Interpretação da cláusula de melhores esforços
11 de novembro de 2024, 16h16
Originária do direito da “common law”, a denominada cláusula de melhores esforços é frequentemente incorporada nos contratos que regem as operações de M&A (fusões e aquisições) envolvendo empresas brasileiras. Portanto, compreendê-la, e especialmente compreender a maneira pela qual os juízes e tribunais a interpretam e aplicam na prática, é de suma importância para garantir uma adequada execução do contrato e a segurança jurídica das partes no momento em que celebram o negócio.
No contexto das transações de M&A, essa cláusula aparece especialmente para determinar que certa parte (ou ambas) irá empregar seus “melhores esforços” para cumprir alguma obrigação contratual. Usualmente, é utilizada para impor uma atuação diligente e dedicada no cumprimento de determinado ato previsto em contrato, como a busca de obter uma licença e/ou autorização, renegociar uma garantia ou manter o relacionamento existente com clientes e fornecedores, por exemplo.
Assim, seguindo a tradicional distinção feita pelo direito obrigacional em obrigações de meio e obrigações de resultado, pode-se afirmar sem muitas ressalvas que a cláusula de melhores esforços estabelece uma obrigação de meio, ou seja, tem “como causa final a atividade em si, independentemente do resultado obtido, concentrando-se na prestação de agir com diligência, boa-fé e de acordo com o que determinem a técnica e a ciência que devam ser empregadas” [1].
Considerando essa classificação clássica do direito brasileiro, cabe passar à análise da jurisprudência pátria sobre o assunto e verificar se a cláusula é realmente pensada como uma obrigação de meio pelo Judiciário.
Uma primeira observação que merece ser feita é a seguinte: há pouquíssimos julgados cuja lide se desenvolva em torno da interpretação de uma cláusula de melhores esforços, ainda menos no contexto de M&A, considerando a frequente opção pelo procedimento arbitral nessas operações, protegido pelo sigilo, em regra.
Além disso, o tema em geral é pouco debatido pelos tribunais brasileiros, independentemente de ser um negócio de M&A ou não. Por tais razões, é até questionável a utilização do termo “jurisprudência”, enquanto um entendimento judicial consolidado pela repetição de decisões proferidas em um mesmo sentido. Não obstante, algumas decisões são capazes de demonstrar o entendimento, ainda que pouco significativo em termos quantitativos, da “jurisprudência” brasileira.
Cláusula de melhores esforços dispensável
Pois bem, em acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná [2], a corte, ao decidir sobre um pedido em que a parte autora visava a uma tutela judicial que determinasse aos réus a apresentação de “carta de anuência e contrato de cessão de crédito e/ou portabilidade com a sua respectiva instituição financeira” para regularizar uma questão imobiliária, reconheceu a obrigação dos réus de empregarem seus melhores esforços, conquanto não existisse cláusula específica para tal fim no contrato.
Esta interpretação realizada pelo tribunal coaduna com a leitura de Sílvio de Salvo Venosa [3], para o qual a cláusula de melhores esforços, no direito brasileiro, é dispensável. Em nosso sistema, segundo o autor, os deveres instrumentais impostos pela boa-fé objetiva (artigo 422 do Código Civil) são suficientes para impor o comportamento diligente esperado pelas partes na execução do contrato.
De qualquer forma, no caso concreto analisado pelo tribunal, este entendeu que além das condutas até o momento praticadas pelos réus para obtenção da documentação solicitada, faltou-lhes o emprego de ação judicial. Portanto, a corte decidiu que a obrigação de melhores esforços (nesse caso, reitere-se, não explicitada em cláusula contratual) não foi atendida, configurando inadimplemento contratual.
“Concluo, portanto, que é de se dar guarida ao pedido da Autora, reconhecendo o dever/obrigação dos Réus de prestarem melhores esforços para fins de obtenção, junto ao Credor Fiduciário, da documentação que é objeto do pedido autoral, o que, no caso em exame, exigia não só as investidas dos Requeridos em face do Credor Fiduciário e posterior reclamação contra este junto ao Banco Central, mas um plus, que seria o manejo de uma ação judicial, de modo que, em não sendo esta ação levada a cabo, configurou-se o que se pode chamar de inexecução da obrigação de prestar melhores esforços, isto é, o inadimplemento.”
Por sua vez, o Tribunal de Justiça de São Paulo [4], em caso no qual a cláusula de melhores esforços efetivamente estava presente, decidiu que o seu fiel cumprimento depende da possibilidade da parte obrigada pelos melhores esforços provar que efetivamente agiu de maneira eficiente e diligente. Em resumo, as partes firmaram contrato de prestação de serviços, na qual a empresa ré comprometeu-se a, mediante seus melhores esforços, captar parceiros comerciais e obter patrocínios para a atividade desempenhada pela autora. Entretanto, a ré obteve apenas um único investimento, o que motivou a ação da autora. Isto posto, o tribunal decidiu da seguinte forma, cujo acórdão foi mantido pelo Superior Tribunal de Justiça [5]:
“Assim, inicialmente, impõe o exame da cláusula de “melhores esforços” na relação contratual entre as partes se de meio ou de resultado. Na cláusula de meio o devedor deve ser diligente na obrigação assumida, mas sem assegurar o resultado ao credor. E na cláusula de resultado o devedor assume a obrigação de realizar o resultado pretendido pelo credor.
