A regulação do mercado de carbono no Brasil
29 de novembro de 2024, 19h32
O Brasil está prestes a ter uma regulamentação sobre os créditos de carbono. No dia 19 de novembro, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 182/2024, o qual havia sido aprovado ainda no dia 4 pelo Senado. [1] De iniciativa do deputado federal Jaime Martins (PSD/MG), o projeto institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa.
Os gases que geram o efeito estufa (e, consequentemente, o aquecimento global) são diversos, sendo o dióxido de carbono (CO2) um dos mais representativos. [2] Diante das mudanças climáticas, vem sendo estabelecido em nível internacional um teto de emissões de tais gases aos países — inicialmente aos desenvolvidos, no âmbito do Protocolo de Kyoto de 1997, seguido pelas nações em desenvolvimento, sob o bojo do Acordo de Paris de 2015. Em nível doméstico, a Política Nacional sobre Mudança do Clima, criada pela Lei Federal nº 12.187/09, também é um documento relevante nesse sentido, pois oficializa o compromisso nacional com a diminuição de gases que geram o efeito estufa.
No caso, o comércio de carbono é uma prática que permite que se transmita os limites de emissões de uma parte para outra, sendo uma forma já bastante popular no plano doméstico de diversas nações [3] para que o teto nacional de emissões não seja ultrapassado. Mais especificamente, o comércio de carbono traz o sistema cap-and-trade, que permite que uma pessoa, empresa ou órgão que tenha um limite de emissão de gases que geram o efeito estufa e que esteja emitindo valor superior, compre créditos de outra parte que, diferentemente dela, não esteja utilizando toda a sua cota.
Assim, aquele que não usa da integralidade da sua cota pode obter um ganho financeiro [4] (tributável [5]) comercializando os seus créditos de carbono, enquanto aquele que queira poluir acima do seu teto ainda pode fazê-lo por meio da aquisição de créditos de outrem, de modo que o limite nacional resta inalterado.
Com isso, percebe-se que a intenção inicial de regular o mercado de carbono é benéfica, pois não só auxilia o Estado a manter um controle sobre as emissões em seu território, como também cria oportunidades seguras de negócio para aqueles que investem na proteção ambiental, sobretudo, em atividades no setor privado ligadas à captura de carbono na atmosfera, como conservação de áreas de preservação permanente (APPs), para citar um exemplo.
PL 182/2024
Segundo o PL brasileiro, são criados dois mercados: um regulado (pela Comissão de Valores Mobiliários — CVM), e outro voluntário de créditos de carbono no país. O primeiro está relacionado às metas do Estado, assumidas perante a sociedade internacional, que serão de iniciativa do poder público. Para tanto, até mesmo impõe a criação de um órgão regulador [6], o qual poderá impor sanções àqueles que não seguirem as metas e, logo, não adquirirem o crédito correspondente necessário. Já o segundo se refere à inciativa privada, que não será submetido a tal órgão, sendo, por isso, considerado mais flexível.
No mercado regulado, serão negociadas Cotas Brasileiras de Emissão (CBD), cuja quantidade será alocada através de um plano nacional previamente determinado, que será objeto de consulta pública [7]. Já no mercado voluntário, serão negociados Certificados de Remoção Verificada de Emissões (CRVE), os quais serão proporcionalmente apontados entre as emissões dos setores sujeitos à regulação e as emissões totais brasileiras.
Vale dizer, contudo, que uma empresa que queira poluir mais do que o seu teto poderá adquirir tanto CBDs como CRVEs, muito embora estes possam não ser eventualmente admitidos em sua totalidade na amortização de emissões feitas ao final do período de avaliação de sua atuação. [8]
COP 29
O mercado de carbono brasileiro está alinhado àquele que foi objeto de debate durante a Conferência das Partes (COP) 29, recentemente realizada em Baku, capital do Azerbaijão. Isso porque, dentre os acordos firmados ao final das discussões está finalmente a adoção documento sobre as regras gerais para o lançamento de mercado de carbono global, sob os auspícios das Nações Unidas. [9]
O início dos debates em torno deste acordo específico se deu ainda em 2015, há nove anos, na COP21, realizada em Paris, e uma das grandes preocupações sempre foi a rastreabilidade dos créditos e a transparência em torno das informações prestadas pelos captadores de carbono [10], notadamente, por diversas alegações de fraudes em trono de outros projetos de compensação de emissões [11], inclusive, no Brasil[12].
