Opinião

Cláusula de breakup fee: panorama nacional e tendências estrangeiras

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  • é advogada no escritório Pádua Faria Advogados graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Franca e pós-graduanda em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

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  • é advogada no escritório Pádua Faria Advogados graduada em Direito pela FACAMP e pós-graduada em Direito dos Contratos e Direito Societário pela FGV Direito SP (GVlaw).

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29 de novembro de 2024, 15h20

Já bastante explorada em artigos sobre operações societárias, a cláusula de breakup fee, como diversas outras disposições contratuais que vêm sendo muito utilizadas em operações de M&A no Brasil ao longo da última década, tem origem na prática estrangeira.

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Como é de praxe nesses casos, cabe aos advogados e especialistas na área de direito dos contratos e societário se debruçarem sobre as definições da doutrina e de especialistas para entender se esses mecanismos “importados” funcionam no contexto brasileiro. Em outras palavras, se essa e outras cláusulas com nomes em inglês são válidas e eficazes à luz do ordenamento jurídico brasileiro.

É igualmente importante que tais especialistas estejam atentos aos questionamentos e litígios que são submetidos ao Poder Judiciário para serem dirimidos, para que possam entender de que forma os tribunais têm interpretado esses mecanismos contratuais tão em voga nos últimos anos.

No caso da cláusula de breakup fee, ou “taxa de insucesso”, o que se tem é a previsão de situações que servirão como gatilho para o pagamento de uma quantia por uma das partes da operação em decorrência, basicamente, da frustração do negócio. Ou seja, por meio desse mecanismo, as partes podem pactuar uma taxa que será devida em razão da quebra de contrato que leve ao fracasso da operação.

Quanto ao tema, pertinente destacar trecho da obra de Nelson Eizirik:

A cláusula de breakup fee geralmente é prevista em operações envolvendo companhias cuja propriedade acionária é dispersa. Em companhias com acionista controlador em que a negociação é feita por este, tende-se a reduzir incertezas sobre o que será deliberado pela assembleia geral a respeito da operação, bem como sobre eventual aceitação de ofertas concorrentes.

Por outro lado, no caso de companhias sem controlador definido, em que a negociação é conduzida por seus administradores, estes não têm o controle sobre a decisão da assembleia geral. Isso aumenta o risco para o ofertante, o qual pode exigir a inclusão de uma cláusula de breakup fee.[1]

Lei da Liberdade Econômica

A Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) incluiu o artigo 421-A no Código Civil Brasileiro, fazendo constar que “os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, (…)”. O inciso II de tal artigo ainda garante que “a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada”.

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Tendo em vista que os contratos são instrumentos de alocação de riscos de negócios jurídicos dos mais variados tipos, a cláusula que prevê o pagamento de taxa pelo rompimento de uma operação societária serve perfeitamente a esse objetivo, inclusive se coadunando à previsão do artigo 421-A, II do Código Civil.

Nesse sentido, além do descumprimento contratual que leve à resolução da operação, a cláusula de breakup fee usualmente prevê situações como, por exemplo, a desistência de uma das partes do negócio, inclusive por iniciativa do conselho de administração; a rejeição da operação pela assembleia de acionistas de uma das partes; a aceitação por uma das partes, no decorrer da operação, da oferta de um concorrente; a falta de financiamento da operação pela adquirente; e, não menos importante, a não aprovação da operação por órgãos públicos, como é o caso do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) no Brasil.

No contexto da discussão que se propõe, também é importante trazer a definição da chamada “reverse breakup fee”, a taxa de rescisão reversa. Trata-se de cláusula prevista nos contratos de fusões e aquisições (M&A) que estipula um valor a ser pago pela parte compradora ao vendedor caso a transação não seja concluída devido à determinadas condições predefinidas. Essa taxa funciona como uma proteção financeira para o vendedor, objetivando compensá-lo pelo tempo, recursos e oportunidades perdidas caso a negociação falhe por responsabilidade do comprador.

