recente da anteriormente citada Resolução CVM nº 175/2022, considerada por muitos como a “Revolução 175”, por ter inovado em diversos aspectos.

Concluímos este artigo destacando o esforço coletivo do mercado de capitais brasileiro na pauta das finanças sustentáveis e da economia verde. Órgãos reguladores, autorreguladores, institutos e entidades de classes têm compreendido as oportunidades existentes e, juntos, têm desempenhado papel fundamental ao fomentar, não apenas, a incorporação das normas do ISSB no quando regulatório nacional, mas, sim, na cultura e na nova realidade de nosso segmento.

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