Críticas ao mercado de carbono
O mercado de carbono, porém, não é isento de críticas. Em que pese a comercialização de créditos de carbono possa transformar boas práticas ambientais atreladas à captura de carbono da atmosfera em renda, esse projeto também é visto como uma expressão da colonialidade.
Colonialidade é um conceito que se refere a uma estrutura de poder que persiste na sociedade após o fim do colonialismo. Ou seja, em que pese não existam mais laços formais entre colônias e metrópoles, o que se vislumbra é a continuidade dos mesmos padrões, em especial, de exploração destes sobre aqueles.
No caso, a colonialidade do carbono se referiria à manutenção da exploração da natureza do Sul Global em prol dos países do Norte Global. [13] Mais especificamente, se refere a privatização de recursos ambientais e, logo, à impossibilidade de utilização da terra de maneira livre em virtude da necessidade de mantê-la intacta/preservada para fins de geração de créditos. Trata-se de um quadro que pode inviabilizar o próprio desenvolvimento econômico do Estado, haja vista a imobilidade do território para fins de captura de dióxido de carbono, por exemplo.
Mais do que isso, esse quadro pode também fazer com que o próprio meio ambiente local reste afetado quando, por exemplo, para a realização da captura do carbono, sejam usadas espécies que são ambientalmente danosas, como a plantação de eucalipto, cujo cultivo, se feito de maneira incorreta, pode provocar a erosão do solo e assoreamento de cursos d’água.
Deste ponto é que advém outra questão que envolve a colonialidade do carbono, qual seja, a invisibilização de povos tradicionais. [14] Afinal, estes podem colaborar sobremaneira para a captura de carbono se o seu conhecimento não fosse rotineiramente ocultado e se suas terras não fossem objeto de grilagem e destruição proveniente do desmatamento ilegal e da ação de mineradoras.
Assim sendo, diante das considerações acima, verifica-se a necessidade de uma maior atenção com a regulação do mercado de carbono, pois este, muito embora bastante popular em diversos países, poderá consumir a manutenção de uma estrutura ainda colonial no Brasil.
[1] https://www.conjur.com.br/2024-nov-20/camara-aprova-regulamentacao-do-mercado-de-creditos-de-carbono/
[2] Os principais Gases que geram o efeito estufa são: Dióxido de carbono (CO2), Metano (CH4), Óxido nitroso (N2O), Ozônio (O3), Clorofluorcarbonos (CFCs) e os Gases fluorados (F-Gases). Cf. https://www.unep.org/pt-br/noticias-e-reportagens/reportagem/voce-sabe-como-os-gases-de-efeito-estufa-aquecem-o-planeta
[3] Sobre o mercado estadunidense e o europeu, cf. SQUEFF, Tatiana Cardoso. Análise Econômica do Direito Ambiental: perspectivas internas e internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. 312p.
[4] “O mercado internacional de créditos de carbono movimentou R$ 9,5 bilhões em 2022”. Cf. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/11/13/modificado-no-senado-marco-regulatorio-do-mercado-de-carbono-volta-a-camara
[5] https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada/post/2024/11/tributacao-do-carbono-volta-a-pauta.ghtml
[6] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/11/04/senado-vota-regulamentacao-do-mercado-de-credito-de-carbono
[7] https://www.camara.leg.br/noticias/1029046-camara-aprova-projeto-que-regulamenta-o-mercado-de-carbono-no-brasil
[8] https://www.camara.leg.br/noticias/1112521-camara-aprova-projeto-que-regulamenta-o-mercado-de-carbono-no-brasil-texto-segue-para-sancao
[9] https://unfccc.int/news/cop29-agrees-international-carbon-market-standards
[10] https://www.reuters.com/sustainability/sustainable-finance-reporting/cop29-agrees-deal-kick-start-global-carbon-credit-trading-2024-11-23/
[11] https://www.theguardian.com/environment/2023/jan/18/revealed-forest-carbon-offsets-biggest-provider-worthless-verra-aoe
[12] https://news.mongabay.com/2024/06/brazilian-investigators-raid-amazon-carbon-credit-projects-exposed-by-mongabay/
[13] Cf. SQUEFF, Tatiana Cardoso. Rearranging the Geopolitics of Climate Change Due to Climate and Carbon Coloniality. In: Shuma Talukdar, Valéria Emília de Aquino. (Org.). Judicial Responses to Climate Change in the Global South: A Jurisdictional and Thematic Review. 1ed.Cham, Switzerland: Springer, 2024, p p. 53-76.
[14] https://www.conjur.com.br/2023-out-21/leandro-figueiredo-mercado-carbono-colonialismo-climatico
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!