A reverse breakup fee geralmente é ativada quando o comprador desiste da transação ou quando surgem obstáculos externos que o impedem de cumprir o acordo, como por exemplo, falha em obter financiamentos para o negócio, entraves regulatórios, como restrições de autoridades antitruste, incapacidade de atender a outras condições precedentes definidas em contrato.

O valor do previsto nessa cláusula pode variar, mas costuma ser uma porcentagem do valor total da operação, definida previamente nas negociações entre as partes. Essa porcentagem é negociada com base no risco percebido de a transação não ser concluída.

Essa disposição contratual é comumente utilizada em transações complexas ou de grande porte, especialmente aquelas envolvendo compradores que dependem de financiamento externo ou que estão sujeitos a uma análise rigorosa de autoridades regulatórias.

Portanto, revela-se como mais uma interessante estratégia e ferramenta de mitigação de riscos, pois proporciona maior segurança ao vendedor ao sinalizar o compromisso do comprador com o acordo, o que incentiva o comprador a fazer esforços máximos para cumprir suas obrigações convencionadas, uma vez que desistir do acordo implicará em um custo significativo, ajudando a equilibrar as responsabilidades em negociações de alto risco.

Transações M&A

Em linhas gerais, a reverse breakup fee é um elemento-chave para alinhar os interesses e expectativas das partes envolvidas em transações de M&A, oferecendo segurança adicional ao vendedor enquanto responsabiliza o comprador pelos riscos sob seu controle.

O principal objetivo desta cláusula é criar uma rede de segurança financeira e estratégica para o vendedor. Incluindo mitigar perdas financeiras, de forma que haja compensação ao vendedor pelo tempo e recursos alocados na operação de M&A. Além disso, serve para indenizar o vendedor pela possível perda de outras oportunidades de negócios enquanto a transação estava em negociação, bem como distribui os riscos entre as partes, garantindo que o comprador tenha um incentivo financeiro para concluir o negócio, e por fim, demonstra a seriedade e o comprometimento do comprador em avançar com a operação.

Dentre os benefícios de utilização da cláusula breakup fee, cita-se a  segurança financeira propiciada ao vendedor, a proteção contra incertezas e a manutenção do foco na negociação com maior confiança e tranquilidade. Já em relação ao comprador, a breakup fee é uma alternativa para demonstrar comprometimento, reforçando sua credibilidade, além de viabilizar maior flexibilidade na negociação, com as condições previamente definidas, o que consequentemente acarreta a melhora do relacionamento entre as partes.

Além disso, no aspecto geral, a utilização desse mecanismo proporciona um padrão para negociações de alto risco, especialmente nos setores sujeitos a questões regulatórias rigorosas e, também, fomenta um cenário de redução de litígios, pois, ao definir antecipadamente as consequências do descumprimento contratual ou rompimento da operação, a probabilidade de disputas judiciais prolongadas e desgastantes é consideravelmente minimizada.

Panorama brasileiro e tendência de mudanças no mercado americano

No Brasil, ao longo dos últimos anos, houve notícia de diversas operações que previram taxa de insucesso, chamando a atenção, em especial, as multas de grande vulto envolvidas, em tendência muitas vezes contrária ao que vêm sendo observado no mercado norte-americano.

Para ilustrar, a compra da Fibria pela Suzano, em 2019, que resultou em uma gigante na indústria da celulose, continha esse mecanismo e previa que, entre outras condições que poderiam levar a não efetivação do negócio, caso as autoridades concorrenciais no Brasil e no exterior exigissem condições entendidas como excessivamente onerosas pela Suzano, fazendo com que esta desistisse da operação, a Fibria receberia R$ 750 milhões a título de taxa de insucesso.

Já em 2020, a Natura concluiu a compra da Avon em uma operação de, aproximadamente, US$ 2 bilhões que continha taxa de insucesso para ambas as companhias. A Avon deveria receber US$ 242 milhões caso a assembleia de acionistas da Natura não aprovasse a operação, e US$ 133 milhões deveriam ser pagos se o conselho de administração fizesse recomendação negativa em relação ao negócio.