Verifica-se que a cláusula de melhores esforços é uma cláusula de meio, onde a conduta bem definida e esperada do Réu era o empenho na captação de parceiros comerciais para Autora, para publicidade de marcas e produtos, e exploração comercial do espaço, ou seja, o comportamento do Réu seria de fazer.
[…]
Ao Réu cabia o ônus de demonstrar, a sua conduta eficiente na captação de parceiros para a Autora, para que a Autora atingisse o objetivo pretendido: proveito econômico, mas, não é isso que ficou demonstrado na instrução processual.”
Não se trata de mero acordo de cavalheiros
Assim, a conclusão à qual se chega, considerando ambas as decisões supra, é a de que a parte deve minimamente ser apta a provar que agiu com conduta qualificada como “empenhada” e “eficiente” para adimplir a cláusula de melhores esforços, segundo o Poder Judiciário brasileiro. Portanto, o dispositivo não se trata de mero “acordo de cavalheiros”, cuja observância não é obrigatória.
Já no cenário internacional, entretanto, o entendimento sobre a cláusula de melhores esforços não é necessariamente o mesmo. Há, inclusive, forte discussão sobre a diferença (ou não) entre cláusulas de “reasonable efforts” e “best efforts”, na qual existem bastantes visões diferentes. Nas cortes do Estado de Nova Iorque, por exemplo, proferiram-se decisões em ambos os sentidos, tanto afirmando que “best efforts” imporiam uma obrigação maior em comparação a “reasonable efforts”, quanto concluindo que ambas estabelecem um único e igual dever [6].
Para quem defende a distinção acima, as cláusulas de “best efforts” obrigariam a parte a praticar todos e quaisquer atos que possam, razoavelmente, levar ao cumprimento da obrigação ou objetivo previsto [7]. De outro lado, uma cláusula de “reasonable efforts” estaria devidamente atendida se o obrigado tomasse ações razoáveis, que uma pessoa diligente e prudente, tomaria para ver o objetivo pretendido alcançado. Ou seja, não necessariamente todos os atos possíveis precisariam ser praticados [8].
Ressalte-se, não obstante, que se trata de uma distinção existente apenas para algumas cortes: outros juízes e tribunais entendem que ambas as cláusulas, independentemente da nomenclatura adotada, impõem o mesmo grau de obrigação. Em qualquer caso, a disposição não pode impor um fardo tamanho que sacrifique os interesses da própria parte que a executa.
Dado o exposto, considerando a incerteza que aflige tanto o judiciário nacional quanto estrangeiro, o ideal para as partes redigir tais cláusulas com clareza, delimitando e definindo o conteúdo e os esforços que efetivamente precisam ser performados, bem como os seus limites.
[1] LOBO, Paulo. Direito civil: obrigações. v.2. [Digite o Local da Editora]: SRV Editora LTDA, 2024. E-book. ISBN 9788553623143. p. 14 Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553623143/. Acesso em: 13 jun. 2024.
[2] TJPR – 6ª Câmara Cível – 0021637-95.2014.8.16.0001 – Curitiba – Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU HORACIO RIBAS TEIXEIRA – J. 09.08.2022
[3] VENOSA, Sílvio. A cláusula de melhores esforços nos contratos. Migalhas, 2003. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/936/a-clausula-de-melhores-esforcos-nos-contratos. Acesso em: 13/06/2024
[4] TJSP; Apelação Cível 0158325-21.2010.8.26.0100; Relator (a): Berenice Marcondes Cesar; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/03/2019; Data de Registro: 22/03/2019
[5] AgInt no AREsp n. 1.672.411, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 05/08/2020.
[6] O’FLAHERTY, Kevin. Efforts Clauses – Drafter Beware, 13/04/2023. Disponível em: https://perspectives.goulstonstorrs.com/post/102iuzc/efforts-clauses-drafter-beware. Acesso em: 15/07/2024.
[7] LABRANCHE, Brittney N. Interpreting “best efforts” vs “reasonable efforts” in contracts, 18/08/2022. Disponível em: https://www.bdplaw.com/insights/interpreting-best-efforts-vs-reasonable-efforts-in-contracts/. Acesso em: 15/07/2024.
[8] BHATIA, Kashish; SHUKLA, Aditi; KAVURI, Taruni; DHEBAR, Parisha. International Jurisprudence on Interpretation of ‘Best Efforts’ and ‘Reasonable Efforts’ in Commercial Contracts, 30/01/2024. Disponível em: https://www.azbpartners.com/bank/international-jurisprudence-on-interpretation-of-best-efforts-and-reasonable-efforts-in-commercial-contracts/. Acesso em: 15/07/2024.
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