Mais recentemente, no ano passado, houve a compra do Grupo CRM, dono da Kopenhagen e da Brasil Cacau, pela Nestlé. Sobre a operação, que deveria ser aprovada pelo CADE, pairava muita incerteza, já que a Nestlé enfrentou um longo processo de 20 anos junto à autoridade concorrencial para concluir a compra da Garoto, que foi anunciada em 2002, mas aprovada somente em 2023. Obviamente, a operação também previa breakup fee caso a transação fosse barrada pelo Cade.

Vê-se, assim, que obstáculos regulatórios com processos morosos permeados de incertezas e frustrações, tendem a representar um risco bastante elevado às partes envolvidas em negociações de M&A. Esse cenário ajuda a compreender a tendência, no Brasil, de breakup fees com valores tão altos para os casos de operações que correm o risco de serem brecadas pelos órgãos reguladores, ou na hipótese de alguma das partes ter de arcar com a imposição de condições tão onerosas que acabem invalidando a continuação da operação.

Mercado americano

Por sua vez, o mercado americano tem lidado com o escrutínio mais severo das autoridades concorrenciais sobre as operações de M&A. Isso tem levado a dois possíveis cenários que refletem mudanças: enquanto algumas companhias preveem “fees” mais altos caso a operação seja reprovada por questões regulatórias, há aquelas que tem preferido, simplesmente, não prever nenhuma multa na hipótese de fracasso por imposição de barreiras regulatórias, tal é o estado atual do mercado americano. O que se deve, em grande medida, às circunstâncias políticas, já que o país acabou de passar por uma eleição presidencial e muitas incertezas ainda pairam sobre o mercado.

A atitude mais dura por parte das autoridades americanas leva o mercado a enxergar o atual momento do ambiente regulatório como “hostil”. Tal cenário, entretanto, já vem sendo observado há alguns anos. É o caso, por exemplo, do acordo de fusão entre a Visa e a companhia de tecnologia financeira Plaid, que era avaliado em US$ 5,3 bilhões. A operação foi cancelada em 2021 devido a entraves regulatórios. No caso, as partes abandonaram o negócio sem pagar absolutamente nada uma à outra.

As operações que têm sofrido mais com esse novo momento são as fusões nos setores de tecnologia, da indústria farmacêutica, de energia e instituição financeiras, devido aos riscos concorrenciais.

Por mais que as realidades sejam muito diferentes e únicas, é sempre recomendável observar o cenário internacional, já que, no mundo globalizado, os mercados são conectados e interdependentes. Além disso, como já abordado, diversas operações precisam ser aprovadas por autoridades nacionais e estrangeiras, o que significa que correm um risco duplo em termos da complexidade regulatória envolvida.

De qualquer maneira, não é recomendável que as partes abram mão de estipular algum tipo de compensação nesses casos, por maiores que sejam os riscos de obstáculos porventura impostos por autoridades de defesa da concorrência e o grau de incerteza a impactar as negociações. O ideal é que haja previsão, no mínimo, da compensação pelo investimento do tempo e custos diretos e indiretos por parte da vendedora, por exemplo.

Conclusão

Como instrumento de alocação de riscos, a cláusula contratual que prevê o pagamento de taxa de insucesso em operações societárias se revela mecanismo válido, eficaz e eficiente, uma vez que incentiva o bom comportamento de ambas as partes na condução do negócio, prevendo bases objetivas para que a operação seja concluída de forma bem-sucedida.

A lei brasileira, por sua vez, cumpre seu papel de dar suporte e segurança para tais pactos, uma vez que privilegia a autonomia das partes e a liberdade contratual, colaborando para que a iniciativa privada dependa menos da chancela do Judiciário para assegurar o equilíbrio dos negócios jurídicos, que contam com presunção de simetria e paridade de condições.

 


[1]EIZIRIK, Nelson. M&A – Regime Societário e Contratual. São Paulo: Quartier Latin, 2024, p. 303.

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